Acórdão nº 81/20.0PAPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO AFONSO LUCAS
Data da Resolução23 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 81/20.0PAPVZ.P1 Tribunal de origem: Juízo de Instrução Criminal de Aveiro, Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO No âmbito do processo nº 81/20.0PAPVZ foi oportunamente pelo Ministério Público proferido despacho determinando a notificação do assistente AA (como tal admitido a intervir a fl. 29), para os efeitos do disposto no art. 285º/1 do Cód. de Processo Penal, relativamente ao denunciado crime de difamação, indicando que foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime.

Veio então o aludido assistente, a fls. 98 e segs., deduzir acusação particular contra a arguida BB, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, que indica como «previsto e punido pelo art. 285º do Código Penal».

De seguida, o Ministério Público formulou também acusação contra a mesma arguida, nos termos exarados a fls. 107, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, que indica como «p.p. pelos arts. 180 e 183/1/a do C.P.

».

A arguida requereu a abertura de instrução (a fls. 114 e segs.), propugnando em síntese pelo seguinte : a) que seja rejeitada a acusação deduzida pelo Ministério Público, por falta de legitimidade deste ; b) caso assim não se entenda, que seja declarada nula uma tal acusação, em virtude de a mesma importar uma alteração substancial dos factos ; c) que seja declarada nula a acusação particular, por violação do art. 283º/3 c) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 285º/3 do mesmo diploma.

  1. sem prescindir, que seja proferido despacho de não pronúncia da arguida pelo crime de que vem acusada.

    Remetidos os autos ao Juízo de Instrução Criminal de Aveiro - Juiz 2, e realizada a fase de instrução com debate instrutório, veio a ser, em 05/05/2022, proferida pelo Juiz de Instrução decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos – através de despacho que, na sua parte decisória, é nos seguintes termos : « Pelo que antecede, decidimos:

    1. Julgar improcedente a invocada falta de legitimidade do Ministério Público para formular a acusação de fls. 103; B) Julgar improcedente a arguida nulidade das acusações particular e pública; C) Determinar a desconsideração dos pontos 4º e 7º da acusação particular; D)Não pronunciar a Arguida, determinando o oportuno arquivamento dos autos.

    » É inconformado com esta decisão que dela ora recorre, por requerimento apresentado em 22/06/2022, o assistente AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões : I. Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória que decidiu pela não pronuncia da arguida.

    1. Contudo, e salvo o devido respeito que é muito, não pode o recorrente concordar com o despacho que ora se coloca em crise, pois senão vejamos, III. De acordo com o artigo 308º do CPP se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, haverá decisão de pronúncia pelos respetivos factos, no caso contrário, haverá despacho de não pronúncia.

    2. As provas recolhidas nas fases preliminares do processo penal não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas, tão só, da decisão processual no que respeita à prossecução do processo até à fase de julgamento.

    3. O juízo de probabilidade razoável de condenação enunciado no n.º 2 do art. 283.º do CPP, aplicável à pronúncia ou não pronúncia, não equivale ao juízo de certeza exigido ao Juiz na condenação.

    4. Os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

    5. O Juiz de Instrução, aquando da prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, deve ter presente na valoração da prova o princípio in dubio pro reo.

    6. Ora in casu, é patente e conforme resulta do auto de denúncia que a arguida através das redes sociais, enviou mensagens em privado, onde refere "o vosso presidente das ..., é um traidor, ladrão, vigarista, chupista, trais ex-mulher por um homem por isso fãs tenham cuidado ele. É GUEY." IX. O assistente forneceu todas as informações como facultou o link de onde recebeu tal mensagem, e se verifica que tal página corresponde ao perfil da arguida pois constam dados pessoais como fotos e descrição da mesma.

    7. Certo é que mal andou o tribunal em não verificar a quem corresponde o URL ora fornecido em não esgotar todos os meios de prova para averiguar o episódio em causa, protegendo como é seu dever, os cidadãos.

    8. De todo o modo, indícios suficientes para a prossecução dos presentes autos a julgamento existem.

    9. Ora, para fundamentar uma decisão de pronúncia não se exige uma certeza da existência da infração, sendo suficiente que existam factos indiciários cuja conjugação e relacionação lógica leve a concluir pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.

