Acórdão nº 26767/18.1T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA instaurou acção declarativa com processo comum contra COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Banco BPI o valor correspondente ao capital em dívida, à data do óbito do seu falecido pai e o remanescente desse capital, à aqui Autora, com acréscimo dos juros, taxas bancárias e comissões de processamento e de incumprimento em que a Autora incorra, desde a data em que comunicou o óbito até trânsito em julgado da decisão.

Invocando o incumprimento por parte da Ré do contrato de seguro celebrado, alegou para o efeito e essencialmente: - ter sido celebrado por seu pai, BB, na sequência de um empréstimo hipotecário contraído junto do Banco BPI, em 29-10-2008, contrato de seguro com a Ré, do ramo vida, para cobertura dos riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva, cujo beneficiário seria o Banco mutuante até ao limite do capital em dívida; - não ter sido entregue ao seu pai as condições gerais, especiais e particulares da apólice do referido seguro; - ter BB falecido em .../.../2017, tendo-lhe sucedido como única e universal herdeira, e nessa qualidade contactou o BPI para efeitos de accionamento do referido seguro, entregando documentos, sem que lhe tenha sido dada qualquer resposta; - ter-lhe sido instaurada pelo BPI acção executiva reclamando o pagamento da quantia de € 86.013,49.

  1. A Ré contestou excepcionando a inexigibilidade da obrigação por falta de entrega de documentação médica (por o óbito de BB não ter sido participado nos termos previstos no contrato e com a documentação necessária, tendo-a impossibilitado de “abrir o sinistro” e de tomar posição sobre o mesmo). Invocou ainda que do certificado do óbito (de que apenas teve conhecimento após a citação para a acção) decorre que a causa da morte se encontra relacionada com alcoolismo (pancreatite etanólica necrotizante), desconhecendo em que datas tais doenças tiveram o seu início, tendo, porém, o segurado respondido negativamente a todas as perguntas do questionário de saúde do boletim de adesão ao seguro.

  2. A Autora respondeu à contestação alegando que nenhuma documentação lhe foi pedida pela Ré e que seu pai havia dado autorização para, em caso de sinistro, poderem ser solicitadas pela Ré as informações clínicas a que não pode, por si, aceder.

    Invoca, ainda, a nulidade da cláusula 13.ª, por a mesma não ter sido dada a conhecer e/ou explicada ao segurado.

  3. Em audiência prévia, após ter sido notificada da junção aos autos dos dados clínicos do falecido segurado, a Ré apresentou articulado superveniente pugnando pela anulação do contrato, por não lhe ter sido dado conhecimento de factos que a teriam impedido de celebrar o contrato de seguro nos termos levados a cabo (em 2007, quando da celebração do contrato de seguro, o segurado apresentava história de consumo alcoólico excessivo e sofria de pancreatite alcoólica e já tinha estado internado).

  4. A Autora respondeu ao articulado superveniente defendendo que da documentação clínica junta aos autos não resulta que o seu falecido pai sofresse, quer em 2007, quer em 2017, de pancreatite alcoólica ou crónica, e que o questionário médico que então foi preenchido pelo segurado não continha qualquer pergunta sobre hábitos alcoólicos (não podendo o segurado omitir factos que não lhe foram perguntados).

  5. Admitido articulado superveniente (proferido na 2.ª sessão da audiência prévia) foi elaborado saneador, identificado o objecto do processo e enunciados os temas da prova.

  6. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

  7. A Autora interpôs recurso impugnando a matéria de facto.

  8. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença e condenando a Ré “a pagar ao Beneficiário, o Banco, a quantia em divida relativamente ao contrato de mútuo celebrado entre BB e o Banco, à data do óbito do segurado, em 29 de Junho de 2017 e o remanescente à Recorrente, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

  9. Inconformada a Ré interpôs recurso de revista deduzindo as seguintes conclusões (transcrição): “1.

    O seguro de vida celebrado entre tomador BPI, o segurado, entretanto falecido e a seguradora ora Recorrente, configura-se como contrato a favor de um banco terceiro, credor do segurado e beneficiário exclusivo seguradora da proposta de seguro com questionário e concluída com a emissão da apólice, documento escrito obrigatório para a perfeição negocial.

  10. A Recorrente e ré seguradora invocou a excepção peremptória de anulabilidade do contrato de seguro de vida celebrado com o tomador e com o falecido segurado, por este ter prestado declarações falsas e omitido outras relevantes sobre o seu estadode saúde anterior e na data da apresentação do questionário clínico que subscreveu com a proposta contratual apresentada e logrou provar os factos relevantes para tal.

