Acórdão nº 797/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução17 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 797/2022

Processo n.º 477/2022

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A. e Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS), foi interposto recurso obrigatório, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, 75.º, n.º 1 e 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do despacho daquele Tribunal, de 16 de fevereiro de 2022.

2. O aqui recorrido pessoa singular, na qualidade de executado em processo executivo instaurado pelo recorrido IGFSS e que corre termos na secção de processo executivo de Vila Real, deduziu oposição à execução. Os autos foram remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, para apreciação de tal incidente.

Por decisão datada de 17 de janeiro de 2022, esse Tribunal declarou-se territorialmente incompetente para a causa, tendo julgado competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela foi proferido o despacho ora recorrido, pelo qual, após recusar a aplicação da norma dos artigos 3.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 09 de fevereiro, na redação dada pelo artigo 415.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, em conjugação com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 09 de fevereiro, interpretados como uma alteração da competência territorial de um tribunal administrativo e fiscal, com fundamento na sua inconstitucionalidade, esse Tribunal se declarou territorialmente incompetente para a causa, tendo julgado competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ou seja, precisamente o mesmo que, por seu turno, primitivamente se tinha julgado territorialmente incompetente.

3. Perante esta decisão, o Ministério Público junto do Tribunal a quo veio apresentar requerimento de interposição de recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional (fls. 56), que foi admitido por despacho de 29 de março de 2022. Nesta sequência, subidos os autos e verificando-se que se encontravam preenchidos os pressupostos processuais, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações.

4. O Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou então alegações, postulando pelo não conhecimento do objeto do recurso ou, em alternativa, pela procedência do recurso interposto, concluindo, em suma, nos seguintes termos:

“1. O M.mo Juiz a quo fundamenta o seu despacho recorrido (de 16-02-2022), na perspetiva de considerar haver “conflito” de competência territorial entre tribunais tributários de 1.ª instância – concretamente em relação ao TAF de Sintra, que, por despacho de 17-01-2022, se havia considerado territorialmente incompetente para conhecer da oposição à execução apresentada pelo contribuinte –, delimitando o thema decidendum por remissão para a interpretação normativa supra apontada.

2. Tal interpretação é conclusivamente formulada no despacho recorrido, no sentido em que «(…) o n.º 3 do artigo 3.º-A, do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 09/02, na redacção dada pelo art.º 415.º da Lei n.º 2/2020, de 31/03, em conjugação com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 09/02, interpretados como uma alteração da competência territorial de um tribunal administrativo e fiscal, designadamente do TAF de Mirandela, são inconstitucionais porque violam o disposto nos art.º 32.º, n.º 9 e art.º 112.º da CRP».

3. Assim colocado o problema, o mesmo suscita, a nosso ver, uma questão prévia, aliás já abordada pela douta Decisão Sumária n.º 404/22 deste Tribunal Constitucional.

4. Conforme se escreve nesta Decisão Sumária n.º 404/22 deste Tribunal, «Como resulta dos autos, a declaração de incompetência decidida pelo Tribunal Tributário de Lisboa residiu na aplicabilidade ao caso da norma do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, de onde resulta que a competência para decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e a verificação de créditos e as reclamações dos atos materialmente administrativos praticados pelos órgãos de execução, compete ao tribunal tributário de 1.ª instância da área onde corre a execução. Ora, dado que, nos termos do artigo 3.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, na redação dada pelo artigo 415.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, em conjugação com a Deliberação n.º 793/2020, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P., publicada no Diário da República n.º 152/2020, Série II de 2020-08-06, páginas 92 a 94, a execução em causa corria os seus termos na secção de processo executivo de Bragança, o Tribunal Tributário de Lisboa concluiu que a competência territorial para a causa não era sua, mas sim do tribunal tributário de 1.ª instância da área onde corre a execução, ou seja, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

Tendo tal decisão transitado em julgado, foram os autos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Este tribunal decidiu então apreciar a sua competência territorial. Foi na decisão em que o fez – a decisão ora recorrida – que veio a recusar a aplicação das normas aplicadas pelo Tribunal Tributário de Lisboa para excecionar a sua competência, com fundamento na violação dos artigos 32.º, n.º 9 e 112.º, ambos da Constituição. E embora a decisão recorrida não seja inteiramente explícita sobre a questão, afigura-se que o raciocínio implicado pela recusa de aplicação seja o de que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 3.º-A do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, a secção de processo executivo territorialmente competente para tramitar a execução seria a da residência da executada – in casu, Lisboa – e assim, por via do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, o tribunal territorialmente competente para julgar a oposição seria o da área onde corre a execução que, no caso, passaria a ser Lisboa. Ou seja, a norma cuja aplicação o Tribunal a quo recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, não foi propriamente a norma que estabelece o critério de determinação da sua competência territorial – a norma do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, que o estabelece por conexão e de forma invariante: competente será o tribunal da área onde corre a execução –, mas sim uma das normas que definem a competência territorial da entidade administrativa para a tramitação da execução e da qual resulta a definição do concreto tribunal territorialmente competente para os incidentes declarativos, por via da subsequente aplicação da norma do artigo 5.º, n.º 1.

5. Ora, independentemente das questões que este último aspeto pode convocar, afigura-se que, quando recebeu o processo provindo do Tribunal Tributário de Lisboa, não estava já na disponibilidade do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela recusar a sua competência territorial, designadamente devolvendo-a ao primeiro, pois essa primeira decisão havia resolvido definitivamente a questão da competência territorial.

Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a infração das regras de competência territorial determina a incompetência relativa do tribunal ou serviço periférico local ou regional onde correr o processo, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do mesmo diploma, a decisão judicial de incompetência implica a remessa oficiosa do processo, por via eletrónica, ao tribunal tributário ou administrativo competente, no prazo de 48 horas.

A incompetência em função do território é uma incompetência relativa, agora de conhecimento oficioso. Nos termos do artigo 105.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a decisão transitada em julgado sobre a competência do tribunal em razão do território resolve definitivamente esta questão, ainda que ela tenha sido suscitada oficiosamente. Não há, pois, lugar a conflito negativo de competência em razão do território, valendo, a este respeito, a norma do artigo 625.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, da qual decorre que, havendo duas decisões inconciliáveis sobre a mesma concreta questão atinente à relação processual, aplica-se a que primeiro tiver transitado em julgado.

Nestas circunstâncias, revela-se inútil a apreciação da questão de constitucionalidade colocada nos autos. De facto, qualquer decisão que viesse a ser tomada por este Tribunal, no âmbito do presente recurso, seria insuscetível de se repercutir no processo. Se este Tribunal viesse a conceder provimento ao recurso, ou seja, a julgar não inconstitucionais as normas que constituem o seu objeto, o Tribunal a quo teria de reformar a sua decisão e aceitar a sua competência territorial, pois só a excecionou em virtude da desaplicação. Caso este Tribunal viesse a negar provimento ao recurso, ou seja, a julgar inconstitucionais as normas que constituem o seu objeto, a decisão ora recorrida manter-se-ia, mas sempre seria preterida pela decisão de 20 de dezembro de 2021 do Tribunal Tributário de Lisboa, por força do disposto nos artigos 105.º, n.º 2 e 625.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil

5. Assim, e como vem decidindo o Tribunal Constitucional, dado que um eventual juízo de não inconstitucionalidade das normas em causa não se repercutiria sobre o desfecho do litígio, é de concluir pela inutilidade do recurso de constitucionalidade, o que implica o não conhecimento do respetivo objeto, entendimento este que é válido mesmo nos casos de...

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