Acórdão nº 031/16.9BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – B……………. E A……………., ambos com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30 de junho último, que negou provimento ao recurso por si da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial, da liquidação de IRS, referente ao exercício de 2014, no valor global de 23.687,59 €.

Os recorrentes concluem as suas alegações de recurso nos seguintes termos: 1.

Neste Supremo Tribunal Administrativo encontra-se pendente o Processo n.º 535/19.1BEMDL, cujo recurso do Acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo Norte, Unidade Orgânica 2, interposto na mesma data de 19 de setembro de 2022, no qual são os mesmos os intervenientes processuais, encontrando-se na mesma fase que os presentes autos, e que, pese embora digam respeito a atos tributários diferentes, são respeitantes ao mesmo tributo, são arguidos os mesmos vícios, e são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

  1. Pelo que deverá ser ordenada apensação a estes autos, dos autos do Processo n.º 535/19.1BEMDL, nos termos das disposições conjugadas do artigo 105.º número 2., do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante abreviadamente designado CPPT) e o artigo 268.º do Código de Processo Civil.

  2. Do disposto no artigo 285.º, número 1., do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante abreviadamente designado CPPT), resulta a excecionalidade do recurso de revista estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.

  3. No caso sub judice, entendem os RECORRENTES que o presente recurso é admissível, no âmbito das três vertentes legalmente previstas e supra enunciadas.

  4. Não desconhecem os ora RECORRENTES que estamos perante conceitos indeterminados que têm vindo a ser preenchidos pela doutrina e pela jurisprudência, visando permitir a adequada apreciação preliminar sumária a que se refere o artigo 285.º, número 6., do CPPT, encontrando-se pacificada a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo nos termos vertidos no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02 de fevereiro de 2022, proferido no Processo n.º 0682/18.7BESNT e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de maio de 2022, proferido no Processo n.º 0593/21.9BEPNF, que aqui se referem a título exemplificativo.

  5. Constitui, ainda, jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que “em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o Recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista”.

  6. Assim, sendo, passará a demonstrar-se o preenchimento dos requisitos de admissibilidade da presente revista.

  7. Nos presentes autos, vieram os RECORRENTES deduzir impugnação judicial contra o ato de liquidação de IRS respeitante ao exercício de 2014, que decidiu que à sua concreta situação não seria aplicável a isenção prevista no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante apenas EBF).

  8. Porém, no exercício de 2014, os RECORRENTES exerceram funções docentes no estrangeiro, mais concretamente no Luxemburgo, ao abrigo de um acordo de cooperação internacional celebrado entre Portugal e o Grão-Ducado do Luxemburgo, designadamente o Acordo de Cooperação, assinado em Lisboa a 12 de julho de 1982, que veio a ser aprovado para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 129/82, de 16 de novembro, por força da Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977.

  9. Pelo que, entendem os RECORRENTES que a sua concreta situação é subsumível à previsão contida no artigo 39.º, número 1., do EBF e, nessa conformidade, deverão os rendimentos auferidos na sua qualidade de docentes deslocados no estrangeiro, ao abrigo do referido acordo de cooperação, ser isentos de IRS.

  10. Ora, no caso sub judice, o que sucede é que existe, em todas as decisões proferidas desde o procedimento administrativo e ao longo do processo judicial, um manifesto erro de interpretação da lei e consequente má aplicação do Direito, o que determinou a existência de decisões com as quais os RECORRENTES não podem conformar-se, fundamentadas genericamente, sem correspondência nos preceitos legais aplicáveis e sem recuso à exegese jurídica que o presente caso manifestamente impõe.

  11. Com efeito, pese embora percorrendo iter cognoscitivos diferentes, ambas as instâncias concluem que o âmbito de aplicação do artigo 39.º, número 1., do EBF se restringe a acordos de cooperação em prol do desenvolvimento de países recetores de ajuda ao desenvolvimento e/ou ajuda humanitária; na primeira instância entendendo-se que a determinação de conceitos deve fazer-se por remissão para a Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, no Tribunal Central Administrativo Norte percorrendo-se a Carta das Nações Unidas e os Tratados da União Europeia.

