Acórdão nº 841/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 841/2022

Processo n.º 645/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., recorrente e reclamante nos presentes autos, notificado do Acórdão n.º 661/2022, prolatado em 18.10.2022, no qual se decidiu “Indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão sumária que não conheceu do objeto do recurso”, vem arguir a nulidade de tal aresto, invocando, para o efeito, os seguintes fundamentos:

I. PONTO DE PARTIDA:

1. A presente arguição é feita em consciência.

2. Claro está que essa seriedade intelectual é sempre devida, nomeadamente em juízo, fez-se aquela referência só para enfatizar a genuinidade na convicção de que, crê-se, no segmento tido em vista e que seguidamente se vai identificar, o douto Acórdão, com o devido respeito, não se pronunciou quanto a um dos argumentos chave do recurso em causa.

3. Vejamos, de ora em diante, a concretização da questão.

II. QUADRO PROCESSUAL:

4. De acordo com o art.º 615 n.º 1 al. d) do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

5. Esta regra é aplicável às decisões tomadas em segunda instância, conforme dispõe o art.º 666 n.° 1 do CPC.

6. Dita o n.º 2 do mesmo artigo que a retificação ou reforma do Acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência.

7. E segundo o art.º 69 da LTC, à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do CPC, em especial as respeitantes ao recurso de apelação.

Assim e em síntese,

8. Tal como nas demais instâncias, a nulidade por excesso ou omissão de pronúncia é um conceito aplicável às decisões do Tribunal Constitucional e, na eventualidade da sua ocorrência, a arguição correspondente é feita nos termos das normas legais citadas e apreciada em conferência.

9. É o que doravante se passa a fazer.

III. A NULIDADE ARGUIDA:

10. Como anteriormente se sumariou, o recurso em causa foi interposto, em 28 de abril de 2022, do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 5 de abril de 2022, que, em conferência, julgou improcedente a reclamação, apresentada em 15 de fevereiro de 2022, da decisão singular proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de janeiro de 2022, que julgou inadmissível o recurso para uniformização de jurisprudência, interposto em 10 de setembro de 2021.

11. O recurso em causa foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça por despacho de 1 de junho de 2022, conforme art.º 76 da LTC, mas, ao contrário, já não o foi pela decisão singular de 6 de julho de 2022, proferida pelo Tribunal Constitucional à luz do art.º 78-A n.º 1 da LTC.

12. Antes da não admissão do recurso propriamente dita, a referida decisão singular limitou o objeto do recurso em causa, julgando-o intempestivo no que concerne aos art.ºs 980 al. f) do CPC 56 n.º 1 al. b) ponto ii) da LAV.

13. A reclamação dessa decisão para a conferência suscitou a questão, argumentando, em sentido contrário, por um lado que o art.º 70 n.º 1 al. b) da LTC não exige que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada na peça processual diretamente alvo da decisão recorrida e só nesta, e por outro, que, no presente caso, a reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de fevereiro de 2022, só podia fazer referência ao art.º 688 n.º 1 do CPC.

14. Mas com o devido respeito, o douto Acórdão deu continuidade ao problema que já vinha de montante, agravando-o até, na medida em que verdadeiramente não se pronunciou sobre esta questão.

Eis porque se conclui nesse sentido:

15. O ponto é aflorado na página 14 do douto Acórdão.

16. No entanto e sempre com o devido respeito, a questão subsiste sem pronúncia, fundamentalmente no sentido antes suscitado, leia-se, uma efetiva pronúncia sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso em causa na medida dos art.ºs 980 al. f) do CPC 56 n.º 1 al. b) ponto ii) da LAV, mas, a partir do douto Acórdão, também quanto ao segmento e fundamentos da reclamação, por ele decidida, quanto a não ser possível reiterar a inconstitucionalidade, quanto a esses artigos, na supra referida reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de fevereiro de 2022.

17. Como mencionado supra, este último aspeto foi sustentando em dois argumentos, na reclamação para a conferência decidida pelo douto Acórdão agora visado, por um lado que o art.º 70 n.º 1 al. b) da LTC não exige que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada na peça processual diretamente alvo da decisão recorrida e só nesta, e por outro, que, no presente caso, a reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de fevereiro de 2022, só podia fazer referência ao art.º 688 n.º 1 do CPC.