    10. Assim, os indícios são suficientes, quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

    11. Sobre esta matéria, pode ler-se in Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05.07.2010, publicado in www.dgsi.pt "para que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório que possa conduzir, através do esquema subsuntivo, à aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, é necessário que sejam precisos, graves e concordantes.

    12. De referir ainda, que o despacho de não pronuncia, enferma em nulidade (ou irregularidade) do despacho de não pronúncia que não proceda a tal descrição e especificação de factos suficientemente indiciados ou não.

    13. A jurisprudência divide-se quanto à qualificação do vício em questão: irregularidade ou nulidade, nulidade sanável ou insanável, de conhecimento oficioso ou não. Será de aplicar ao despacho de pronúncia, como sustenta o recorrente no caso em apreço, a nulidade (não simples irregularidade) decorrente do artigo 283.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal (para que remete o artigo 308.º, n.º 2, do mesmo Código). Não vemos motivo para aplicar tal regime de nulidade ao despacho de pronúncia e já não ao despacho de não pronúncia. Por outro lado, a relevância sistémica do princípio do caso julgado material impõe que se considere tal nulidade insanável e de conhecimento oficioso. Uma tão relevante consequência como é a da força de caso julgado material não poderá ficar dependente de arguição.

    14. Deveria o despacho recorrido especificar os factos que considera, ou não, suficientemente indiciados (questão sobre a qual terá tal despacho força de caso julgado material), independentemente da questão (a analisar de seguida) de saber se eles configuram, ou não, o crime de violência doméstica por que vem o arguido acusado. Essa especificação será necessária para suprir a nulidade de que padece o despacho recorrido.

    15. Ocorre nulidade (ou irregularidade) do despacho de não pronúncia que não proceda a tal descrição e especificação de factos suficientemente indiciados ou não.

    16. Atento o exposto, e salvo melhor opinião, o Mm. Juiz de Instrução deveria ter concluído pela verificação de indícios suficientes, consubstanciados na factualidade alegada, quanto aos elementos objetivo e subjetivo do tipo legal do crime em causa, e, em consequência proferir a competente decisão de pronúncia- cf artigo 308.º n.º 1, do Código Processo Penal; XX. Deste modo, a douta decisão em mérito, também violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto, entre outros, no citado artº 180.e 183/1º do C.P, e no artº308º, nº 1, la parte, do C.P.P.

    17. Deve, em conformidade, o despacho recorrido ser revogado e ser em sua substituição proferido despacho de pronúncia nos moldes supra assinalados,.

    O recurso, em 05/07/2022, foi admitido.

    A este recurso respondeu o Ministério Público em 05/09/2022, defendendo a improcedência do mesmo, pronunciando–se nos seguintes termos : «É patente que no despacho recorrido não é nulo pois o mesmo indica os factos que considera como não indiciado, conforme supra transcrito.

    Quanto aos indícios recolhidos contra a arguida estes limitam-se à versão apresentada pelo assistente e ao print que o mesmo juntou a fls. 37.

    A PJ não conseguiu aceder a qualquer mensagem rececionada através do link hllps://... a que corresponde o print que o assistente _juntou e não foi possível obter o ... de Facebook de BB.

    Na queixa o assistente referiu que o comentário que recebeu na página do referido perfil de Facebook foi enviada em conversa privada, o que significa que apenas esteve acessível a sua leitura ao ofendido.

    Neste caso, a factualidade descrita integra a prática de um crime de injúria e não de um crime de difamação.

    E será que os indícios recolhidos são suficientes para a pronúncia? Nesta fase processual não se exige o juízo de certeza que a condenação impõe, mas apenas essa probabilidade dominante, "Para a pronúncia. como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido da certeza moral da infracção. bastando-se com os indícios da sua prática, de onde se possa formar a convicção de: que existe uma possibilidade razoável de ter sido cometido um crime pelo arguido (...) tanto a doutrina como a jurisprudência têm realçado que a possibilidade razoável de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido" ou, noutras palavras, os indícios são suficientes quando existe uma·· alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que absolvição (ver nesse sentido acórdão do SJ, de 2 l /07/2008...

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