Acórdão nº 2547/15.5T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL AGUIAR PEREIRA
Data da Resolução06 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça ֎ RELATÓRIO Parte I – Introdução 1.

AA instaurou acção em processo comum contra BB e CC, visando a sua condenação solidária a pagar-lhe a quantia global de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, liquidando os juros já vencidos em € 13.725,00 (treze mil setecentos e vinte e cinco euros), ou, subsidiariamente, a sua condenação solidária a pagar-lhe a quantia global de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), a título de enriquecimento sem causa.

Alega o autor, em síntese, que no âmbito de um contrato de mandato celebrado com o réu, tendo em vista a realização de uma escritura que não viria a ter lugar, entregou a ambos, através de depósito em conta bancária titulada pela ré, a quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) a qual os réus não devolveram integralmente, apropriando-se indevidamente e sem qualquer causa da quantia ora peticionada correspondente ao valor de cheques devolvidos por falta de provisão.

  1. O réu foi citado editalmente vindo a cessar a sua representação pelo Ministério Púbico com a posterior constituição de mandatário.

    A ré, citada pessoalmente, contestou a acção alegando não movimentar a aludida conta nem ter tido qualquer benefício do depósito das quantias mencionadas pelo autor, eventualmente usadas pelo réu – de quem se encontra divorciada – em seu exclusivo proveito e que, ainda assim, sempre estaria prescrito o direito do autor com base no invocado instituto do enriquecimento sem causa.

  2. Após o decurso da suspensão da instância motivada pela pendência de um processo de natureza criminal por factos relacionados com os destes autos em que foi arguido o aqui réu, e realizada que foi a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção integralmente procedente, condenou solidariamente os réus no pagamento da quantia de sessenta e sete mil e quinhentos euros, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento à taxa de 4% ao ano.

  3. Inconformada a ré CC interpôs recurso de apelação, reiterando a invocação da prescrição do alegado direito do autor com base no enriquecimento sem causa e, impugnando a decisão sobre a matéria de facto, que ela não se apropriou de qualquer quantia que fosse propriedade do autor.

  4. Por seu acórdão de 22 de março de 2022 o Tribunal da Relação do Porto decidiu, julgando procedente a apelação interposta pela ré CC, alterar a decisão sobre a matéria de facto, manter a condenação do réu BB e absolver a ré CC do pedido.

    ֎ ֎ Parte II – A Revista 6.

    Inconformado o autor interpôs recurso de revista, formulando as seguintes CONCLUSÕES: “1. Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido, em 22/03/2022, pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito dos presentes autos, o qual julgou procedente a apelação apresentada pela Ré, ora Recorrida, revogando parcialmente a sentença recorrida, no que concerne à responsabilização da Ré, ora Recorrida.

  5. O presente recurso de revista interposto do Douto Acórdão proferido nos presentes autos tem por fundamento a violação de lei substantiva, ocorrendo manifesto erro de interpretação e de aplicação, bem como erro de determinação da norma aplicável, e ainda a violação ou errada aplicação da Lei de processo, ao abrigo do disposto no artigo 674º, nº 1, alíneas a) e b) e nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil.

  6. Com efeito, o objeto do presente recurso é a impugnação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, designadamente quanto à revogação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, nomeadamente quanto à alteração da decisão da matéria de facto recorrida e à absolvição da Ré CC do pedido deduzido pelo Autor, ora Recorrente, bem como quanto à decisão de as custas da ação ficarem a cargo do Autor e do Réu BB, na proporção de 40% para o primeiro e 60% para o segundo (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

  7. Pois bem, com todo o respeito, que é muito e bem devido, o Tribunal recorrido decidiu mal, mediante a prolação da decisão ora posta em crise, pelo que o ora Recorrente se insurge contra a referida decisão do Tribunal da Relação do Porto, proferida nos presentes autos, e pugna pela reposição da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

  8. Ora, no âmbito da presente ação declarativa, o Tribunal de 1.ª instância, em sede de sentença, julgou integralmente procedente a ação e condenou o Réu e a Ré, ora Recorrida, no pedido formulado, entendendo o ora Recorrente ser justa, adequada e legalmente fundamentada a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

  9. Por via de tal decisão, no nosso entendimento, a Meritíssima Juiz do Tribunal de 1ª Instância julgou, e bem, a ação procedente, condenando os Réus a efetuarem, solidariamente, o pagamento ao Autor, AA, da quantia de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

  10. PORÉM, inconformada e por não concordar com essa decisão, a ora Recorrida decidiu recorrer da mesma, interpondo o competente recurso de apelação, considerando, em suma, que o Autor não logrou fazer prova de que a Ré se apropriou, utilizou ou, até, beneficiou, do dinheiro que o Autor transferiu, cujo ónus lhe incumbia, devendo, consequentemente, a mesma ser absolvida do pedido que, contra ela, o Autor havia formulado, pelo que deveria, em consequência, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos termos por si aí alegados e, em qualquer dos casos, a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgasse procedente a invocada exceção da prescrição e/ou a ação ser improcedente e não provada quanto à Ré.