18. O primeiro argumento foi visado na referida página 14 do douto Acórdão.

19. Com o devido respeito, não se comunga dos contra-argumentos ali opostos, crendo-se mesmo que a interpretação normativa do art.º 70 al. b) da LTC ali feita, de que a norma exige que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada na peça processual diretamente alvo da decisão recorrida e só nesta, não bastando tê-lo sido ao longo do processo (durante o processo como a norma expressamente diz), padece ela própria de inconstitucionalidade, sempre com o devido respeito, por violação do disposto no art.º 20 da CRP, concretamente do direito de acesso ao direito e aos tribunais, no art.º 202 n.º 2 da CRP, que assegura a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e no art.º 13 n.º 1 da CRP, que postula a igualdade de todos os cidadãos face à lei.

20. Mas o segundo argumento não foi.

21. E como visto, recuperando o dito antes, a referida reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de fevereiro de 2022, só podia aludir ao art.º 688 n.º 1 do CPC, não podendo, pelo contrário, fazê-lo quanto aos art.ºs 980 al. f) do CPC 56 n.º 1 al. b) ponto ii) da LAV, uma vez que essa reclamação tinha, necessariamente, de se limitar ao teor da decisão contra a qual reagiu e esta foi a decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de janeiro de 2022, que julgou inadmissível o recurso para uniformização de jurisprudência, interposto em 10 de setembro de 2021.

22. Como anteriormente foi exposto, a menção ao art.º 688 n.º 1 do CPC era a única que tinha sentido e por isso cabimento na reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de fevereiro de 2021.

23. Porque esta, como visto, foi apresentada em reação contra a decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 2022 e o conteúdo desta última foi julgar inadmissível o recurso para uniformização de jurisprudência de 10 de setembro de 2021, com o argumento da falta de identidade entre acórdãos que é exigida pelo dito art.º 688 n.º 1 do CPC.

24. Está por isso bem de ver, crê-se, que nesse contexto, portanto na reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2022, não tinha, sentido e por isso cabimento reiterar a inconstitucionalidade, que, como se sabe, tinha sido suscitada nas alegações do recurso para uniformização de jurisprudência interposto em 10 de setembro de 2021, do art.º 980 al. f) do CPC e do art.º 56 n.º 1 al. b) ponto ii) da LAV.

25. Na medida em que essa era absolutamente alheia ao objeto da reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2021.

26. Pois, como se acabou de repisar, esse objeto cingia-se e estava condicionado à decisão contra a qual reagiu, a decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 2022.

27. E este, como se recordou há pouco, foi limitado à não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência e, para esse efeito, à aplicação e a uma interpretação do art.º 688 n.º 1 do CPC.

Ora,

28. Os art.ºs 980 al. f) do CPC e 56 n.º 1 al. b) ponto ii) da LAV têm por conteúdo, no que releva no caso presente, a imposição da condição de o reconhecimento da sentença não ter um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

29. Nada, pois, relacionado com o art.º 688 n.º 1 do CPC e a admissibilidade ou não do recurso referido.

30. Assim, o recorrente e ora reclamante jamais podia visar as inconstitucionalidades que suscitou antes e por razões que não lhe eram imputáveis, uma vez que o recurso para uniformização de jurisprudência, no qual suscitou a inconstitucionalidade dos art.ºs 980 al. f) do CPC e 56 n.º 1 al. b) ponto ii) da LAV, não foi admitido por uma decisão singular que se limitou ao art.º 688 n.º 1 do CPC.

31. No entanto e em suma, o douto Acórdão ora visado não se pronunciou sobre isto, razão pela qual e sempre com o devido respeito, se crê padecer de nulidade, nos ditos termos dos art.ºs 69 da LTC e 615 n.º 1 al. d) e 666 n.°s 1 e 2 do CPC, o que assim se argui”.

2. A recorrida “B., S.A.” pronunciou-se nos termos que seguem:

“I. ENQUADRAMENTO E RAZÃO DE ORDEM

1. O Requerente interpôs recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.11.2020, que reconheceu uma sentença arbitral estrangeira, tendo, nesse âmbito, e para o que aqui interessa, alegado que os artigos 980.º, al. f) do Código de Processo Civil (doravante, "CPC") e 56.º, n.º 1, al. b), ponto ii) da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante, "LAV"), seriam inconstitucionais se interpretados e aplicados como foram no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima identificado.

2. Acontece, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça proferiu decisão singular, em 27.01.2022, tendo rejeitado o recurso interposto pelo aqui Requerente, com o fundamento...

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