Acórdão nº 412/21.6TXPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA NATÉRCIA ROCHA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 412/21.6TXPRT-C.P1 Tribunal de origem: Tribunal de Execução de Penas do Porto –J3 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I.

Relatório: No âmbito do Processo de Incidente de Incumprimento n.º 412/21.6TXPRT a correr termos no Tribunal de Execução de Penas do Porto referente ao condenado AA, por decisão de 19.08.2022, foi decidido revogar o regime de permanência na habitação, fixado a AA por virtude do não cumprimento, grave, grosseiro, reiterado e culposo, dos deveres impostos, à luz dos art.ºs 43.º/2;44.º/2a) do Código Penal – C.P. (redação introduzida pela L94/2017, de 28 agosto), 6.º/a); e); f); g); h);14.º b); c) da L33/201, de 2 setembro, e, em consequência, no âmbito do preceituado no art.º 44.º/3 Código Penal – C.P. (redação introduzida pela L94/2017, de 28 agosto), determinou-se a execução da pena de prisão efetiva, imposta no âmbito do NUIPC PE Sumário 38/21.4GAARC (Juiz 1 do Juízo Local de Competência Genérica de Arouca – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro).

Desta decisão veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões: 1. A fls 16 da douta sentença, na alínea C-, o Mº Juiz “a quo” ordena a notificação do arguido (aquando do cumprimento dos infra ordenados mandados), o que vem, aliás no seguimento do estipulado no nº 7 do art.º 185.º da Lei 115/2009 e nº 9 do art.º 113º do CPP.

  1. Tal não se mostra feito ou, pelo menos, não consta do processo eletrónico verificado no Citius e o recorrente afirma nada lhe ter sido dito nem entregue nenhum documento contendo a sentença.

  2. A não ter sido notificado, nos termos suprarreferidos, tal constitui nulidade insanável, por violação dos supra citados no nº 7 do art.º 185.º da Lei 115/2009 e nº 9 do art.º 113º do CPP, que ora se invoca e determina a imediata libertação do arguido e continuação do cumprimento da pena em prisão domiciliária Sem prescindir, 4. Embora a douta sentença esteja bem fundamentada de direito e seja um facto que o recorrente desobedeceu, conforme dos relatórios da DGRSP consta, não houve concordância da lei ao caso concreto, a lei foi mal aplicada.

  3. O Tribunal podia e devia, ou melhor dito, tinha a obrigação de averiguar das razões do incumprimento, o que levou o recorrente a não cumprir, embora tivesse sido advertido das prováveis consequências do incumprimento, caso o mantivesse, o que não fez.

  4. Obrigação essa indispensável para que, aquando da prolação da decisão a proferir, o Julgador estivesse na posse de todos os elementos essenciais e com relevo para a boa e justa decisão a tomar.

  5. E o Tribunal tinha à sua disposição os meios para o fazer, pois constavam dos autos.

  6. Razão por que o Mº Juiz “a quo” não podia afirmar, como fez, por falta de averiguação de elementos que o pudessem confirmar, que o não cumprimento é grosseiro e culposo. Afirmação meramente especulativa, sem fundamento fáctico, que o recorrente não aceita.

  7. O primeiro sinal de alarme sobre as razões de fundo que motivaram o incumprimento, consta da douta sentença. Segundo esta, no ponto 16, alínea d) a fls 6, o condenado “não admite a real problemática aditiva de álcool”.

  8. Este é o primeiro sinal, inequívoco, da existência da dependência alcoólica. A negação da dependência alcoólica é um dos sintomas principais, senão o principal, do alcoólatra. Nenhum dependente alcoólico admite essa sua dependência ao álcool.

  9. Tal realidade, a dependência alcoólica, resulta também da análise do certificado de registo criminal por onde se constata que todas as condenações do recorrente foram motivadas pelo álcool.

  10. Os relatórios da DGRSP referem essa necessidade de ingestão de bebidas alcoólicas, ao referir que em dia que o recorrido não havia chegado à hora estipulada a casa, a G.N.R. de Arouca que havia sido chamada para colaborar, intercetou o recorrente em estabelecimento comercial alcoolizado 13. Também a mãe do recorrente informou, sabe-se lá com que sofrimento, que o condenado tem chegado sistematicamente alcoolizado a casa e a situação é de tal ordem preocupante que já informou o filho que se não encetar tratamento e mudar radicalmente o seu estilo de vida não o aceitará mais em casa a partir de finais de mês de Agosto. Mais informou que no percurso de regresso a casa, no final do trabalho, AA tem por hábito parar na café “C...” onde consome bebidas alcoólicas. Só uma mãe desesperada é que acusa o seu filho e o ameaça de expulsão de casa. Sabe que ele está mal, que está a agir mal, mas parece saber qual é a cura para o seu mal – encetar tratamento. A mãe sabe, todos nós sabemos, só o Tribunal não se interessou em saber e podia e devia tê-lo feito, tinha todos os elementos ao seu dispor.

