Acórdão nº 281/14.2BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO G …………………. PORTUGAL, LDA., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ……………………….210, apresentada contra os atos de autoliquidação de Imposto do Selo (IS) referentes aos meses de fevereiro de 2011 a dezembro de 2012, no valor de € 463.358,37.

Finalizou as respectivas alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo: «1.ª A sentença recorrida padece de nulidade prevista no nº1 do artigo 125º do CPPT, qual seja a oposição entre os fundamentos de facto dados por provados e a decisão, porquanto o julgamento de facto, num processo lógico, conduziria à qualificação como depósitos das transferências de excedentes de tesouraria efetuadas nos anos de 2011 e 2012, ao abrigo do contrato de centralização de tesouraria celebrado entre a ora Recorrente e a E…-2, sobre as quais se discute a incidência ou não de Imposto do Selo, tendo a sentença decidido qualificá-los como mútuos; 2.ª Com efeito, resulta do probatório da sentença que no âmbito do contrato em apreço “(…) os excedentes de tesouraria da 1.ª [a Recorrente] são canalisados para a 2.ª [a E....-2], através do seu depósito e transferência entre contas bancárias tituladas pelas partes, (…), mediante procuração passada para o efeito pela Impugnante (…)”; 3.ª Saliente-se, desde logo, que o próprio contrato de centralização de tesouraria estabelece os conceitos nele empregues, determinando que “(…) depósito significa uma transação inter-societária entre a aderente e a E…-2 pela qual a aderente disponibiliza a liquidez à E…-2 (…)” (cf. doc. n.º5 da reclamação graciosa, sublinhado nosso); 4.ª Consta ainda do probatório da sentença recorrida que ao abrigo do contrato em questão foram contratadas “(…) operações (…) de curto prazo (…)”, estipulando a cláusula 8.2 daquele contrato que “A menos que a aderente notifique a E....-2 de que uma transferência de excesso de liquidez deve ter uma qualificação diferente, essa transferência será considerada um depósito de curto prazo (…)” (cf. doc. n.º 5 da reclamação graciosa, sublinhado nosso); 5.ª Resulta, pois, evidente que as operações de transferência dos excedentes de tesouraria em crise nos autos, se tratam de depósitos; 6.ª Ora, a oneração em Selo da entidade alemã Adam …………….. só ocorreria se aquela contraísse e utilizasse um crédito em Portugal e a existência de tal facto tributário não consta em nenhum ponto do probatório; 7.ª Pese embora as transferências/operações de tesouraria descritas se rejam pela lei alemã, também à luz dos conceitos de Direito português tais operações configuram depósitos, uma vez que a Adam …………… não tem um direito a dispor de determinado montante como sucederia num crédito.

