Acórdão nº 12144/21.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório I.1 – Questões a decidir As empresas Requinte Executivo – Actividades Hoteleiras, S.A.. e Olhar Repousado – Actividades Hoteleiras, S.A., na qualidade de donos da obra, instauraram procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra Ferreira Construção, S.A.

, na qualidade de empreiteira, que foi decretada. A oposição à providência foi julgada improcedente e mantida a providência cautelar inicialmente decretada. Interposto recurso de apelação veio o Tribunal da Relação de Lisboa a julgar improcedente o pedido cautelar de restituição provisória de posse.

As requerentes, na qualidade de donos da obra, interpuseram recurso de revista desta decisão que foi admitido com fundamento no disposto no art.º 629º, n.º 2, a) e b) do Código de Processo Civil por estar invocada a ofensa de caso julgado e a contradição com dois acórdãos da Relação.

As recorrentes, na qualidade de donos da obra, requereram a revogação do acórdão recorrido, apresentando as correspondentes alegações, que terminam com as seguintes conclusões: I. Admissibilidade do recurso 1.

Apesar de o artigo 370.º, n.º 2, do CPC dispor que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, tal preceito excepciona os casos previstos no artigo 629.º, n.º 2.

  1. No caso sub iudice verificam-se as circunstâncias que permitem considerar que o presente recurso de revista será admissível ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 629.º, n.º 2, na medida em que, por uma parte, existe uma contradição da decisão recorrida com um anterior acórdão da Relação já transitado sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação e, por outro, um dos fundamentos do recurso é a violação do caso julgado.

    1. O fundamento do artigo 629.º, n.º 2, d) do CPC 3.

    O acórdão recorrido seria insusceptível de recurso ordinário por razões estranhas à alçada da Relação na medida em que o seu valor é muito superior ao valor da alçada da Relação, estando por isso verificado o primeiro requisito de admissibilidade do recurso de revista ao abrigo daquela alínea.

  2. Para além disso, verifica-se uma contradição de julgados, sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação.

  3. Existe uma contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (o acórdão do TRL, de 7/5/2009, proc. 749/08.0TVLSB.L1-6 relativamente a duas questões de direito fundamentais para ambas as decisões, sendo que a matéria de facto que constitui a base dos dois acórdãos é equivalente, com a única diferença de que a posição das partes se inverte, o que não é relevante para o caso.

  4. A primeira questão em que existe divergência fundamental prende-se com a determinação da relevância ou irrelevância da efectiva existência do direito de retenção do empreiteiro para decidir o procedimento de restituição provisória da posse.

  5. O acórdão recorrido decidiu que é irrelevante analisar se a Recorrida tem um direito de retenção sobre as Recorrentes e, em particular, se detém algum crédito sobre estas como pressuposto principal do direito de retenção. Bastaria, para o acórdão recorrido, que a Recorrida tivesse actuado com a intenção/animus de exercer aquele direito para considerar que a sua actuação não foi de esbulho e que, como consequência, a restituição provisória da posse não pode proceder.

  6. Por seu turno, o acórdão fundamento considerou central, para decidir o destino da restituição provisória da posse, avaliar se o empreiteiro seria titular de um crédito sobre o dono da obra, por este constituir pressuposto principal da existência efectiva do direito de retenção do empreiteiro.

  7. A segunda questão relativamente à qual existe contradição fundamental entre os dois acórdãos traduz-se na relevância ou irrelevância da forma de actuação da Recorrida no exercício do alegado direito de retenção.

  8. O acórdão recorrido, partindo do animus do direito de retenção, determina automaticamente a inversão do título da posse e a irrelevância da forma de actuação da Recorrida, desconsiderando, quer o facto de as Recorrentes estarem anteriormente presentes na obra, quer o facto de a retenção ter sido feita com recurso a violência.

  9. Por seu turno, o acórdão fundamento confere relevo determinante, quer à circunstância de o dono da obra também estar na obra até ao momento em que terá sido impedido de entrar, quer à circunstância de tal impedimento ter sido efectuado através de violência.

  10. Como consequência, o acórdão fundamento nega ao empreiteiro a restituição da obra, 13.

    Tendo em conta que são duas as questões essenciais em que existe contradição de acórdão, subsidiariamente, as Recorrentes invocam ainda um segundo acórdão fundamento (acórdão do TRL, de 16/7/2009, proc. 1345/08.7TVLSB-D.L1-1), que considera a relevância central da apreciação da efectiva existência do direito de retenção e, subsequentemente, da existência do crédito do retentor. E assim o considera aquele acórdão fundamento subsidiário, antes mesmo da apreciação do animus do retentor.

