Acórdão nº 810/22 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 810/2022

Processo n.º 877/2022

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (a ora recorrente) foi submetida a julgamento no âmbito do processo comum para julgamento por tribunal coletivo que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa com o número 943/17.2JFLSB.

1.1. Na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 15/07/2020, a arguida declarou, num primeiro momento, que pretendia prestar declarações. No momento em que o tribunal, o Ministério Público e os advogados poderiam pedir esclarecimentos à arguida, o mandatário desta “[…] tomou a posição de não pedir esclarecimentos à arguida, tendo formalizado um requerimento de suspensão/adiamento da audiência de julgamento, fundamentando-se […] factualmente com o estado de saúde da arguida, que considerava visivelmente debilitada, tendo sido afirmado pela própria não se sentir capaz de prestar esclarecimentos às instâncias do seu Ilustre Advogado, neste momento”. A pretensão de adiamento foi indeferida, por despacho proferido na referida sessão de 15/07/2020.

1.1.1. Do referido despacho recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Lisboa.

1.1.2. Por acórdão de 02/09/2020 do Juízo Central Criminal de Lisboa, a identificada arguida foi condenada na pena única de 10 anos de prisão, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de 10 crimes de burla qualificada e 5 crimes de falsificação de documento.

1.1.3. Inconformada quer com o despacho de 15/07/2020, quer com a decisão final condenatória, dessas decisões recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nas alegações de recurso do despacho de 15/07/2020, invocou, designadamente, a inconstitucionalidade das “[…] normas ínsitas nos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 328.º e 333.º, n.º 2, todos do CPP, no sentido de, estando a arguida (com prova nos autos e aceite pelo tribunal para a autorizar a abandonar a sala de audiência) incapacitada para concluir a prestação de declarações (concretamente para responder aos esclarecimentos do seu mandatário) e tendo sido requerido o adiamento da audiência/marcação de nova data para conclusão das ditas declarações, negar esse requerimento, antes ordenando a retoma das alegações que terminaram no próprio dia, assim eliminando definitivamente o direito de a arguida prestar declarações em juízo”.

1.1.4. Apreciando ambos os recursos, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 21/12/2021, decidiu: i) negar provimento ao recurso interlocutório (itens 1.1. e 1.1.1.); ii) revogar o acórdão recorrido na parte em que declarou perdidos a favor do Estado certos objetos apreendidos nos autos, no mais confirmando aquela decisão. Do segmento em que foi apreciado o recurso interlocutório (bem como outros recursos que se reconduziam a pretensões semelhantes) consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Como se alcança da descrição supra, a arguida de há muito – mais concretamente, desde antes da 1.ª sessão da audiência de julgamento – que invoca o seu estado de depressão e ansiedade como razão justificativa para a não comparência nas diversas sessões da audiência de julgamento que se prolongaram por vários meses .

Quando requereu, ao abrigo do artigo 334.º, n.º 2, do C.P.P., o seu não comparecimento na 1.ª data designada, logo alegou o seu ‘estado clínico de ansiedade e depressivo que se tem vindo a agravar’ e que a sua presença em audiência de julgamento ‘irá agravar ainda mais o estado clínico da mesma, temendo-se, no decurso da mesma, pela ocorrência repentina, inesperada de crises de ansiedade aguda (…)’, tendo sido apresentado atestado médico, datado de 18 de setembro de 2019 (cfr. fls. 3997-4000, 14.º volume), referindo um ‘estado clínico com ansiedade e depressão’ e ‘crises de ansiedade paroxística’.

Ainda que tenha sido indeferida a requerida realização da audiência na ausência da arguida, por despacho de 19 de setembro de 2019 (cfr. fls. 4004, 14.º volume), certo é que, como já se disse, no dia seguinte, em que teve lugar a 1.ª sessão da audiência de julgamento, foi dispensada, ‘atentos os motivos invocados’ (no mencionado requerimento), a presença da arguida nas duas sessões designadas para o dia 27 de setembro e nas duas sessões designadas para 4 de outubro, sem prejuízo de logo se ressalvar a possibilidade de a arguida, querendo, manifestar o seu propósito de estar presente, consignando-se que teria de comparecer na fase das alegações (fls. 4023 e gravação áudio).

Veja-se que a arguida, no dia 28 de outubro de 2019, apresentou através do seu mandatário requerimento dando conta de que não pretendia a manutenção da ‘prerrogativa’ de a audiência se realizar na sua ausência (cfr. fls. 4224), mas logo no dia 11 de novembro apresentou novo requerimento, com invocação do artigo 334.º, n.º2, do C.P.P., em que, remetendo para a declaração médica datada de 18 de setembro, voltou a requerer que a audiência de julgamento prosseguisse sem a sua presença, considerando-se representada, para todos os efeitos possíveis, pelos seus mandatários, nos termos do artigo 334.º, n.º4, do C.P.P. (fls. 4270-4271, 15.º volume).