  11. O primado da boa fé e o princípio da confiança dos contraentes, na medida em que se impõe que ajam e acreditem na actuação séria do outro e na mútua cooperação para a realização dos fins contratuais impunham que o falecido BB tivesse declarado, aquando da celebração do seguro de vida que apresentava história de consumo alcoólico excessivo, que esteve internado entre 02.11.2006 a 13.11.2006 por pancreatite aguda litiásica (fls. 378 a 394) e ainda esteve internadoaoscuidadosda especialidade de Cirurgia Máxilo-Facial, de 15.02.2007 a 19.02.2007, por deformação nasal adquirida, tendo sido sujeito a rinoseptoplastia e enxerto de cartilagem do pavilhão auricular esquerdo (fls. 240 a 252, 427 a 483).

  12. Com este princípio o juiz contemporâneo tem em conta valorações que não estão legalmente contempladas, ultrapassando uma visão estrita e formal do Direito, procurando que a virtude da Justiça, no sentido de distribuir a cada um o que lhe pertence, atinja o fim social e económico do Direito 5. As seguradoras, exercendo uma actividade a que são inerentes factores aleatórios, têm informação específica sobre os riscos dos diversos contratos, que são avaliados em função da probabilidade estatística da sua ocorrência e da sua gravidade, em face dos dados que lhes são comunicados ou de que tenham acesso.

  13. Cabe, contudo, aos segurados prestar informações verídicas sobre os factores de risco susceptíveis de influir na outorga ou no conteúdo do contrato e o dever de informação encontrava-se também inscnto na proposta de seguro que o pai da A. subscreveu.

  14. O Segurado não declarou com exactidão as circunstâncias que conhecia e que se mostravam significativas para a apreciação do risco pretendia garantir (pontos 30 a 32 dos factos apurados; 8. O falecido pai da A. ao seguro em apreço, tinha absoluto conhecimento de que já tinha estado internado, pelo menos, duas vezes por pancreatite aguda litiásica e outras doenças e tinha sido submetido a uma intervenção cirúrgica, factos pessoais que não poderia nem deveriam ter sido ocultados, dada a relevância para efeitos de ponderação do risco.

  15. O Questionário médico ao requerente da adesão ao seguro, terá de entender-se que tais perguntas são relevantes e essenciais para a seguradora para a celebração do contrato, pois que através dessas perguntas a seguradora indica ao aderente quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato 10. Na medida em que, noquestionárioem causa, asinformaçõessobre as doenças e internamentos hospitalares e intervenções cirúrgicas foram, expressa e especificamente, solicitadas ao pai da A., terá de ter-se que essas informações eram essenciais para a decisão da R. de contratar ou não o seguro com o pai da A. ou de o contratar em diversas condições e que o mesmo optou por omiti-las, ciente que estava da sua relevância para a R., o que demonstra o carácter doloso/intencional da omissão.

  16. As omissões dolosas determinantes da celebração do contrato de seguro de vida conferem à seguradora o direito de opor a anulabilidade do contrato: nº 1 do artigo 25º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, tratando-se, no fundo, de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causado por dolo, previsto em geral no artigo 254º do Código Civil.

  17. O falecido pai da A. optou por omitir informações essenciais sobre a sua saúde, o que demonstra o carácter doloso e intencional da omissão; 13. Pelo exposto, havendo omissão de factos expressamente perguntados no boletim de adesão, andou bem o tribunal de 1ª Instância, quando interpretou tais omissões como relevantes para a apreciação do risco que o segurado pretendia garantir.

  18. A essencialidade dos factos cuja declaração é expressamente pedida no questionário tem de ter-se por presumida, cf consta da Lei do contrato de Seguro anotada por Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 3ª Ed, 2016, pág 136 e seguintes ante o rigorismo e a relevância do regime fixado no n.- 3 artº 24º, não vemos como não concluir, em coerência, pelo abatimento da necessidade de prova especifica da essencialidade cuja declaração é requerida em questionário, sem prejuízo, naturalmente de prova em contrário (n.- 2 do art. 350º do CC).do n.- 3 do art. 24º - terá portanto entendido que, tudo ponderado, a protecção equilibradamente dada ao tomador do seguro e ao segurado valia bem um tal abatimento pró-segurador. “ Sublinhado nosso) 16. Verifica-se a essencialidade do erro num contrato de seguro, ramo vida, quando o declaratário teve intenção em omitir ou prestar declarações inexactas aquando da declaração inicial do risco prestada, bem sabendo que a omissão ou declaração inexacta é relevante para apreciação do risco, a par de que a seguradora, caso tivesse conhecimento da omissão ou declarações inexactas, pode anular o contrato mesmo sem recorrer a tribunal.

  19. Constituem requisitos essenciais do erro sobre o objecto, não só a essencialidade para o declarante do elemento sobre que recaiu o erro, mas também, o conhecimento ou dever de nãoignorar essa...

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