8.ª Sucede outrossim que a Recorrente tem a faculdade (e não a obrigação) de transferir fundos, dependendo o “se” e o “quantum” do seu livre arbítrio, bem como a restituição dos fundos a todo o tempo, tal como decorre da alínea C) do probatório; 9.ª Assim, resulta da alínea C) da factualidade dada como provada que a Recorrente efetuou vários depósitos junto da Adam ………….. e não ficou de modo algum provado que aquela última tivesse contraído e utilizado um crédito; 10.ª Sucede que, incompreensivelmente e em clara oposição com os fundamentos de facto da sentença, acima enunciados, o Tribunal a quo decidiu que as operações de transferências entre a conta da aderente e a conta da entidade centralizadora têm a natureza de “empréstimos”; 11.ª Em face de todo o exposto resulta, assim, evidente que os fundamentos constantes da decisão conduzem, necessariamente, a um julgamento de direito oposto ao adotado pela sentença recorrida, o que consubstancia nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 125.º do CPC; 12.ª Caso se entenda que não se verifica aquela oposição, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre haverá, no limite, obscuridade entre aqueles fundamentos e a decisão, que a tornam ininteligível, o que igualmente é causa de nulidade da sentença, por termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT; 13.ª Assim não se entendendo, o que apenas por cautela de patrocínio se equaciona, acresce que sempre padecerá a sentença recorrida de erro de julgamento na subsunção dos factos à norma de incidência, qual seja, a verba 17.1 da Tabela Anexa ao Código do Imposto do Selo; 14.ª De acordo com o julgamento vertido na sentença recorrida as operações em causa subsumem-se à referida verba, ou seja, o Tribunal a quo responde positivamente à questão de saber se, em concreto, tais operações consubstanciam uma operação de concessão de crédito em favor do devedor, donde resulta um o errado julgamento na subsunção dos factos à norma de incidência; 15.ª De facto, atentas as características acima referidas das transferências de excedentes de tesouraria efetuadas nos anos de 2011 e 2012, ao abrigo do contrato de centralização de tesouraria celebrado entre a ora Recorrente e a E....-2, sobre as quais se discute a incidência ou não de Imposto do Selo, dadas por provadas na sentença recorrida, só poderia o Tribunal a quo ter decidido pela qualificação daquelas como contrato de depósito e nunca como um mútuo; 16.ª A qualificação das transferências de fundos em apreço como depósitos resulta, desde logo, do próprio contrato de centralização de tesouraria que assim as caracteriza e que estabelece ainda uma presunção de que toda a transferência de excesso de liquidez se considera um depósito a curto prazo, a menos que a aderente notifique a E....-2 que aquela deve ter uma qualificação diferente (cf. cláusula 8.2 do contrato); 17.ª Também à luz dos conceitos de Direito português, e tendo presentes os artigos 1185.º, 1194º, 1205º e 1206º, do Código Civil acima citados e para onde se remete, em face das características das operações em apreço julgadas provadas, só poderia o Tribunal a quo ter qualificado aquelas operações como depósitos, mais concretamente como depósitos irregulares, e nunca como mútuos; 18.ª De facto, verifica-se que a ora Recorrente entrega à E....-2 quantias em dinheiro, respeitantes aos seus excessos de tesouraria, isto é, coisas fungíveis, devendo a última restituir à primeira dinheiro em igual quantia, tal como acontece nos depósitos irregulares (cf. artigos 1185º e 1205º, do Código Civil; 19.ª Por outro lado, afirma-se na sentença recorrida que os excedentes de tesouraria transferidos para a E....-2, consistindo em “(…) operações contratadas de curto prazo (…)”, são “(…) imediatamente exigíveis pelas entidades concedentes (…)”, o que evidencia que apesar de se estipular um prazo para o depósito, o qual é de duas semanas, nos termos do contrato (cf. cláusula 5.1, (a), do contrato, que constitui o doc. n.º 5, da reclamação graciosa), a Recorrente pode, a qualquer momento antes do termo do prazo, solicitar a restituição das quantias depositadas; 20.ª Conclui-se, pois, o prazo dos depósitos é estabelecido a favor do depositante, como é característico dos depósitos (cf. artigo 1194º do Código Civil); 21.ª Refira-se ainda que a doutrina tem estabelecido a distinção entre o mútuo e o depósito irregular a partir do critério do fim principal do contrato, ou seja, dos interesses prosseguidos pelas partes; 22.ª Assim, se a entrega do objeto é efetuada no interesse do tradens, isto é, com vista à sua guarda, ainda que acessoriamente a lei atribua ao accipiens poderes de disposição, o contrato constituirá depósito irregular, se é realizada no interesse do accipiens, com o principal intuito de que este se sirva dela, o contrato será um mútuo; 23.ª Entende-se ainda na doutrina que no depósito irregular, é o depositante quem vai entregar o dinheiro ao depositário, sem este o haver solicitado, nem dele carecer, sem prévia fixação do seu montante, enquanto no mútuo, é o mutuário quem procura o mutuante e a este solicita o empréstimo duma quantia por aquele fixada, porque desta carece; 24.ª Ora, resulta evidenciado no probatório da sentença que, no caso vertente, a iniciativa da disponibilização dos excedentes de tesouraria pertence à Recorrente e a mesma pode igualmente, a todo o momento, exigir as quantias entregues à E....-2, pelo que se conclui que o interesse predominante no negócio é o da primeira entidade e não o da utilização dos fundos por parte da E....-2; 25.ª Com efeito, a aplicação dos excedentes não depende, no presente caso, das necessidades de financiamento da E....-2 nem da sua solicitação, mas do interesse de gestão de tesouraria da Recorrente, com vista à rendibilidade do seu capital; 26.ª Deste modo, à luz do critério distintivo entre o depósito irregular e o mútuo estabelecido pela doutrina, qual seja o fim preponderante do contrato ser em benefício do tradens ou do accipiens, as transferências de fundos em apreço só podem qualificar-se como depósitos e, não, como erradamente julgou a sentença, como mútuos; 27.ª De facto, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, porquanto o fim principal do contrato não é, ao contrário do que se decidiu na sentença, a disponibilidade dos montantes pela E....-2, mas sim a guarda das quantias depositadas pela Recorrente, para que as aplique, em conjunto com os excedentes de outras entidades do Grupo, e obtenha uma melhor rentabilidade, do que aquela que a Recorrente lograria obter se ela própria investisse aquelas quantias, restituindo-lhas, não in natura, mas em igual quantidade, logo que esta lhos solicite; 28.ª Por estes motivos só poderia concluir-se na sentença recorrida que as aplicações dos excedentes configuram um depósito, sobre o qual não incide Imposto do Selo, porquanto não compreendido na verba 17.1 da TGIS, e nunca um mútuo...

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