Acórdão nº 1052/15.4PWPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Por acórdão de 6 de julho de 2022, proferido em recurso por si interposto do acórdão condenatório de 18 de fevereiro de 2022 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., da comarca do Porto Este, o Tribunal da Relação ..., negando provimento ao recurso, manteve integralmente o acórdão recorrido, que condenou a arguida AA, com completa identificação nos autos, nos seguintes termos: a) Como autora de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de cem dias de multa, à taxa diária de 6,00 €; b) Como autora de um crime de uso de documento alheio, p. e p. pelo artigo 261.º, n.º 1, do CP, em pena de setenta dias de multa, à taxa diária de 6,00 €; c) Como autora de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.º, al. a), e 256.º, n.º 1, als. a) e d), do CP, em outras tantas penas de cem dias de multa, à taxa de diária de 6,00 €; e d) Em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de multa de duzentos e oitenta dias, à taxa diária de 6,00 €, perfazendo um total de 1.680,00 €; E ainda, e) Como autora de outros quatro crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos art. 255.º, al. a), e 256.º, n.º 1, als. a) e d), do CP, em penas de dez meses de prisão, por um, e de um ano de prisão, por cada um dos outros três; f) Como autora de seis crimes de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do CP, em duas penas de dois anos e três meses de prisão, uma de dois anos e oito meses de prisão, uma de três anos e seis meses de prisão, uma de três anos de prisão e outra ainda de três anos e dois meses de prisão; e g) Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de prisão de sete anos.

Houve ainda declaração de perda a favor do estado de vantagens obtidas com os crimes (com a correspondente condenação da arguida a entregar ao Estado a quantia de 3.397,77 €), nos termos do artigo 110.º do CP, e de perda de objetos apreendidos, nos termos do artigo 109.º, do CP.

2.

Discordando do decidido pelo Tribunal da Relação no que se refere à qualificação jurídica do crime de burla e à medida da pena, vem agora a arguida AA interpor recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivações em que conclui nos seguintes termos (transcrição): “A) O douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo condenou a Arguida a pena única de 7 anos de prisão efetiva, resultante de cúmulo jurídico.

Das seguintes penas parcelares: [transcrição] B) Todavia, não se conforma a aqui Arguida com tal douto veredicto, quanto ao vertido no acórdão e não aceita que possa ser condenada pela prática do crime de burla qualificada pelo modo de vida, e que consequentemente permitiram condenar a recorrente, pelo que esta interpôs recurso para o Tribunal da Relação ....

  1. Recurso esse que não mereceu provimento.

  2. Porém a arguida recorrente não pode conformar-se com tal decisão e reitera perentoriamente que só a sua redução de pena efetiva da prática dos crimes qual veio condenada, cumpre a boa administração da justiça, pelo que vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

  3. E por isso mesmo a recorrente pretende um novo juízo de apreciação, agora por parte deste venerando Tribunal ad quem, enfatizando a importância de se fazer justiça neste caso em concreto.

  4. Não pode a recorrente, porém conformar-se com tal decisão uma vez que resulta claro que o Tribunal a quo não fez, uma correta interpretação de direito nem uma adequada subsunção à norma jurídica.

  5. Considerou e, salvo melhor opinião, erradamente, o Tribunal a quo no caminho do que também o Tribunal de primeira instância considerou que ficou provado que a recorrente fazia do crime o seu modo de vida.

  6. Mas não resulta do seu comportamento uma profissão, muito menos um sustento efetivo do seu agregado familiar apenas e tão só com o ganho do crime, pois para tal seria necessário fazer face às despesas do seu dia a dia, e nessa circunstância é o marido da arguida que o faz, portanto é ele o efetivo ganha pão da casa.

  7. Diferente do modo de vida, será a conduta da habitualidade e não conseguir parar de praticar aquele tipo de crime, que se tornou num vício como drogas e álcool.

  8. Como tal diverge o tal “modo de vida” como refere o acórdão, pois qu habitualidade, surgiu o vício, a adição e que ninguém viu até à data. K) Aliás só assim se conseguiria uma real prevenção geral e especial daquela forma.

  9. Porquanto só se averigua um caracter habitual da sua conduta, mas não um modo de vida.

  10. Ou melhor, tal como consta do acórdão do processo n.º 90/17.7GBFND.C2.S1; “… 8. Seja como for, o conceito jurídico modo de vida implica que o agente obtenha rendimentos suficientes para que possa fazer, em todo ou em parte, face as despesas da vida corrente.