  11. Caso o acórdão recorrido tivesse decidido no sentido dos acórdãos fundamento a decisão teria sido a de procedência da restituição provisória da posse, requerida pela Requerente nos presentes autos.

  12. Para além da contradição de julgados, estão em causa as mesmas questões fundamentais de direito, como resulta do já exposto: (i) a questão de saber se a efectiva existência do direito de retenção e, em concreto, a existência do direito de crédito por ele garantido, é relevante para a decretação da restituição provisória da posse e (ii) a questão de saber se a existência do direito de retenção legitima qualquer forma de actuação do retentor.

  13. Sobre nenhuma destas questões existe acórdão uniformizador de jurisprudência.

  14. Por último, os acórdãos referidos foram proferidos no domínio da mesma legislação uma vez que em nada se alteraram os pressupostos para a decretação da restituição provisória da posse, onde se continua a incluir o esbulho e a violência, bem como em nada se alteraram os pressupostos do direito de retenção, onde se continua a incluir a existência de um crédito do credor sobre o devedor.

    1. O fundamento do artigo 629.º, n.º 2, a) do CPC 18.

    O presente recurso é também admissível ao abrigo da disposição da alínea a) uma vez que, caso a restituição provisória da posse seja indeferida e atribuída à Recorrida a detenção da obra, tal acórdão acabaria contraria o caso julgado obtido num anterior procedimento cautelar de arresto da obra em curso requerido pela Recorrida, que foi indeferido.

  15. Ambos os procedimentos cautelares são instrumentais relativamente a acção principal que tenha por objecto o direito de crédito alegadamente detido pela requerida e que, aliás, já está pendente em tribunal arbitral.

  16. Seria, por conseguinte, materialmente contraditório com a negação do arresto requerido pela Recorrida com fundamento no seu direito de crédito sobre as Recorrentes, um eventual reconhecimento do direito de retenção da mesma sobre bens cujo arresto foi negado.

  17. A Recorrida lograria assim obter, por uma via, o que lhe foi negado pela outra através de decisão já transitada em julgado, o que não pode ser admitido por violação do caso julgado, instituto que constitui fundamento do presente recurso e legitimação da respectiva admissibilidade.

    1. A nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a. A decisão-surpresa 22.

    Decorre do artigo 3.º, n.º 3 do CPC que não é lícito ao juiz decidir sobre questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

  18. O n.º 3 do artigo 3.º do CPC visa banir as decisões surpresa e, por isso, se defende que o Juiz não pode decidir questões de conhecimento oficioso sem que previamente tenha sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, não podendo igualmente decidir com base em qualificação substancialmente inovadora que as partes não hajam considerado, sem antes lhes ter dado a possibilidade de produzirem as suas alegações, perspectivando o enquadramento jurídico vislumbrado pelo tribunal 24.

    Constitui decisão surpresa aquela que comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou até quando a decisão coloca a discussão jurídica num diferente plano daquele em que a parte o havia feito.

  19. O Acórdão recorrido, contra a concepção jurídica configurada pelas partes e toda a prova produzida, considerou que, para a averiguação da existência de um esbulho, não releva a efectiva existência de um direito de retenção, bastando a mera invocação da intenção de exercer esse direito para afastar o esbulho.

  20. Como consequência deste entendimento, o Tribunal recorrido desconsiderou completamente a averiguação da existência de um crédito da Recorrida sobre as Recorrentes, requisito prévio e pressuposto basilar da constituição do direito de retenção, sendo certo que dos factos provados não resultou a demonstração de tal crédito.

  21. Admitir a existência do direito de retenção do empreiteiro por oposição ao esbulho, por si só e apenas porque o empreiteiro actua com a intenção de o exercer, mas desgarrado da prova que dos créditos tenha sido feita, equivale a admitir a existência de um direito putativo e hipotético de retenção por parte do empreiteiro, solução jurídica que não foi perspectivada, sequer, pela Recorrida na sua oposição.

  22. O Acórdão recorrido violou o princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa, que o artigo 3.º, n.º 3 do CPC pretende evitar.

  23. A desconsideração da prova dos créditos feita no âmbito do presente processo foi, pura e simplesmente, uma solução que nunca foi perspectivada, não apenas pelas Recorrentes, mas também pela própria Recorrida.

  24. A Recorrida fundamentou a existência do direito a reter os imóveis das...

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