Acórdão nº 779/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 779/2022

Processo n.º 1002/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que é reclamante A. e reclamada a AT-Autoridade Tributária e Aduaneira, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 6 de outubro de 2022, que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal.

2. Por decisão proferida em 23 de setembro de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a reclamação do despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Feira-2, de 11 de fevereiro de 2022, que designou data para a realização da diligência de entrega de bem vendido em execução fiscal, cuja anulação fora requerida pela executada, ora reclamante, assim como a remessa dos autos ao serviço de finanças para efeito de sanação dos vícios que lhe apontou — falta de notificação da executada e dos seus familiares da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do despacho que adjudicou o direito de usufruto, falta de notificação dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que foi aceite, bem como do dia e hora marcados para a efetivação da venda —, o que também foi indeferido, tal como a suspensão da tramitação do processo de execução fiscal n.º …., igualmente peticionada.

3. A ora reclamante interpôs, então, recurso para este Tribunal, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., recorrente no processo acima e à margem referenciado, proferida que foi decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, Unidade Orgânica 2, que "julgou totalmente improcedente a ação, determinando-se a manutenção do ato reclamado do órgão de execução fiscal VEM INTERPOR RECURSO para o Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 75.º-A e 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), o qual deverá ter efeito suspensivo.

E.R.D.

A Advogada

Pelo que apresenta as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO:

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

I. INTRODUÇÃO:

1. Em 23 de setembro de 2022, foi proferida decisão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação judicial do ato de indeferimento do pedido de anulação de venda do direito de usufruto do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, sob o art.º ..., formulado pela Recorrente no processo de execução fiscal n.º …., instaurado pelo serviço de finanças de Feira 2 contra a mesma.

2. Entende a Recorrente, salvo melhor entendimento, que a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro importa a violação de direitos da Recorrente, constitucionalmente consagrados e protegidos, aliás conforme alegado em sede de alegações para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (cfr. artigos 21, 30, 31, 32, 49, 54, 61, 62, e 68.º da RAC), impondo-se, por via disso, decisão diversa que reponha a justiça na decisão do litígio em causa.

II. DA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS QUANTO À EXECUTADA E À RECORRENTE:

3. No âmbito do processo de Execução Fiscal n.º …. e respetivos apensos 3441201401124021, 3441201601039261, 3441201701046519, 3441201701068709, 3441201701105400, 3441201481041756, 3441201501046896, 3441201501075977, 3441201501109170, 3441201501145711, 3441201601060376, 3441201601084526, 3441201701012525, 3441201801045407, 3441201801080644, 3441201801126148, 3441201901048724, instaurado pelo Serviço de Finanças (SF) de Feira 2, em que figura como executada A., procedeu-se, a 09.05.2017, à penhora do direito de usufruto do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, sob o art.º …, de que a Recorrente é filha da executada.

4. A venda por leilão eletrónico daquele usufruto foi marcada para o dia 31 de julho de 2018, através de despacho do Chefe de Finanças de Feira 2, datado de 2018/06/08.

5. Devido à inexistência de propostas procedeu-se a nova marcação, para o dia 2018/09/20, por despacho datado de 2018/08/17.

6. Perante nova ausência de propostas, marcou-se a venda para 2018/10/22, por despacho de 2018/10/02.

7. O usufruto foi adjudicado ao contrainteressado B. em 2018/11/06.

8. A executada A. é notificada da data designada para a venda do usufruto (como se referiu em 6. aprazada para dia 22.10.2018), no próprio dia da venda, ou seja, a 22.10.2018, na sequência da remessa de uma segunda notificação datada de 18.10.2018 através de carta registada com AR enviada à executada e por esta recebida e assinada em 22.10.2018.

9. A executada A. não foi notificada da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto ao contrainteressado B..

10. Também os filhos da executada (ora recorrente) não foram notificados da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto ao contrainteressado.

11. Tal situação é inconstitucional por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP e do direito quer da recorrente/executada quer dos seus familiares do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pois tais notificações, se tivessem existido, consubstanciariam a última oportunidade dos familiares da executada exercerem o direito de remição que lhes assiste, pelo que, tendo sido as mesmas omitidas, é o mesmo que negar-lhes um direito - o direito de remição - que lhe é reconhecido pela lei, o que consubstancia numa violação da Constituição.

12. Invoca a recorrente que as normas constantes nos artigos 252.º e 257.º do CPPT devem ser interpretadas no sentido de que na venda de bem penhorado em processo de execução fiscal é obrigatória a notificação dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que vem a ser aceite, do dia e hora marcados para a efetivação da venda sob pena de inconstitucionalidade, por força do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.

13. Na verdade, uma interpretação segundo a qual cabe ao executado e aos seus familiares o dever de se inteirar do respetivo processo e da tramitação levada a efeito respeitante à concretização da venda deriva na inconstitucionalidade das normas dos artigos 252.º e 257.º do CPPT, porque cria no executado e seus familiares, titulares do direito de remição, o ónus desproporcionado ao direito e como tal numa violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada A. e dos seus familiares, aqui incluindo a requerente, nomeadamente o direito ao acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo justo e equitativo, nos termos do disposto nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.º 2 da CRP, resultando na violação do direito da manutenção do património no seio familiar.

Se não, vejamos:

14. Nos termos do artigo 258.º do CPPT, o direito de remição é reconhecido nos termos previstos no Código de Processo Civil.

15. Assim, por força do artigo 842.º do CPC, o direito de remição era reconhecido aos descendentes da executada, os quais podiam remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tivesse sido feita a adjudicação ou a venda.

16. O direito de remição ora em causa "consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a facilidade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução" (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, reimpressão, Coimbra, 1982, p. 476).

17. Embora na sua atuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, "os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam".

18. Quanto à diversidade de fundamento, "ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial", sendo a razão da titularidade o condomínio ou o desdobramento da propriedade, já "o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)".

19. Quanto à diversidade de fim, enquanto "o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a com propriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita", já "o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas" (José Alberto dos Reis, obra citada, pp. 477-478).

20. A proteção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é objetivo da consagração do direito de remição unanimemente reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina.

21. Como refere José Alberto dos Reis (obra citada, pp. 488-489): "Com a atribuição deste direito não se prejudicam os credores, pois que a estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha. O que aos credores interessa é o preço por que os bens são vendidos; ora os remidores hão-de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor. Desta maneira, o direito de remição representa uma homenagem prestada à família do devedor".

22. Homenagem justa, porque evita a desagregação do património familiar; homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores".

23. Este direito de remição apenas pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens...

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