    9. Ora, no caso tal nexo não é possível estabelecer. … 11. Seja como for, não há qualquer elemento objeto que permita concluir que existe aqui um modo de vida, apenas um certo caracter de habitualidade, dispersada no tempo.

    12. De igual forma, a pena aplicada, sem na pena parcelar, seja na pena única, é excessiva.

    13. Não podemos ignorar que a pena visa, essencialmente, a reintegração do agente e que o tribunal deverá sempre privilegiar uma pena não privativa na liberdade. … 18. Pelo que será possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à sua conduta.

    19. Assim, tudo conjugado, deverão as penas parcelares e, consequentemente, a pena única serem reduzidas ao mínimo legal previsto, 20. Sendo que a pena deverá ser suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova, porquanto é possível fazer um juízo de prognose favorável referente ao comportamento da arguida.

    21. Com efeito, o tribunal ao decidir como decidiu violou as normas do artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b) do CP e ainda as normas do artigo 40.º, 70.º e 71.º do mesmo diploma legal…” N) Ora como supramencionado, a pena visa a reintegração do agente a que o tribunal deverá sempre privilegiar.

  11. Para se considerar uma burla qualificada, o elemento subjetivo também tem que estar presente, isto é, o autor do crime tem que ter consciência que é de uma censurabilidade maior, neste caso isso não acontece, porque a arguida não tem essa suscetibilidade de entender sequer dessa censurabilidade maior porque está provida e tolhida pelo vício.

  12. Para determinação da medida da pena da arguida, o acórdão atendeu ao grau de ilicitude e da culpa, que considerou da arguida com as seguintes menções: “Em desabono da arguida: - a ilicitude dos factos, o modo de execução dos crimes e elevado grau de violação dos deveres impostos são elevados” no que concerne a BB, a arguida aproveita-se da relação de amizade que com esta mantinha e que lhe franqueava o acesso à sua residência para se apropriar do seu cartão de cidadão e, em nome desta, celebrar contratos e beneficiar de produtos e serviços, revelando indiferença à confiança que em si foi depositada e valendo-se disso, trai esses valores.

    - atua na forma mais grave de culpa, com dolo direto e intenso em todas as suas condutas; - leva a cabo as condutas lesivas durante um longo período de tempo (entre 2015 a 2019).

    - as consequências das suas condutas não foram, em momento algum, neutralizadas pelo reembolso das quantias aos lesados (sendo que tão pouco o tentou fazer junto de BB antes da audiência de julgamento, com quem havia mantido uma relação de amizade).

    - os registados défices ao nível de hábitos de trabalho efetivos, tendo sempre manifestado inconstância laboral e mobilidade.

    - os antecedentes criminais da arguida, recorrentes quanto ao crime de falsificação de documento e burlas, já nas mais das vezes em penas de prisão suspensas na execução.

    Note-se que a arguida tem averbadas condenações por crimes de burla e falsificação de documento em penas de prisão suspensas transitadas em Janeiro de 2017, Maio de 2017, Fevereiro de 2019 (cerca de um mês antes dos factos aqui em apreço quanto aos contratos celebrados em nome de CC), todas elas no período temporal compreendido na realidade fáctica trazida à apreciação deste Tribunal.

    Nenhuma dessas penas, encerrando a oportunidade de reinserção e integração de valores pela arguida subjacente às suspensões de execução determinadas, surtiram, na arguida, qualquer efeito ou inflexão no caminho que decidiu fazer e manter.” Em abono da arguida, simplesmente a sua confissão integral.” Q) Ora, refere os artigos 40º e 71º C.P. que o limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente, e o limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral, e se assim for considerar-se-á que a culpa da arguida no caso da burla qualificada não está enquadrada pelo já supra referido.

  13. Porque provado está que a arguida não fazia do crime o seu modo de vida, antes tornou-se num já num vicio que não conseguia parar, numa habitualidade. Como nos diz a Anabela Rodrigues: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida […] pela exigência de prevenção geral. “Depois, […] a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial. “Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena” (Problemas fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin, Lisboa, 2002, p. 208).

  14. Temos, assim achada a moldura penal abstrata e essa moldura não deverá de ir para além dos limites impostos pela medida da culpa da arguida.

  15. Quando se está toldado pelo vicio e pela habitualidade não se tem uma perceção correta do certo e do errado, e não se pode culpabilizar a arguida pela qualificação da burla, quando não a tem corporizada na sua mente, nem sabe da sua existência.

  16. Logo, nunca deverá ser aplicada à arguida uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa.

  17. Deste modo, as necessidades de prevenção geral não se justificam, até porque a arguida encontra-se em prisão domiciliária.

  18. Conforme consta da sentença...

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