Acórdão nº 1915/18.5T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelERNESTO VAZ PEREIRA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os juízes da Secção Criminal do STJ: I - RELATÓRIO I.1.

O arguido AA foi condenado por acórdão de 30/05/2022, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, juiz ..., pela prática, em coautoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-lei n.º15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B, anexas a tal diploma, na pena de cinco (5) anos e três (3) meses de prisão efetiva.

Não se conformando com o douto acórdão, no estrito segmento da fixação da medida concreta da pena, do mesmo interpôs recurso.

I.2.

Apresentou as seguintes conclusões: “A. O recorrente coloca à ponderação do tribunal ad quem apenas a medida da pena.

  1. A decisão no que diz respeito à decisão a matéria de facto não merece qualquer reparo, face às declarações dos arguidos, conjugada com a demais prova produzida.

  2. Ainda que a decisão faça o recorrente participante da actividade da coarguida BB, sua mulher, certo é que o papel desta tem notoriamente mais peso, atentas as circunstâncias particulares que rodeiam a actividade.

  3. Com efeito, o ponto 1 da matéria apurada situa-nos no bairro social onde a co-arguida BB tem a família; as condições pessoais reveladas pelos pontos 48, 55 e 56 61, 68 a 71 da matéria apurada dão o retrato da vida de cada uma.

  4. E o que decorre do ponto 9 da matéria dada como apurada, bem como o que decorre da fundamentação, nomeadamente quanto à confissão da co-arguida a chamar a si os actos e decisões de maior importância determinam que se caracterize e adjective como de maior relevância o papel da co-arguida BB.

  5. Isto confere menor ilicitude nomeadamente na matéria que se prende com os pontos apurados sob 39, 41 e 42 pois que a sua importância é sempre menor.

  6. Esta importância da co-arguida, atentas as particulares circunstâncias onde a actividade colocou-os nos actos de venda directa (pontos 11, 18, 22, 26 e 29 da matéria apurada) a sofisticação inexiste na medida em que o recorrente, co-responsável na acividade de tráfico, é ele próprio o rosto visível da venda, com o risco assumido de forma directa e clara perante todos, incluindo da polícia que tinha a cargo a investigação, como decorre dos pontos 22 e 26 acima referidos.

  7. A postura processual a assumir essa realidade em julgamento, com a confissão – ponto 96, a particularização do lucro da actividade nos termos dos pontos 15, 35 e 37 da matéria apurada e ausência de sinais de riqueza, determinam, para si, um critério mais benévolo na fixação da medida da pena.

    I. Estamos perante venda directa, de pequenas doses, para consumo de quem compra e, por isso, mau grado o número de pessoas, as quantidades e em consequência o rendimento ilícito daí resultante não assume uma expressão avultada que mereça um registo para além do que apura a decisão nos pontos 37 e 40.

  8. Não se questiona o preenchimento do tipo legal previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93, aderindo-se ao referido no acórdão, cuja matéria de facto se aceitou, nomeadamente a que decorre e que tem importância nesta parte, os pontos 39, 41, 42, 44 e 45 da matéria apurada.

  9. Já a fixação da medida concreta da pena para o recorrente merece um reparo.

    L. As condições de vida do recorrente, nomeadamente o facto de provir de seio familiar com algumas disfuncionalidades, marcado pela problemática etílica do progenitor e, não obstante o abandono precoce do ensino escolar, a aquisição de competências que lhe possibilitaram um percurso laboral inserido, revelando hábitos de trabalho; a constituição de uma família com a coarguida BB, de quem tem um filho em comum, com quem mantém laços afetivos e o seu sustentáculo até à detenção em 2022 e a sua retaguarda familiar, que o apoia, que o visita regularmente em meio prisional, e, por fim, o contexto prisional onde ocupa o quotidiano com atividades estruturadas de natureza laboral/normativa; merecem relevo.

  10. Não se passa ao do facto de não referir a existência de vítimas neste tipo de crime, mas o ponto 96 colmata e a decisão exara o arrependimento do recorrente, o que merece valoração.

  11. Claro é que o envolvimento anterior em crime de igual natureza havia ocorrido em 2010 e tal impede um juízo de prognose favorável quanto a uma suspensão da execução da pena de prisão.

  12. Mas não impede, atento o proclamado protagonismo da co-arguida – que tse encontra a cumprir pena pela prática de crime de crime de igual natureza - se reduza a pena do recorrente, por este estar numa posição de colaboração com aquela mas com outro envolvimento e outra densidade dolosa no cometimento dos factos.

  13. O recorrente colaborava nos concretos actos de venda a terceiros, dando a cara , mas não tomava parte nas decisões de aquisição e em todas as que daí tivessem a sua sequência, como seja a determinação de quantidades, tipo de estupefaciente, preços e lucro.

  14. Por isso, para o recorrente impõe-se pena inferior a 5 anos, uma pena fixada entre 4 anos e 6 meses e 4 anos e 9 meses.