Quer isto dizer que desde o início do julgamento que a arguida invoca as mesmas razões para justificar a impossibilidade da sua presença em audiência: o seu estado depressivo e ansioso que será potenciado pela perspetiva, que lhe é penosa, de ter de comparecer em tribunal .

O tribunal indeferiu a requerida notificação dos médicos subscritores dos atestados juntos, para virem aos autos informar qual a duração previsível do estado de ansiedade da arguida, que a impedia de comparecer em tribunal para prestar as suas declarações, uma vez que nos documentos em causa estava expressamente indicado que a arguida podia ausentar-se do seu domicílio em horas compatíveis com o agendamento da audiência, bem como se reputa um mês como período necessário de avaliação, para além dos 12 dias do certificado de incapacidade.

Ora, que razões tinha o tribunal para supor que, passado o período de um mês tido como necessário à avaliação, a situação de invocada ansiedade relacionada com a comparência em tribunal, que se mantinha desde pelo menos setembro do ano anterior, não se manteria ?

O adiamento da audiência, sem qualquer data previsível para a sua conclusão, nunca poderia ser uma opção a acolher .

O direito assegurado à arguida de prestar declarações em qualquer fase do julgamento, incluindo em sede de últimas declarações, não significa que o tribunal e os demais sujeitos processuais ficassem na absoluta dependência da evolução dos estados anímicos daquela, da sua ansiedade e depressão, para mais quando aparentam prolongar-se por vários meses (e até anos) e nenhuma garantia havia, por mínima que fosse, de que em prazo razoável, a arguida estaria finalmente nas melhores condições para, ultrapassado o seu estado ansioso, comparecer em julgamento e prestar as suas declarações .

A falta da arguida, ainda que justificada, não é motivo de adiamento da audiência, desde que a sua presença não seja absolutamente imprescindível .

E ainda que o tribunal tenha decidido que a arguida, dispensada de comparecer nas outras sessões da audiência de julgamento, deveria ser notificada para comparecer nas últimas, em que seriam produzidas as alegações, não significa que tivesse de ficar na contingência de adiar sine die a continuação da audiência de julgamento até que a arguida estivesse nas melhores condições de prestar declarações .

Esteve sempre assegurada a possibilidade de a arguida prestar declarações em qualquer fase da audiência de julgamento, até ao encerramento da mesma, inclusivamente findas as alegações .

Realmente, após as alegações a lei concede uma última possibilidade ao arguido de intervir no contraditório, atribuindo-lhe o direito de dizer o que tiver por conveniente em sua defesa (artigo 360.º, n.º 1, do C.P.P.), direito que o arguido pode utilizar tenha ou não prestado anteriormente declarações, tanto mais que o arguido, como estabelece o n.º 1 do artigo 343.º, “tem o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objeto do processo”, sendo certo que a audiência só se tem por encerrada com o encerramento da fase de discussão, que só tem lugar, justamente, como se estabelece no n.º 2 do artigo 360.º, depois das últimas declarações do arguido.

Admite-se, por isso, que em sede de últimas declarações o arguido poderá, caso ainda o não tenha feito, confessar os factos, confissão que o tribunal deverá valorar e apreciar e, sendo caso disso, levar em consideração na fixação da matéria de facto, visto que a circunstância de a lei textuar no n.º 1 do artigo 360.º que as declarações do arguido se destinam à sua defesa, não significa que o tribunal as não possa valorar e apreciar para fim diverso (Código de Processo Penal Comentado, Juízes Conselheiros dos S.T.J., 2016 - 2.ª ed. Revista, p. 1091).

Afigura-se-nos, mesmo, haver casos em que justificar-se-á a reabertura da produção de prova, finda a qual terá lugar de novo a produção de alegações e a última declaração do arguido.

In casu, nunca esteve em causa o direito de a arguida/ora recorrente prestar declarações, mas antes saber se o tribunal devia enveredar por uma via de adiamento/protelamento da audiência com base em razões que são as mesmas que vêm sendo invocadas desde há vários meses (e, bem vistas as coisas, até anos) e que, aparentemente, a arguida, apesar de acompanhamento médico, não terá conseguido ultrapassar .

Não vislumbramos, pois, que o despacho recorrido (de 3 de julho) que determinou o prosseguimento da audiência e designou para a sua continuação, para além da data já anteriormente designada, a saber, dia 10 de julho, também o dia 15 de julho, pelas 15h00,...

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