Acórdão nº 1796/20.9T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFLORBELA SEBASTI
Data da Resolução07 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos pelo Juiz 4 do Juízo Local Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o nº 1796/20.9T9GMR, foi proferida decisão em 13-01-2022, com a refª 176938932, da qual ora se recorre, rejeitando a Acusação Particular apresentada pelo Assistente D. T.

nos seguintes termos: “I - O tribunal é competente.

O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal.

Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

O assistente deduziu acusação contra J. T., T. T. e F. T., imputando-lhe a prática de factos que entende serem susceptíveis de integrar um crime de difamação (quanto aos dois primeiros arguidos) e um crime de injúria p. e p. pelos art.º 181º do C.P (quanto ao segundo).

O MºPº, não acompanhou a acusação particular.

Nos termos do disposto no art.º 311º, n.º 2, al. a) do C.P.P., se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.

Para efeitos do disposto naquele preceito, considera-se a acusação manifestamente infundada se os factos nela descritos não constituírem crime (art.º 311º, n.º 3, al. d) do C.P.P.).

Isto posto, vejamos quais os factos cuja prática é imputada ao arguido. Na acusação de fls. 195 e ss., no que agora interessa, os arguidos J. T. e T. T. são acusados de ter proferido as expressões ali constantes, nomeadamente o primeiro: “quando lhe chamei ladrão…disse-lhe que ladrão seria ele por não pagar a parte ao meu pai”; e o segundo: por dizer que o assistente não pagou as facturas ao avô.

Já o terceiro arguido pelos dizeres que constam numa carta, e reproduzido a fls. 197 e 198.

Estes são os factos que a assistente entende serem suficientes para integrar a prática do ilícito criminal que imputa ao arguido.

Cumpre apreciar: Nos termos do disposto no art.º 181º, n.º 1 do C.P., é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias quem injuriar outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração.

E nos termos do disposto no art.º 180º, do C.P., “1- Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.” A questão que aqui se nos coloca é a de saber se as afirmações, alegadamente, produzidas pelos arguidos, de acordo com o que vem descrito na acusação, é suficiente para fundamentar a prática de um crime de injúria e/ou difamação.

O bem jurídico que a norma em questão visa tutelar é a honra ou a consideração.

Na definição dada pelo Prof. Beleza dos Santos ( in R.L.J., Ano 92º, Pág. 167 – Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria ) honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si e pelo que vale, sendo a consideração aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou desprezo públicos.

Ora, da matéria de facto descrita na acusação particular, não cremos que resulte ofendido qualquer destes bens jurídicos, não assumindo, a nosso ver, gravidade suficiente, susceptível de criar uma ofensa.

O direito penal (última ratio) não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas ou nas quais sejam visados. Antes pretende punir factos que sejam objectivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos.

A vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por todos sentidas, sem que isso seja, todavia, bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais. Como bem explanou Beleza dos Santos «nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (...).” V. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92°, pág. 167. (sublinhado nosso) Como se defendeu no Ac. TRG nº 1467/04-1, de 25-10-2004, in www.dgsi.pt “I – Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública – cfr. ac. da Rel. de Lisboa de 6.2.96, CJ i, 156.

II – No entanto, vem-se entendendo, unanimemente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts 180° e 181° do Código Penal, tudo dependendo da «intensidade» da ofensa ou perigo de ofensa (uma vez que os crimes de difamação e de injúria são crimes de perigo) (…) IV – Com efeito, aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não pode considerar difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena – ob. cit. págs. 165 e 166.

V – Aliás, nesta linha, decidiu o Ac. da Rel. de Évora, de 02/07/96, onde se escreveu: «Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético-necessário à salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração” cfr, CJ96, IV, 295.” (sublinhado nosso) Importa distinguir o essencial do acessório, distinguir o crime do aborrecimento, distinguir o que é grave do que não tem importância suficiente para fundamentar a condenação pela prática de uma infracção criminal, ainda que tenha alguma carga pejorativa, o que pode configurar uma grosseria sem dignidade penal Tendo presentes as definições de honra e consideração a que atrás fizemos referência, cremos que a afirmação dirigida à assistente não é suficiente para a abalar moralmente, reduzindo a sua auto-estima, nem a faz ser alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, pelo que não se encontra preenchida, objectivamente, a previsão do art.º 181º, n.º 1 do C.P..

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, estabelece no seu art.º 10° “Liberdade de expressão”, que “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras.” Como se defendeu no Ac. TRG., nº 566/16.3CHV.G1, de 05.03.2018, in www.dgsi.pt “I - O direito fundamental ao bom nome e reputação de qualquer pessoa tem de ser compatibilizado com o também direito fundamental da liberdade de expressão e informação, o qual tem como manifestação o direito de divulgar a sua opinião e exercer o direito de crítica. II - Uma vez que o exercício deste direito pode entrar em conflito com bens jurídicos pessoais, como a honra e a consideração, importa que as expressões utilizadas se circunscrevam ao sentido próprio da crítica, não atingindo o nível da ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional a um normal exercício do direito de expressar a opinião, cabendo aos tribunais judiciais o controlo da crítica excessiva, arbitrária, gratuita ou desproporcionada, na medida em que seja ofensiva do bom nome e da reputação da pessoa. III - O eventual conflito entre esses dois direitos terá de ser resolvido por ponderação dos respetivos interesses, fazendo intervir critérios como o da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, salvaguardando, porém, o núcleo (alcance e conteúdo) essencial dos preceitos constitucionais em jogo, que ocupam igual peso na hierarquia dos valores constitucionalmente protegidos. IV - No conflito entre o direito à honra e a liberdade de expressão tem vindo a verificar-se um ponto de viragem, tendo por base e fundamento o relevo, a dignidade e a dimensão da liberdade de expressão considerada numa dupla dimensão, concretamente como direito fundamental individual e como princípio conformador e essencial à manutenção e aprofundamento do Estado de Direito democrático, reconhecendo-se que o exercício do direito de expressão, designadamente enquanto direito de informar, de opinião e de crítica, constitui o próprio fundamento do sistema democrático, o que justifica a assunção de uma nova perspetiva na resolução do conflito. V - No caso concreto, a publicação feita pela arguida, na respetiva página pessoal do facebook, de uma fotografia sua, tirada à frente do estabelecimento comercial de pronto a vestir denominado “Boutique X”, em que é visível esta denominação, acompanhada dos dizeres “Não aconselho muito estas X”, pelo teor abstrato, ambíguo e indefinido desta afirmação, não é objetivamente ofensiva da honra e da consideração devidas ao assistente, enquanto pessoa individual e proprietário do referido estabelecimento, por não ser...

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