Acórdão nº 134/21.8T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo: 134/21.8T8GMR.G1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório AA e BB (entretanto falecida e tendo sido habilitada CC), ambas residentes na Rua ..., ..., ..., intentaram ação administrativa contra a REN – Rede Elétrica Nacional, SA., com sede na Av.ª... em ..., e contra o Município de Fafe, pedindo a condenação dos réus a pagar “solidária ou subsidiariamente às autoras a quantia global de € 950.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pelas suas condutas supra descritas, quantia acrescida de juros legais vincendos, contados desde a data da citação e até integral pagamento”.

Alegaram, em síntese, que a 1.ª R., em 6/11/2015, no âmbito da construção da “Linha Terras Altas ... - Riba .../subestação de ...”, sem autorização das AA ou comunicação prévia, invadiu prédios de que as AA. são proprietárias, derrubando “…vários eucaliptos em 2.º corte, utilizando um caminho de servidão num comprimento de 60 metros com 3 metros de largura e colocando pedras”; e que a 2.ª R. não cumpriu os deveres de informação que lhe competiam (falta de publicação do projeto/Linha), pelo que, segundo as AA., como consequência de tais factos – traduzidos na constituição de uma servidão administrativa aérea para passagem de energia em alta tensão e na preterição das formalidades legais procedimentais a que o projeto subjacente a tal servidão administrativa estava legalmente sujeito – sofreram os danos patrimoniais e não patrimoniais que invocam e cujo ressarcimento peticionam.

Os RR. apresentaram contestações.

A 1.ª R. invocou exercer uma atividade legalmente enquadrada, pelo que não invadiu ilicitamente os prédios das AA., sem prejuízo de reconhecer ter, no âmbito de tal atividade, causado prejuízos indemnizáveis às AA. – não na dimensão e montantes peticionados – os quais são indemnizáveis nos termos do DL 43.335, de 19/11/1960, sucedendo que, antes da propositura da presente ação, requereu a arbitragem prevista no art. 38.º de tal DL 43.335, razão pela qual a ação administrativa intentada é inadmissível, para além dos tribunais administrativos serem materialmente incompetentes (por em matéria de expropriações e de constituição de servidões por utilidade pública serem os tribunais judiciais os competentes para decidir sobre o valor das indemnizações).

O 2.º R. negou ter qualquer responsabilidade pela não disponibilização do projeto da linha aérea “Abertura da Linha Terras Altas ...”, incluindo o Estudo de Impacte Ambiental, da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente, e o respetivo procedimento de consulta público, pelo que, a seu ver, é parte ilegítima para a presente ação; para além das AA. “não discriminarem quais os danos indemnizáveis decorrentes da constituição de uma servidão legal administrativa e os danos eventualmente decorrentes da falta de consulta prévia à Declaração de Impacte Ambiental”, o que, a seu ver, torna inepta a PI; e de as AA., “litigando com o benefício do apoio judiciário, formularem pedidos astronómicos (…), sem qualquer fundamento objetivável, quer no que respeita a danos materiais, quer a danos imateriais, errando ainda na soma das respetivas parcelas, que dá como resultado € 709,500,00”.

Findos os articulados, o Tribunal Administrativo ... proferiu decisão, em 21/03/2018, em que “declarou o Tribunal Administrativo materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado pelas AA. e, em consequência, determinou a absolvição dos RR. da instância”.

Decisão esta de que as AA. recorreram, tendo o Tribunal Central Administrativo ..., por Acórdão de 23/11/2018, “conced[ido] parcial provimento ao recurso, revogando parcialmente a decisão recorrida, na parte que respeita à pretensão de condenação indemnizatória no valor de € 100.000,00 supra referida”.

Após o que vieram as AA., na sequência do trânsito em julgado de tal Acórdão, requerer, “nos termos e para os efeitos do art. 14.º do CPTA, a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ...

”, razão pela qual, regressados os autos à 1.ª Instância administrativa, após notificação das AA., foi por decisão do Tribunal Administrativo ..., de 28/10/2020, julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente, quanto à pretensão indemnizatória no valor de 100.000,00 (para que o Acórdão do TCA havia considerado os tribunais administrativos competentes); tendo, na mesma decisão, os autos, quanto à apreciação e decisão da pretensão indemnizatória restante, sido remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ...”.

Chegados os autos ao Tribunal Judicial da Comarca ... / Juízo Central Cível ..., foi, em 12/10/2021, proferido saneador em que, julgando-se em tudo o mais a instância regular, “se declarou verificada a exceção dilatória inominada da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas Autoras para fazerem valer o direito fundado na factualidade que constitui a causa de pedir da presente ação, absolvendo as Rés da instância (cfr. artigos 576.º/2, 577.º e 578.º, todos do CPC).

