Acórdão nº 460/19.6T9SXL.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelBRÁULIO MARTINS
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa 1 Em processo comum, com intervenção do tribunal singular que corre termos no Juízo Local Criminal do Seixal – J2, com o n.º 460/19.6T9SXL, teve lugar audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo, para o que aqui interessa: III. 2. - Pedido cível deduzido pelo demandante AA Julga-se parcialmente procedente, por provado em parte, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante cível AA e, em consequência: 1) Condena-se a demandada Ageas Portugal - Companhia de Seguros SA a pagar –lhe quantia de € 11.087,04 ( onze mil e oitenta e sete euros e quatro cêntimos a título de indemnização devida por danos patrimoniais( danos emergentes) e a pagar-lhe a quantia de €20.000,00 ( vinte mil euros) a titulo de indemnização devida por danos não patrimoniais, na quantia total de € 31.087,04( trinta e um mil e oitenta e sete euros e quatro cêntimos ) - (cfr art. ºs 483.º, n.º 1,562.º a 564.º e 566.º, do Código Civil).

2) Absolve-se a demandada Ageas - Portugal Companhia de Seguros SA do restante pedido cível contra si deduzido pelo demandante AA.

* 2 Não se conformando com a decisão proferida, o demandante civil AA interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

  1. O aqui recorrente limita o seu recurso à matéria civil nos termos do art.º 403.º n.º2 alínea b) do Código de Processo Penal (CPP).

  2. O presente recurso versa sobre matéria de direito, nos termos do art.º 412.º n.º2 do CPP, bem como sobre questões que a decisão recorrida poderia conhecer, nos termos do art.º 410.º n.º1 do CPP. Nomeadamente, c) Discorda o recorrente demandante do quantum indemnizatório fixado pelo tribunal recorrido a título de danos não patrimoniais a suportar pela demandada seguradora; d) Igualmente discorda o recorrente demandante da absolvição da demandada seguradora pela não fixação de qualquer indemnização através da aplicação do instituto da perda de chance. Assim, e) Em sede de danos não patrimoniais, em termos de quantificação da indemnização, os montantes, a determinar, devem obedecer a critérios de equidade, devem ser fixados segundo padrões de dignidade humana, devendo, por isso, ter alcance significativo e não meramente simbólico, ou seja, devem ser adequados à compensação do dano sofrido mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro.

  3. E a indemnização a fixar deverá abarcar uma componente compensatória e também sancionatória uma vez que a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado, atenuando o mal consumado.

  4. O motivo de discórdia, como antes dissemos, está no cômputo da indemnização compensatória que implica, obviamente, a consideração dos factos julgados provados, e o seu correcto enquadramento nos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, 562.º a 564.º e 566.º, do Código Civil.

  5. E basta ler o arrepiante quadro que nos é revelado pelo conjunto dos factos dados como provados, nomeadamente dos nºs 2 a 49 do pedido de indemnização civil apresentado pelo demandante, para ficarmos com uma ideia das terríveis e horríveis dores, sofrimentos e angústias que sofreu, sofre e sofrerá enquanto estiver vivo.

  6. Como reconheceu o acórdão recorrido, estamos realmente perante uma situação em que o lesado sofreu, sem dúvida danos “ bastante graves, pois por via do evento o lesado terá sofrido fortes dores, o período de doença mostra-se já prolongado, o período de internamento com as respectivas esperas e com a cirurgia mostra-se também mais prolongado do que seria normal e expectável em casos idênticos (tendo ocorrido uma infeção que gerou mais dores).

  7. Igualmente reconheceu o acórdão recorrido que não conseguindo o demandante andar mais de 100 metros “dificilmente poderá realizar as atividades normais de qualquer pessoa. Seguramente tal situação mostra-se apta a gerar angústia e sofrimento emocional além de dores físicas. Ainda há que considerar que sendo o demandante músico de profissão e tendo trabalhado com artistas conhecidos da praça, encontra-se impossibilitado neste momento em virtude do evento de tocar durante mais de 15 ou 20 minutos.