  11. Quanto à IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DO INVOCADO ERRO DE JULGAMENTO: Os pontos da decisão da matéria de facto, objeto de impugnação pela Ré, no âmbito do recurso de apelação por si interposto, foram os pontos 12 e 17 do elenco dos factos provados.

  12. No entanto, no que concerne ao ponto 12, no âmbito do recurso de apelação, decidiu o Tribunal recorrido, apreciá-lo em dois segmentos: • «Até à presente data, os Réus, apesar de interpelados pelo Autor e pela sua mandatária para procederem à entrega da referida quantia»; • «os Réus fizeram seu o aludido montante, que incorporaram no seu património, designadamente pelos pagamentos constantes de fls. 393 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».

  13. Sucede que, posteriormente, na decisão recorrida, e certamente por lapso, porque nada aí é referido a esse respeito, o Tribunal a quo nos factos julgados provados, tendo por base a alteração da decisão da matéria de facto recorrida, operada na decisão recorrida, não juntou os dois segmentos do ponto 12, no referido ponto, mas antes no ponto 12 colocou o 1º segmento alterado e criou um novo ponto 15 com o 2º segmento, alterando o resto da numeração até ao ponto 20.

  14. Acresce que, o referido ponto 12, incluído na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, e que foi reapreciado no âmbito do Recurso de Apelação interposto, possuía o seguinte conteúdo: «Até à presente data, os Réus, apesar de interpelados pelo Autor e pela sua mandatária para procederem à entrega da referida quantia, não procederam desse modo, fazendo seu o aludido montante, que incorporaram no seu património, designadamente pelos pagamentos constantes de fls. 393 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».

  15. Acrescente-se ainda que, desconhece o ora Recorrente o motivo pelo qual decidiu o Tribunal recorrido retirar do ponto 12 do elenco dos factos provados «fazendo seu o aludido montante, que incorporaram no seu património».

  16. Saliente-se ainda que a parte «não procederam desse modo» não se encontra contemplada na decisão recorrida, tendo desaparecido do ponto 12, e ora do ponto 15 dos factos provados, sem qualquer justificação, pelo que se requer a sua incorporação no ponto 12, devendo o mesmo passar a apresentar a seguinte redação: «O Autor, através da sua Advogada, em 10.03.2015, remeteu ao Réu e à Ré as cartas correspondentes aos documentos de fls. 64 e 65 do suporte físico do processo, respetivamente, que a Ré CC recebeu em 12.03.2015, constando das mesmas, no essencial: “Serve a presente e porque não consigo estabelecer contacto telefónico, transmitir-lhe a necessidade urgente de agendar reunião, no meu escritório. Face ao exposto, porque se trata de um assunto do seu interesse, solicito que me contacte com a maior brevidade possível, para os números de telefone (...). Sem outro assunto de momento, renovo os meus melhores cumprimentos. Todavia, os Réus, apesar de interpelados, não procederam à entrega de qualquer quantia, fazendo seu o aludido montante, que incorporaram no seu património».

  17. ACONTECE QUE, para dar como provados e não provados os factos elencados na Douta Sentença, o Tribunal de 1ª Instância fundou-se na apreciação da prova documental junta aos autos e da prova produzida em sede de audiência de julgamento, apreciada à luz do princípio da livre apreciação da prova. Designadamente, o Tribunal estribou a sua convicção na conjugação do depoimento e declarações de parte do Autor, nas declarações de parte da Ré e do Réu, assim como de todas as testemunhas arroladas e dos documentos juntos aos autos, conforme resulta, e bem, da fundamentação da sentença recorrida, 15. POSTO ISTO, cumpre concluir que, efetivamente, na Douta Sentença recorrida não existe qualquer erro notório na apreciação da prova, sendo nosso entendimento que o acórdão recorrido viola, desde logo, o princípio da livre apreciação da prova do julgador, e designadamente o disposto nos artigos 341º, 342º, 346º, 349º, 350º, 376º, 396º, 466º, nº 3, 607º, nºs 3 e 5 e 608º, nº 2 do Código de Processo Civil.

  18. Na verdade, do teor de toda a prova documental junta aos autos e de toda a prova...

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