Acórdão nº 801/21.6T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório A. L., casado, residente na Rua ..., n.º …, freguesia de ..., do concelho de Fafe intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua …, …, Porto, pedindo que seja a Ré condenada: a) a pagar ao Autor a quantia de €4.944,60, acrescida dos juros à taxa legal de 4% ao ano contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; b) a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €2.500,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo pagamento.

Alega para tanto e em síntese que é “dono e legítimo possuidor” de um prédio urbano, casa de habitação, sito na Rua ..., n.º .., freguesia de ..., do concelho de Fafe.

Que celebrou com a Ré um contrato de seguro do ramo riscos múltiplos habitação titulado pela apólice n.º .........32, tendo por objeto garantir o pagamento das indemnizações devidas por responsabilidade civil resultante de acidentes ocorridos sobre a referida casa de habitação, em particular na cobertura de tempestades, pagando o respetivo prémio.

Mais alega que em meados de janeiro de 2021, a partir, sobretudo, do dia 20 deste mês, devido às fortes chuvas e ventos que se fizeram sentir, o Autor verificou que aquela tempestade levantou os cumes do telhado e telhas da casa, alguma das quais até foram projetadas para o solo.

Uma vez que chovia torrencialmente e não havia qualquer possibilidade de proteção, a água da chuva entrou e infiltrou-se nas divisões da casa, designadamente quartos, sala, cozinha, casas de banho, despensa, inundando os tetos, paredes e chão.

Alega ainda que para reparação dos danos provocados na casa foi necessário proceder a obras urgentes, no valor de €2.770, mais IVA, tendo ainda o Autor de despender a quantia de €1.250 para reparação e pintura das paredes e tetos no interior da habitação, quantia à qual acresce IVA à taxa legal em vigor.

Mais diz ter ficado desgostoso e triste com os danos no imóvel, para além das obras de reparação terem provocado transtornos, chatices e incómodos ao Autor e seu agregado familiar, o que o leva a peticionar a quantia de €2.500 a título de danos não patrimoniais.

Regularmente citada a Ré veio contestar confirmando a celebração do contrato de seguro, mas refutando a versão dos factos do Autor.

Afirma que, na sequência da participação do sinistro, enviou ao local um perito, que verificou os danos no telhado, teto e paredes das divisões da moradia, vindo a concluir, terminada a peritagem, que o sinistro não tinha enquadramento nas garantias contratuais acordadas.

Reproduz a definição de “tempestades” e “inundações” para efeitos do contrato de seguro celebrado com o Autor, sustentando que este não fez prova dos pressupostos das aludidas coberturas, porquanto à data e no local dos factos verificou-se a ocorrência de vento moderado (15 a 35km/h) do quadrante oeste, “tornando-se fraco a moderado (

Impugna ainda os valores pedidos pelo Autor, dizendo que este não junta qualquer fatura da alegada reparação.

Quanto aos danos não patrimoniais, contrapõe que o seguro não prevê qualquer compensação a esse título e que, de todo o modo, o Autor não teria direito a tal valor, que entende exagerado e desproporcionado.

O Autor veio exercer o contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela Ré, afiançando que esta nunca lhe comunicou os pressupostos descritos no artigo 16.º e 17.º da contestação, nem previamente, nem posteriormente à celebração do contrato de seguro.

No seu entender, sendo um consumidor, devem ser consideradas excluídas da relação material controvertida, por omissão de comunicação e informação, as normas constantes das condições especiais da apólice, na parte referente a Tempestades e Inundações.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho saneador, o qual, nos termos do artigo 597.º do Código de Processo Civil (de ora em diante designado apenas por CPC), entendeu desnecessária a fixação dos temas da prova e objeto do litígio, tendo igualmente sido designada data para audiência final.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nestes termos e pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e em consequência:

  1. Condena-se a Ré X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a indemnizar o Autor A. L. pelos danos referidos nos pontos 7 a 10, 14 e 15 da factualidade provada, cujo quantitativo deverá ser apurado em incidente de liquidação, até ao limite do valor peticionado na presente ação, de €4.944,60 (artigos 358.º a 361.º e 609.º, n.º 2, do CPC), acrescido de juros, à taxa legal em vigor para as operações civis, contados desde a data da liquidação até efetivo e integral pagamento; b) Absolve-se a Ré do demais peticionado pelo A.