  15. A sua atuação é de entreajuda e é determinante é o facto de viver com a co-arguida.

  16. O seu grau de ilicitude é necessariamente mais baixo.

  17. A decisão recorrida incorreu, por isso na violação do disposto nos artigos 40º e 71º do CP.” I.3.

    Respondeu o MºPº na 1ª instância: Disse, além do mais, que “Para decidir da pena concreta a aplicar há que ter em consideração, assim, as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, relevam para a culpa e prevenção. Na prossecução dessa tarefa há que atender, designadamente, aos factores previstos no n.º 2 do citado artigo 71º do Código Penal.

    E foi o que efectivamente sucedeu no caso sub judice, conforme se constata da análise minuciosa levada a cabo a fls. 5855 verso a 5858. Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal a quo, entre o mais, não deixou de ponderar os antecedentes criminais do arguido, o tipo de produto estupefaciente vendido (cocaína e heroína, ou seja as chamadas “drogas duras”, das mais nocivas) e o local escolhido para o efeito (habitação social atribuída ao cônjuge do arguido, mas que ambos não destinavam à habitação, mas à venda de produto estupefaciente), a utilização de toxicodependentes na venda dos produtos estupefacientes, o sistema de rotatividade da vendam a duração temporal dos factos – cerca de 1 ano e 2 meses. (…) as necessidades de prevenção geral do crime de tráfico são muito elevadas, (…) não pode o recorrente olvidar que fora condenado pelo crime de tráfico no Proc. 140/11...., por decisão transitada em julgado 9/1/2012, numa pena de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período. Essa pena foi declarada extinta 26/4/2016. A verdade é que, como resulta dos presentes autos, ainda decorria a suspensão da execução da pena de prisão do referido processo, e o arguido já deitava por terra o juízo de prognose que fora feito a seu favor, não aproveitando a oportunidade que lhe fora, e voltando precisamente a cometer o mesmo tipo de crime, pelo qual foi condenado nos presentes autos, sendo que nem a ameaça de uma pena já de média duração o fez arrepiar caminho.” E concluiu que: “Atento o que vimos de expor e o mais claramente explanado no acórdão em apreciação, a pena em causa nada tem de excessivo, sendo pelo contrário justa, necessária, adequada e proporcional ao caso vertente.” I.4.

    O Exmo PGA emitiu o seguinte parecer: “O arguido AA recorre da decisão, e limitando o seu pedido no sentido da redução da pena imposta, apontando para uma que se situe entre os 4 anos e 6 meses e os 4 anos e 9 meses (e, adiante-se, não solicitando a suspensão da sua execução, antes logo admitindo – conclusão N. - que o seu envolvimento anterior em crime de igual natureza impede um juízo de prognose favorável quanto a uma suspensão de execução da pena de prisão).

    Para este efeito invoca, quer no texto da motivação, quer nas respetivas conclusões, basicamente a circunstância de se ter de entender, na sua perspetiva, ter sido mais baixo o seu grau de ilicitude do que o da co-arguida BB (condenada, como atrás se referiu, na pena de 6 anos e 9 meses de prisão), pois que, como também invoca, o papel desta teria tido maior peso na prática do crime, sendo o seu papel o de colaborador daquela (conclusão O.), decorrendo de com a mesma viver, «colaborando nos concretos actos de venda a terceiros, dando a cara, mas não tomava parte nas decisões de aquisição e em todas as que daí tivessem a sua sequência, como seja a determinação de quantidades, tipos de estupefacientes, preços e lucro», não mostrando sinais de riqueza, estando-se perante venda direta em pequenas doses. Invoca ainda as suas condições de vida (provir de uma família com algumas disfuncionalidades, possuir hábitos de trabalho, ter família que o apoia), o ter confessado os factos e ter demonstrado arrependimento, e ainda a circunstância de manter bom comportamento prisional, como elementos a ter em conta para a pretendida redução da pena aplicada recorrente, não resultou provado o que alega quanto a ser um mero executor das decisões tomadas pela coarguida, sua companheira, BB, limitando-se a «dar a cara» pelas decisões tomadas por aquela.

    que ficou provado (e não foi contestado pelo recorrente, lembre-se), foi que toda a atividade destes dois arguidos foi levada a cabo de forma conjunta, mediante acordo e execução também conjuntos, em comunhão de esforços, visando alcançar, como alcançaram, os mesmos objetivos. Daí a coautoria a que o acórdão de 1ªinstância se refere precisamente para caracterizar a conduta em questão, lembrando que «a comparticipação criminosa sob a forma de coautoria pressupõe um elemento subjetivo o acordo, com o sentido de decisão, expresso ou tácito, para a realização de determinada ação típica - e um elemento objetivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte direta na execução.

    O Supremo Tribunal de Justiça tem, de há muito, consagrado a tese segundo...

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