Acórdão nº 829/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução12 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 829/2022

Processo n.º 1094/2022

Plenário

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Presidente da República vem, ao abrigo do artigo 278.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º e 57.º, n.º 1, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), submeter à apreciação deste Tribunal, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, as normas constantes do artigo 2.º - “que alteram o artigo 12º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, na sua redação atual, que aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal” – e 3.º - “que alteram os artigos 16.º, 23.º-A e 25.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto, que aprova a Lei de Segurança Interna- do Decreto n.º 17/XV, que «reestrutura o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional, alterando a Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, que aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal, e a Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto, que aprova a Lei de Segurança Interna», aprovado pela Assembleia da República (em seguida, «AR»), em 27 de outubro de 2022, que lhe foi enviado para promulgação como lei e recebido em 16 de novembro de 2022.

2. Os preceitos ora questionados do Decreto n.º 17/XV da Assembleia da República têm o seguinte teor:

«Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto

O artigo 12.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 12.º

[…]

1 – O Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI) é o centro operacional responsável pela coordenação da cooperação policial internacional, que assegura o encaminhamento dos pedidos de informação nacionais, a receção, o encaminhamento e a difusão nacional de informação proveniente das autoridades estrangeiras, a transmissão de informação e a satisfação dos pedidos por estas formulados.

2 – O PUC-CPI integra, sob a mesma gestão, o Gabinete Nacional SIRENE, a Unidade Nacional da EUROPOL, o Gabinete Nacional da INTERPOL, o Gabinete de Informações de Passageiros, a coordenação dos oficiais de ligação nacionais e estrangeiros, a coordenação dos Centros de Cooperação Policial e Aduaneira e dos pontos de contacto decorrentes das Decisões Prüm.

3 – A Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras integram, através de oficiais de ligação permanente, o Gabinete Nacional de Ligação a funcionar junto da EUROPOL, competindo ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna definir, mediante despacho, o respetivo modo de funcionamento interno e designação da chefia, a qual é exercida por um quadro da Polícia Judiciária.

4 – […].»

Artigo 3.º

Alteração à Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto

Os artigos 16.º, 23.º-A e 25.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 16.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […];

h) Coordenar os trabalhos preparatórios no âmbito do mecanismo de avaliação da aplicação do acervo de Schengen e acompanhar, em estreita articulação com as diversas entidades competentes, o seguimento das ações decorrentes das avaliações realizadas naquele âmbito.

Artigo 23.º-A

[…]

1 – O Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI) é o centro operacional responsável pela coordenação da cooperação policial internacional, que assegura o encaminhamento dos pedidos de informação nacionais, a receção, o encaminhamento e a difusão nacional de informação proveniente das autoridades estrangeiras, a transmissão de informação e a satisfação dos pedidos por estas formulados.

2 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) Identificar e promover a utilização de soluções de gestão de processos eficazes e definir fluxos de trabalho especificamente destinados à cooperação policial internacional;

g) […];

h) […];

i) […];

j) Auxiliar as autoridades judiciárias, nos termos da lei processual penal, no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal;

k) Receber e encaminhar os pedidos de detenção provisória que devam ser executados em processos de extradição, nos termos da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, que aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal;

l) Garantir a operacionalidade dos mecanismos em matéria de coadjuvação às autoridades judiciárias na cooperação judiciária internacional em matéria penal, no âmbito da Organização Internacional de Polícia Criminal (OIPC/INTERPOL), da EUROPOL e de outros organismos internacionais da mesma natureza.

3 – […].

4 – […].

5 – Os coordenadores de gabinete, cargos de direção intermédia de 1.º grau, são nomeados por despacho do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, sob proposta dos dirigentes máximos das respetivas forças ou serviços de origem, e exercem funções em comissão de serviço pelo período de três anos, renovável.

6 – O PUC-CPI integra, sob a mesma gestão, o Gabinete Nacional SIRENE, a Unidade Nacional da EUROPOL, o Gabinete Nacional da INTERPOL, o Gabinete de Informações de Passageiros, a coordenação dos oficiais de ligação nacionais e estrangeiros, a coordenação dos Centros de Cooperação Policial e Aduaneira e dos pontos de contacto decorrentes das Decisões Prüm.

7 – […].

8 – A chefia do Gabinete EUROPOL e INTERPOL compete, por inerência, ao Coordenador de Gabinete da Polícia Judiciária.

9 – […].

10 – […].

11 – […].

12 – […].

13 –Sem prejuízo das competências fixadas na lei ou em convenção internacional em matéria de comunicação do teor de decisões judiciais proferidas contra cidadãos estrangeiros, a estabelecer entre autoridades centrais nacionais aí devidamente designadas, o Ministério Público pode promover o envio ao PUC-CPI das certidões das decisões judiciais proferidas contra cidadãos estrangeiros condenados, para efeitos de comunicação ao país de origem em casos de urgência.

14 –A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais comunica ao PUCCPI os factos relevantes relativos ao cumprimento das penas aplicadas a cidadãos estrangeiros.

Artigo 25.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a nomeação dos dirigentes máximos das forças e dos serviços de segurança referidos nas alíneas a) a c) do n.º 2 é precedida da audição do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.»

Segundo o requerente, as normas questionadas poderão padecer do vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º, e da autonomia do Ministério Público no exercício da ação penal, constante do artigo 219.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

3. Os fundamentos apresentados no pedido para sustentar a inconstitucionalidade dos preceitos impugnados são os seguintes:

«[…]

O Decreto em apreciação procede à restruturação do Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI),

A alteração em causa, surge na sequência de uma recomendação para adoção pelos Estados-Membros na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho «Reforçar a cooperação em matéria de aplicação da lei na UE: o modelo europeu de intercâmbio de informações».

De acordo com o Decreto sob apreciação, na alteração ao artigo 12.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, "o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI) é o centro operacional responsável pela coordenação da cooperação policial internacional, que assegura o encaminhamento dos pedidos de informação nacionais, a receção, o encaminhamento e a difusão nacional de informação proveniente das autoridades estrangeiras, a transmissão de informação e a satisfação dos pedidos por estas formulados".

Na alteração ao n.º 2 do mesmo artigo, estabelece-se que "o PUC-CPI integra, sob a mesma gestão, o Gabinete Nacional SIRENE, a Unidade Nacional da EUROPOL, o Gabinete Nacional da INTERPOL, o Gabinete de informações de Passageiros, a coordenação dos oficiais de ligação nacionais e estrangeiros, a coordenação dos Centros de Cooperação Policial e Aduaneira e dos pontos de contacto decorrentes das Decisões Prum.

E prossegue-se, no n.º 3, no seguinte sentido: "a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras integram, através de oficiais de ligação permanente, o Gabinete Nacional de Ligação a funcionar junto da EUROPOL, competindo ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna definir, mediante despacho, o respetivo modo de funcionamento interno e designação da chefia, a qual é exercida por um quadro da Policia Judiciária".

As normas citadas encontram, depois, o seu devido reflexo, no mesmo Decreto, nas alterações à Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto, que aprova a Lei de Segurança Interna.

Concretamente, de acordo com o Decreto em apreciação, o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional fica concentrado na figura do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna. Na ausência de ressalva expressa, coloca-se a questão de saber, sem que isto implique qualquer juízo relativamente às personalidades que exerçam ou venham a exercer as funções de Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, se uma tal concentração se pode traduzir, no futuro, no acesso a informações relativas a investigações criminais em curso e a matéria sujeita a segredo de justiça, o que violaria o princípio da separação de poderes.

Com efeito, a autonomia do Ministério Público em matéria de investigação...

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