Acórdão nº 14565/18.7T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução29 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo 14565/18.7T8PRT.P1.S1 * Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1.

Prolatado o acórdão que julgou improcedente a revista, veio a Recorrente atravessar requerimento alegando que o mesmo “padece das nulidades previstas nas als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Com efeito, o aresto reclamado não especifica de forma cabal os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, apresenta fundamentos que estão em oposição com a decisão e não se pronuncia sobre questões que devia apreciar”.

Remata a sua longa alegação com não menos longas conclusões, que se transcrevem: A. Os presentes autos tiveram origem numa petição inicial apresentada pela ora Reclamante contras as Rés, na qual se pedia a declaração da ilicitude da transmissão de estabelecimento por estas negociada e que envolveu a Reclamante, com todas as legais consequências dessa declaração.

  1. A transmissão de estabelecimento impugnada nestes autos, e que data de junho de 2017, abrangeu 22 trabalhadores, incluindo a Reclamante, tendo a 1.ª Ré negociado na mesma altura outras transmissões de estabelecimento de outros departamentos, quer com a 2.ª Ré, quer com outras empresas, num total de cerca de duas centenas de trabalhadores “transmitidos”.

  2. Uma parte significativa dos trabalhadores integrados nestas transmissões não se conformou e reagiu judicialmente, tendo dado entrada a várias acções de impugnação dos negócios de transmissão de estabelecimento celebrados entre a 1.ª Ré e um conjunto de empresas, onde se inclui a 2.ª Ré.

  3. Importa ter presente que a actividade destas empresas se exerce em estreita colaboração – para não dizer dependência – com a 1.ª Ré, de que são exemplo a partilha de espaços e instrumentos de trabalho, a cooperação na execução de tarefas ou os serviços prestados, formatados para o universo da 1.ª Ré, o que, de resto, já vinha acontecendo antes das transmissões e ao que não é alheio o facto de as empresas transmissárias estarem sob controlo gestionário de pessoas singulares ou colectivas próximas e da confiança dos accionistas da 1.ª Ré, facto que é, aliás, de conhecimento público e generalizado.

  4. Neste quadro, que exigia do julgador na aferição da licitude do negócio transmitivo uma atenção e sensibilidades acrescidas, a acção da Reclamante foi julgada improcedente pelo Tribunal da 1.ª Instância, com uma decisão que, para além dos erros na apreciação da matéria de facto e da matéria de direito - oportunamente alegados mas, infelizmente, reiterados pelos tribunais superiores -, revela um enorme distanciamento da realidade empresarial e das suas opções estratégicas mais recentes, distância que foi depois sublinhada pela confirmação da sentença pelo Tribunal da Relação do Porto e Supremo Tribunal de Justiça.

  5. Com efeito, nenhuma destas instâncias foi capaz de, criticamente e do ponto de vista jurídico, enquadrar o caso concreto no plano económico e na lógica de externalização da força de trabalho que tem marcado a tendência do mercado e das relações laborais contemporâneas, em desvio à própria natureza do contrato de trabalho e ao princípio fundamental da segurança no emprego, tendo, ao invés, assumido uma postura passiva e redutora da função jurisdicional, contrária ao espírito e letra da lei, mais propriamente da regulamentação resultante da reforma do Código de Processo Civil de 2013, em especial, a respeito da abordagem aos factos do processo.

  6. Com as alterações introduzidas em 2013, procurou-se mitigar o esquematismo e a artificialidade da divisão da matéria de facto por quesitos, tendo estes sido substituídos pela mais fluído e dinâmico conceito de temas de prova, ao mesmo tempo que se reforçou o poder do juiz na descoberta da verdade e apuramento dos factos relevantes para a boa decisão da causa.

  7. Porém, esta redefinição da lei de processo não teve qualquer expressão no julgamento levado a cabo pelo Tribunal de 1.ª Instância, cuja decisão foi complacentemente mantida pelo Tribunal da Relação do Porto, a quem cabia emendar os erros cometidos e não o fez, complacência a que o Supremo Tribunal de Justiça aderiu.

    I. Escudando-se em argumentos formais e interpretações discutíveis das normas aplicáveis, o Tribunal da Relação do Porto desprezou a impugnação da matéria de facto feita pela Reclamante na sua Apelação, socorrendo-se da conveniente e muito discutível interpretação jurisprudencial – sem base legal expressa nesse sentido – de que a impugnação da matéria de facto não pode ser feita em bloco.

  8. O Tribunal da Relação do Porto desconsiderou o cumprimento efectivo e integral por parte da Reclamante das exigências – essas sim – previstas na lei e penalizou-a com base numa interpretação jurisprudencial formalista e restritiva do direito de acesso à justiça e aos tribunais, com consagração constitucional e natureza de direito, liberdade e garantia.

  9. Vale a pena referir o voto de vencido e a respectiva declaração de um dos Juízes do colectivo que julgou a Apelação da Reclamante, de quem o que acaba de se referir não pode ser dito, antes pelo contrário.

    L. Efectivamente, a declaração do voto de vencido do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto revela que o seu autor identificou correctamente as questões fundamentais da situação em apreço, nomeadamente a insuficiência da unidade económica transmitida e situação de dependência da 2.ª Ré face à 1.ª Ré.

  10. Infelizmente, o Supremo Tribunal de Justiça preferiu dar crédito ao Acórdão e não ao voto de vencido, sobre o qual, diga-se, não se pronunciou de forma alguma, não obstante a sua reprodução integral no texto da decisão.

  11. Ademais, o Supremo Tribunal de Justiça deu igualmente cobertura à decisão do Tribunal da Relação do Porto sobre a impugnação da matéria de facto, insistindo, de forma acrítica e limitada, na tese da impossibilidade da impugnação em bloco, muito embora reconheça que o texto da lei nada...

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