Acórdão nº 812/22 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 812/2022

Processo n.º 929/2022

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., S.A. intentou execução para entrega de coisa certa contra Inocêncio Serrano e B. (a ora recorrente), alegando que os executados foram condenados a reconhecer a propriedade da exequente sobre o imóvel em causa e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens, não tendo procedido a essa entrega. O processo correu os seus termos no Juízo de Execução do Porto com o n.º 2968/21.4T8PRT.

1.1. Em 27/01/2022, a executada B. apresentou requerimento de diferimento de desocupação do locado, nos termos do n.º 6 do artigo 861.º e dos artigos 863.º e 864.º, do Código de Processo Civil (CPC), alegando, em síntese, que a desocupação imediata do local causa à requerente um prejuízo muito superior à vantagem conferida à exequente e invocando um conjunto de factos relativos à sua situação pessoal e familiar. Pediu que se autorizasse o diferimento da desocupação do imóvel em causa, pelo prazo mínimo de 90 dias.

1.1.1. Sobre tal pretensão recaiu despacho com o seguinte teor:

“[…]

A presente execução trata-se de uma execução para entrega de coisa certa, baseada m sentença, que se rege pelo regime processual constante dos artigos 859.º e ss. do CPC.

Prevê o artigo 864.º, n.º 1, do C.P.Civil, sob a epígrafe “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação”, o seguinte: “ No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três”.

Fulmina ainda o n.º 2 do citado normativo que tal pedido de diferimento é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, desde que se alegue algum dos fundamentos previstos, de forma taxativa, nas alíneas a) e b) desse preceito legal. À situação dos autos não se aplica o preceito, pois que, não estamos perante a situação de qualquer imóvel arrendado, antes da sentença exequenda ressalta à evidencia estarmos perante uma ação de reivindicação, não tendo a executada título (contrato de arrendamento) que a legitime a ocupar o imóvel cuja entrega se requerer, nem tão pouco a entrega se funda em falta de pagamento de rendas.

Pelo exposto, e porque a pretensão da executada não tem fundamento legal, nem suporte nos artigos 863.º e 864.º do CPC, indefere-se o requerido “diferimento de desocupação”.

[…]”.

1.1.2. Do referido despacho recorreu a executada para o Tribunal da Relação do Porto. Das alegações de recurso consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

O art. 864.º do NCPC permite à executada, no caso de pedido de entrega de imóvel arrendado para habitação, diferir a desocupação por razões sociais imperiosas, devendo, nomeadamente, ponderar-se a circunstância de o executado não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas (n.º 3 do art. 865.º, igualmente introduzido pela Lei n.º 6/2006).

In casu, o que escapa à previsão da lei é apenas o facto de se não estar perante um imóvel arrendado, nela cabendo o demais circunstancialismo factual que, de resto, vai de encontro aquilo que é o seu nuclear e final escopo – minorar as consequências sociais e humanas da falta de habitação –, a justificar algumas limitações ao direito de propriedade, por apelo à função social que a propriedade assume no nosso projeto económico-social constitucional (cfr. Ac. do TC n.º 420/200, de 21-10-2000, DR II, de 22-11-2000).

[…]

Acresce que a exequente não é um proprietário qualquer, antes uma Entidade Bancária, pública, que não sairá assim tão prejudicada com a espera, para satisfação do comando constitucional de a todos assegurar o direito a uma habitação (art. 65.º da CRP).

[…]

Perante todo o cenário desolador do ponto de vista económico e social que ficou descrito nas alegações, está de todo justificado o diferimento da entrega do local em causa.

Tal diferimento deverá ser por um período não inferior a 90 dias, para se dar oportunidade à executada de encontrar uma nova habitação e refazer a sua vida, sem o risco máxime de caírem na desgraça.

Tal diferimento, não afeta o direito fundamental à habitação do exequente, na medida em que estes não carecem da habitação para sua residência.

[…]

2.º – O despacho recorrido viola os artigos 864.º e 865.º do CPC ao entender que não se aplicam ao caso em apreço, uma vez que apenas pode ser exercido quando a execução se destinar à entrega de local arrendado para habitação.

[…]

23.º – Perante todo o cenário desolador do ponto de vista económico e social que ficou descrito nas alegações, está de todo justificado o diferimento da entrega do local em causa.

24.º – Tal diferimento deverá ser por um período não inferior a 90 dias, para se dar oportunidade aos executados de encontrar uma nova habitação e refazer a sua vida, sem o risco máxime de caírem na desgraça.

25.º – Tal diferimento, não afeta o direito fundamental à habitação do exequente, na medida em que estes não carecem da habitação para sua residência.

26.º – O Douto Despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos arts. 861.º, 863.º, 864.º e 865.º do CPC e 65.º da CRP.

[…]”.

1.1.3. Por acórdão de 30/06/2022, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso. Dos fundamentos desta decisão consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Como se verifica pela descrição dos autos, em sede de execução para entrega de coisa certa, suportada em sentença judicial condenatória onde se decidiu pela obrigação de restituição do imóvel em causa, a executada/recorrente pede o diferimento de desocupação do imóvel, com base no disposto no artigo 864.º, do C.P.C..

O tribunal indefere o requerido uma vez que não está em causa a desocupação de um imóvel arrendado para habitação.

Efetivamente, como resulta da sentença condenatória que determinou a desocupação do imóvel e sua restituição ao exequente, a executada não tinha qualquer título que a legitimasse a ocupar o imóvel, não se tendo provado que alguma vez o tenha tido.

Ora, pode suceder que o ocupante, tendo de restituir o imóvel ao legítimo proprietário de modo a que cesse a ilicitude em causa, tenha igualmente dificuldade em...

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