  11. O recorrente não tinha liberdade para agir diferentemente, não tem capacidade para agir conformemente à lei e ao que lhe fora imposto, a necessidade de ingestão de álcool é mais forte.

  12. O recorrente não consegue medir as reais consequências do seu agir dessa forma, não tem consciência da sua conduta ilícita. Para ele, é mais importante beber, que chegar a horas a casa, como é obrigação sua. Não compreende que possa ser penalizado com prisão por demorar um pouquito a chegar a casa, quando, quanto a si, não está a fazer mal nenhum, não está a cometer nenhum ato ilícito ou criminoso.

  13. E de que valem as advertências de que foi alvo, se beber está em primeiro lugar. A dependência alcoólica não lhe permite entender e interiorizar tais advertências de forma aceitá-las e cumpri-lhas. “Por beber duas ou três cervejitas no fim do trabalho posso ir preso? não é “possível”, é o seu raciocínio, o seu modo de interpretar o seu comportamento, a sua redação à doença que não admite ter.

  14. O recorrente não agiu de forma consciente, com culpa grosseira. Não tinha liberdade, discernimento, nem força de vontade suficientes para agir de acordo com o que lhe fora estipulado.

  15. Para finalizar sempre se dirá que, o Tribunal de tal forma se alheou e desinteressou de averiguar as causas do não cumprimento, que nem sequer mandou elaborar um relatório social, como todos os outros tribunais fazem.

  16. Partindo do princípio que a aplicação da pena de prisão deve ser utilizada apenas como última ratio, que o recorrente não agiu de forma consciente, com culpa, muito menos grosseira, deveria ter-lhe sido aplicada a pena de internamento em estabelecimento especializado, até à sua total cura da dependência alcoólica, ainda que compulsivamente 20. Como já pediu aquando da sua audição, o arguido aceita ser internado em estabelecimento especializado para o tratamento do álcool e até à sua cura, sendo que o tempo de cumprimento de pena que restar deverá ser cumprido, como era, em prisão domiciliária com vigilância eletrónica Termina pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência seja revogada a decisão recorrida, mantendo-se a prisão domiciliária com vigilância eletrónica.

    A este recurso respondeu o Ministério Público, conforme consta dos autos, concluindo da seguinte forma: 1.- O recorrente foi condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art.º 43.º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal; 2.- Foi determinada a morada onde tal regime devia ser cumprido, bem como autorizado o exercício da atividade laboral do recorrente nos moldes fixados na decisão condenatória, sendo que, quer no momento da notificação dessa decisão, quer aquando da instalação dos equipamentos de vigilância eletrónica lhe foi entregue documento onde constam os seus direitos e deveres, bem como as consequências da sua violação; 3.- Em maio de 2022, foram reportados pela DGRSP vários atrasos no regresso a casa após o trabalho, bem como uma saída não autorizada ao fim de semana; 4.- Em face dessa comunicação foi efetuada notificação por este tribunal, prévia à instauração de incidente de incumprimento, contendo nova advertência para a necessidade de cumprimento escrupuloso das obrigações inerentes ao cumprimento da pena em RPH e das consequências de nova comunicação de ausências injustificadas (cf. fls. 50, 51 e 56 do Apenso A); 5.- Não obstante tal notificação efetuada em 25.05.2022, logo em junho de 2022 é efetuada nova comunicação de atrasos injustificadas (num total de oito) referentes ao período de 3 de junho a 19 de junho de 2022.

  17. - Neste quadro, e nos termos do disposto no art.º 222.º-D, da Lei 94/17, de 23/08 foi instaurado apenso de incidente de incumprimento do regime de cumprimento da pena em permanência na habitação e designado dia para a sua audição, vindo o mesmo “justificar” os atrasos com idas ao café, necessidades laborais, e negando outros; 7.- Estas condutas do recorrente traduzem, sem qualquer margem para dúvidas grosseiras e reiteradas infrações do mais elementar dever decorrente deste regime de cumprimento da pena, precisamente o de permanecer na habitação e cumprir os horários estipulados para as ausências autorizadas; 8.- Assim, bem andou a decisão recorrida ao revogar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação e a determinar o seu cumprimento intramuros, pois outra não podia ser a solução legalmente prevista para o quadro exposto e para a conduta totalmente violadora das regras deste modo de execução da pena por parte do recorrente; 9.- O art.º 44.º, n.º 3 do C. Penal é claro e expresso quanto à consequência da referida revogação, dizendo que “a revogação determina a execução da pena não cumprida em estabelecimento prisional”, não existindo a possibilidade de internamento em estabelecimento especializado; 10.- A decisão em causa foi lida na presença da recorrente, pelo que carece de qualquer fundamento a alegada nulidade por falta de notificação; 11.- O recurso não merece provimento devendo ser mantida a decisão recorrida e o recorrente cumprir o que falta da pena em...

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