  12. Porém, com todo o respeito que merecem as decisões dos nossos tribunais, não podem os RECORRENTES conformar-se com tais interpretações jurídicas, por não se traduzirem numa correta aplicação do direito.

  13. Na realidade, a questão sub judice é, sob o ponto de vista jurídico, complexa e carece de uma análise jurídica profundamente detalhada e ponderada, sendo uma causa na qual se discutem questões essenciais que clamam pela intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que este Tribunal é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.

  14. Com efeito, importará que este Supremo Tribunal Administrativo se debruce, essencialmente, sobre as seguintes questões: a) Que interpretação deverá ser dada ao conceito de “acordos de cooperação” contido no artigo 39.º, número 1., do EBF, tendo em conta, para além do mais, a unidade do sistema jurídico; b) Se o conceito de acordos de cooperação contido no artigo 39.º, número 1., do EBF se restringe aos acordos de cooperação internacionais de apoio ao desenvolvimento e/ou de ajuda humanitária; c) Se o benefício previsto na referida norma do EBF apenas é aplicável no âmbito de ações de cooperação, nos termos previstos na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril; d) Se a isenção prevista no número 1., do artigo 39.º, do EBF, é aplicável à concreta situação dos RECORRENTES; e) Se a interpretação da norma contida no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais no sentido de a aplicação daquele benefício ser apenas aplicável no âmbito dos acordos internacionais de ajuda ao desenvolvimento, estará ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, número 2., 165.º, número 1., alínea i) e 111.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa, em violação dos princípios da legalidade e tipicidade tributárias, bem como do princípio da separação de poderes; f) Se a interpretação da norma contida no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais no sentido de a aplicação daquele benefício ser apenas aplicável aos agentes de cooperação nos termos definidos na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, preenchidos que sejam os requisitos previstos naquele diploma legal, estará ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, número 2., 165.º, número 1., alínea i) e 111.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa, em violação dos princípios da legalidade e tipicidade tributárias, bem como do princípio da separação de poderes.

  15. As matérias supra descritas, como ressalta à evidência, tratam-se de questões de elevada complexidade, desde logo pela necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos, incluindo a compatibilização de conceitos de direito internacional público com o regime previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais e com as normas fiscais e constitucionais vigentes.

  16. Pelo exposto, será de concluir-se que estamos perante questão que assume relevância jurídica fundamental.

  17. Para além da relevância jurídica fundamental, as questões em apreciação revestem-se, também, de fundamental relevância social, dado que, no âmbito do regime do ensino do português no estrangeiro, encontram-se deslocados no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação, dezenas de docentes para os quais a decisão a proferir nos presentes autos assume manifesta utilidade.

  18. Mas, não é apenas no âmbito do ensino do português que o Estado Português é parte em acordos de cooperação internacional, na medida em que a cooperação internacional é estabelecida entre Portugal e outros Estados nas mais diversas áreas, das quais são exemplo, para além do ensino do português e da ajuda ao desenvolvimento, a cooperação jurídica e judiciária, cooperação nas áreas da saúde, turismo, ambiente, ciência e tecnologia.

  19. Nessa conformidade, as questões em apreciação nos presentes autos, em especial a determinação do âmbito de aplicação da norma contida no artigo 39.º, número 1., do EBF, revestem-se de uma utilidade que extravasa, largamente, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

  20. Acresce que, como já se referiu, entende-se que a posição vertida no Acórdão recorrido se traduz num manifesto erro de aplicação do direito, que tem vindo a uniformizar-se num entendimento jurisprudencial juridicamente insustentável que, pelas razões já apontadas e as que melhor se explanarão de seguida, deverá merecer melhor orientação.

  21. Verifica-se, ainda, que este Supremo Tribunal Administrativo não apreciou...

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