” Inconformadas com o decidido, apresentaram as AA. recurso de apelação, tendo a Relação de Guimarães, por acórdão de 24/02/2022, negado provimento ao recuso e confirmado a decisão recorrida.

Ainda inconformadas, interpõem agora as AA. o presente recurso de revista – a título de “revista excecional”, o qual foi admitido por Acórdão da Formação de 08/09/2022 – visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que determine o prosseguimento dos autos.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) A- o Tribunal a quo absolveu as Rés da Instância por considerar que está em curso (ou seja, que ainda não terminou e dará “frutos”) a realização de uma arbitragem, que irá fixar o valor da indemnização a atribuir às A.A. pelos prejuízos advindos da actuação das R.R.

B- Nunca os Árbitros indicados pela R. REN e pela Direcção-Geral de Energia e Geologia iniciaram os seus trabalhos nem tão pouco proferiram qualquer decisão! C- Nunca às A.A. foi atribuída qualquer indemnização! D- É a própria Direcção-Geral de Energia e Geologia que, na sua comunicação ao Tribunal a quo, confessa que o processo de arbitragem não teve mais seguimento face às declarações das A.A. e que o mesmo foi arquivado: “… o processo administrativo referente a arbitragem, registado sob o número EI 4.1/1423 … se encontra arquivado na Direção de Serviços de Energia Eléctrica desta Direção-Geral”.

E- Dos autos resultam assentes várias comunicações entre A.A. e R.R.

F- O Tribunal a quo deveria ter realizado a Audiência de Julgamento para apurar a verdade material e fáctica dos factos, não se escudando na mera afirmação de que as A.A. não poderiam ter oposto a nulidade, por falta de acordo, “…. ao procedimento de arbitragem em curso na Direção Geral de Energia e Geologia.” G- Nunca o Tribunal a quo deveria ter proferido a Sentença nesta fase processual, lançando mão da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelos AA. pois que não tendo havido Arbitragem nem tendo sido atribuída qualquer indemnização às A.A. mais não lhes restaria do que recorrer ao Tribunal Administrativo ou Judicial, como o fizeram.

H- A.A. mereceriam ao menos um Julgamento e não uma pura denegação de Justiça, como foi e é o caso desta Sentença! I- Sentença baseou-se numa lei completamente desfasada da realidade (ela própria inconstitucional).

J- O Tribunal a quo andou mal na interpretação e aplicação que fez do parágrafo 2º. do Artº. 38º. do DL Nº. 43335, de 19 de Novembro de 1960: “O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objeto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver ação pendente acerca do mesmo objecto.”.

K- Este preceito não fala de ação judicial. Somente fala de “ação”.

L- Antes da propositura da ação judicial, A.A. e Ré REN já tinham começado a discutir, a agir em sede de negociação extra-judicial, através de várias comunicações e reuniões.

M- Houve ação. Não houve inércia por parte das A.A. nem da Ré REN.

N- A Arbitragem requerida pela Ré REN não poderia ter lugar uma vez que já havia ação quanto ao objeto da mesma.

O- A Acção Judicial foi interposta em 19-12-2016, mas já em 14-07-2016, as partes (ora A.A. e a Ré REN) tinham em cima da mesa a discussão dos prejuízos e da legalidade da atuação da REN, em sede de tentativa de resolução extra-judicial do conflito.

P- Desde a invasão das suas propriedades por parte da R. REN até à propositura da ação judicial, decorreram vários meses de negociações inter partes com vista à resolução extra-judicial do diferendo.

Q- O Tribunal a quo precipitou-se ao confirmar a Sentença recorrida dando por certo que, aquando foi intentada Acção Judicial, já haveria Arbitragem, não tendo tomado em atenção que essa mesma Arbitragem quando foi requerida não o poderia ter sido, por já haver acção/acções concreta(s) para a resolução do diferendo inter partes.

R- As A.A. sempre poderiam ter intentado a acção judicial que intentaram, não ficando coartada a sua liberdade e o seu direito de acesso aos Tribunais.

S- O Tribunal de Primeira Instância fundamentou a sua Decisão no preâmbulo do DL Nº. 43335 de 19-11-1960, para interpretar e aplicar tout court o Artº. 38º. do dito diploma ao caso vertente nos autos.

T- Para este Tribunal “O supracitado artigo 38º do DL n.º 43335 é claro…” – negrito nosso.

U- Ainda para este Tribunal “A arbitragem prevista pelo artigo 38º do DL 43335 de 19.11.1960, requerida pela REN, é uma arbitragem decorrente de lei especial que, como a própria norma prevê, se despoleta a impulso de um dos interessados, distinta do regime jurídico da Lei da Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro…”.

V- Já para o Douto Tribunal da Relação de Guimarães “…O texto do preceito legal não é particularmente feliz: o legislador começa por dar a entender que quer que o valor da indeminização seja, de preferência, determinado...

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