  8. Ponderando todos estas circunstâncias há que considerar estarmos num quadro já de gravidade em termos de danos não patrimoniais sendo que a fixar deve atentar também em todo o sofrimento emocional ( além do sofrimento físico que foi seguramente bastante).” l) Aliás, como resulta do art.º 49.º da matéria de facto provada, “ A recuperação nunca vai ser total, está condenado a não poder andar, a não conseguir realizar passeios a pé, a não poder a companheira e/ou companheiros e amigos numa qualquer excursão a uma cidade onde tenha de se deslocar apeado; é-lhe impossível ajoelhar-se, seja em que condições for para apanhar qualquer objecto que caia, por exemplo, para debaixo do sofá.” m)Os danos demonstrados afetam de forma irremediável e dramática a qualidade de vida pessoal, social, sexual e de realização profissional do recorrente, cuja reparação se não compadece com a indemnização arbitrada pelo acórdão recorrido, que afrontou, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, sem tomar em devida consideração do dano biológico existente.

  9. Na verdade, as quantias usualmente atribuídas para compensar o dano vida não podem funcionar como limite à indemnização por danos não patrimoniais, como tem vindo a ser entendimento dominante da jurisprudência.

  10. Pelo que entendemos que é justa, equilibrada e equitativa uma indemnização nunca inferior a €70.000,00, tal como peticionada pelo Demandante a título de indemnização por danos não patrimoniais a suportar pela seguradora demandada.

  11. Para além de danos patrimoniais (danos emergentes) e de danos não patrimoniais, o demandante veio igualmente peticionar a condenação da demandada seguradora em lucros cessantes, no montante de 100.000,00€.

  12. Verifica-se que o tribunal a quo qualificou os factos alegados pelo demandante no instituto de danos decorrentes da perda de chance, em detrimento do seu enquadramento em sede de lucros cessantes, posição essa com a qual, diga-se em abono da verdade, se concorda inteiramente.

  13. Contudo não se pode concordar com o raciocínio lógico-dedutivo efectuado pelo tribunal recorrido, que conduziu à não fixação de qualquer quantum indemnizatório pela aplicação de tal instituto, porquanto, dos factos dados por provados e da boa aplicação do direito, se impunha decisão diversa.

  14. Conforme se refere no Ac. do TRG de 02/02/2017, com o n.º de processo 753/15.1T8VGT.G1, consultável em www.dgsi.pt: A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, colocando-se o acento tónico, para efeitos de verificação do nexo de causalidade não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido.

  15. E é precisamente na concretização destes critérios que o tribunal recorrido claudicou. Assim, u) Após uma exposição doutrinária e jurisprudencial extensa sobre o instituto da perda de chance, o tribunal recorrido, descendo ao caso sub judice, refere o seguinte: Contudo, não se encontram preenchidos os pressupostos legais de que depende a sua atribuição desde logo porquanto o demandante não logrou fazer a prova que lhe competia.

    Na verdade, não mostra provado que tenha sido em consequência do evento (sequer) que não tenha vindo a ser lançado o espetáculo – e mesmo que tal tivesse ficado provado – nunca poderia considerar –se estimado um lucro total de 100,000, 00 euros ou mesmo sequer algum lucro. Na verdade pode mesmo dizer –se que a realização de espetáculos - e os consequentes lucros- se enquadram em âmbito de actividade de natureza artística bastante aleatória ( excetuando quando estamos face a artistas que à partida têm os seus espetáculos vendidos pelo conhecimento que o público já destes tem) – os outros podem ou não vir a ter sucesso – e se tal sucesso fosse pelo menos muito provável certamente teriam os seus termos ficado contratualmente acordados com a empresa com quem o projeto foi “ apalavrado” ou seja celebrado um contrato prévio- o que não ocorreu.

    Estamos, pois, no âmbito de perda de chance e não se tendo feito prova dos pressupostos inerentes nesta parte o pedido tem fatalmente que improceder- sem prejuízo de se considerar a impossibilidade do demandante tocar actualmente o instrumento- sendo músico de profissão, mas em sede de danos não patrimoniais-onde tal dano, a nosso ver, se deve refletir.

    Deste modo considera-se que apenas o pedido de indemnização cível formulado pelo demandante quanto a danos patrimoniais (danos emergentes) terá que proceder, mas já terá fatalmente que improceder na parte que denominada pelo demandante cível como “lucros cessantes”.

  16. Todavia, não se pode concordar minimamente com tal fundamentação, pois cfr. referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 01-07-2014, com o n.º de processo 824/06.5TVLSB.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt “(...) no caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada. (...).

  17. É que, o que está aqui em causa, não é o facto de o demandante não ter lançado o espetáculo, ou os lucros eventualmente decorrentes de tal lançamento.

  18. O facto indemnizável consiste, diferentemente, na oportunidade que o demandante perdeu, em virtude do acidente sofrido.

  19. E...

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