    Custas na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 65% para a Ré e 35% para o A. (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC); Registe e notifique.” Inconformada, apelou a Ré da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. O Tribunal a quo considerou que se encontravam preenchidos os pressupostos para a responsabilização da recorrente no quadro das coberturas contratuais “tempestades” e “inundações”, tendo proferido Sentença que julgou a ação parcialmente procedente nos seguintes termos: 2. O Tribunal a quo fez na Sentença uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis e incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação e valoração da prova produzida e carreada, o que, se assim não fosse, imporia a prolação de sentença que julgasse a ação totalmente improcedente, pelo que a Sentença não se poderá manter quer ao nível da decisão proferida acerca da matéria de facto quer ao nível da decisão proferida acerca da matéria de Direito.

    DA DECISÃO ACERCA DA MATÉRIA DE DIREITO 3. Não obstante a pronúncia de Direito (exclusão e nulidade) do Tribunal a quo quanto ao teor das cláusulas do Contrato definidoras de tempestades” e “inundações” para estes efeitos, entende a recorrente que, in casu, a factualidade verificada não permite, de todo o modo, o seu enquadramento no Contrato, ao abrigo destas coberturas.

    1. “Fortes chuvas e ventos” (cfr. art. 4º da Petição Inicial) não são reconduzem e/ou são inequivocamente o mesmo que tempestades e inundações, sendo que um declaratário normal - como sucede com o recorrido – não faz univocamente corresponder “fortes chuvas e ventos” a tempestades e inundações.

    2. Leigamente, as tempestades e inundações são eventos meteorológicos adversos, que podendo também envolver chuva e vento, são anómalos, súbitos, não previstos, e mais intensos e violentos.

    3. É facto notório que o IPMA e as Autoridades de Proteção Civil distinguem claramente entre uma mera situação de “fortes ventos e chuva” de tempestades e inundações, distinção esta que é a que perpassa para a comunicação social e para a população em geral.

    4. Quando se está perante uma tempestade, estas entidades autonomizam e empregam efetivamente o termo tempestade junto da população e comunidade civil e inclusive emitem avisos e eventuais alertas.

    5. Neste caso, não sucedeu nada disso, não tendo o IPMA atestado a verificação de qualquer tempestade nem constatado nenhuma situação de risco e emitido quaisquer avisos e/ou alertas para o local e tempo em questão.

    6. Situações de “fortes chuvas e ventos”, ainda que com intensidade variável e em certos momentos mais forte, verificam-se esporadicamente e são normais no Inverno e extrapolam, claro está, situações de tempestades e inundações, sendo menos intensas.

    7. A consideração de “fortes ventos e chuvas” como tempestades e inundações – se, de acordo com a Sentença, não pode ser acervada no Contrato - tem de, em todo o caso, ser apoiada em critérios objetivos e técnicos.

    8. De outro modo, a verificação de “tempestades” passa a ficar reduzida a considerações e perceções relativas e subjetivas e conformes a opiniões – o que não pode ser admissível de um ponto de vista de certeza e segurança jurídicas.

    9. Neste caso, não se pode considerar ter-se estado em face de uma tempestade pelo simples facto de a palavra “tempestade” ter sido utilizada no discurso dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrido ou por os mesmos assim terem classificados o vento e chuva – depoimentos esses que melhor se infra apreciarão criticamente.

    10. Conforme, aliás, refere a Sentença recorrida (cfr. pág. 17), basta a mera consulta do site do IPMA para verificar a classificação técnica da intensidade do vento e chuva.

    11. As “fortes chuvas e ventos” verificadas in casu ficam aquém da intensidade dos ventos e chuvas constatados em tempestades e inundações (e isto atendendo ao território Português), não sendo situações adversas.

    12. Isto mesmo foi confirmado pelo depoimento da testemunha J. M., professor universitário e Presidente do Conselho Diretivo do …, com conhecimento na matéria, que auxiliou o Tribunal a interpretar a certidão do IPMA constante dos autos (Ref.ª citius n.º 12881433) e confirmou o seu teor (indicando-se e transcrevendo-se acima nas alegações as passagens da gravação).

    13. O depoimento da testemunha J. M. foi pautado por total imparcialidade, assertividade, segurança e conhecimento científico, merecendo, pois, total e inteira credibilidade para efeitos de integral valoração probatória positiva do mesmo.

    14. Atente-se, por outro lado, que na factualidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/1/2021, Proc. n.º 296/19.4YRPRT.S1, Relatora Maria Clara Sottomayor, referenciado pela Sentença recorrida, estavam em causa ventos na ordem dos 83,2 km/h – portanto, estavam aí em causa ventos com intensidade muito superior à verificada no presente caso.

    15. O facto de o vento e chuva ocorridos poderem ter levantado algumas telhas do telhado do recorrido (e, consequentemente, as arrastado e partido) não permite caraterizar o vento e chuva...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT