Acórdão nº 3147/19.6T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFELIZARDO PAIVA
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação 3147/19.6T8VIS.C1 Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Azevedo Mendes.

***** Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra I – AA, residente na Quinta ..., Lote ..., ..., instaurou a presente acção com processo comum contra: F..., SA com sede no Parque Industrial ..., Lote ..., ... pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de €458.723,26, compreendendo as seguintes verbas:

  1. A formação profissional não proporcionada, no valor de €8.099,00; b) A retribuição das férias não gozadas, no valor de €27.891,34; c) A compensação por violação do direito a férias, no montante de €46.485,57; d) A retribuição pela primeira hora de trabalho suplementar nos dias úteis trabalhados nos cinco anos antes da cessação do contrato de trabalho, no montante de €40.322,03; e) A retribuição pelas quatro horas suplementares subsequentes à primeira nos dias úteis trabalhados nos cinco anos antes da cessação do contrato de trabalho, no montante de €169.188,11; f) O trabalho suplementar prestado aos sábados, no montante, nos cinco anos antes da cessação do contrato de trabalho, de €49.797,28; g) Os descansos compensatórios não gozados, no montante de €41.385,89; h) Os danos morais, no valor de €40.000,00; i) Os juros à taxa legal sobre todas as importâncias reclamadas, desde o seu vencimento (tratando-se de obrigações com prazo certo) ou desde a citação (as restantes), acrescendo os juros vincendos até integral pagamento, sendo que se encontram vencidos os juros no montante de €35.854,04, requerendo-se a notificação da ré para proceder ao pagamento imediato dos juros já vencidos sob pena de capitalização.

    Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada que trabalhou para a Ré, sob a sua direcção e fiscalização desde 01 de Maio de 2001 até 15 de Agosto de 2018, exercendo as funções de vendedor, embora estivesse classificado como chefe de secção, sendo que no exercício das suas funções deslocava-se a vários países. O dia de descanso semanal acordado era o domingo e do descanso complementar o sábado, sendo que o Autor cumpria, em geral e com frequência quase diária, em Portugal o horário com entrada às 08h30, almoçava muitas vezes com clientes entre as 13h00 e as 14h00 e terminava a jornada de trabalho entre as 21h00 e as 22h00 de segunda a sexta feira e pelo menos metade dos sábados, sendo que a maior parte do trabalho era realizado por email ou por telefone. O Autor recebia ao serviço da Ré, mesmo em férias, uma média de 300 emails por dia, dos quais, pelo menos metade exigia uma resposta da sua parte e recebia e fazia pelo menos 50 telefonemas por dia, sendo que nunca concluía a sua jornada de trabalho sem dar resposta a todos os emails que a exigiam. Acresce que, quando estava deslocado no estrangeiro remetia à Ré todos os dias, ao fim da jornada de trabalho, um relatório com as tarefas cumpridas nesse dia e as previstas para o dia seguinte, tendo a Ré conhecimento que o Autor trabalhava nesse regime. Ao serviço da Ré o Autor auferia e retribuição mensal ilíquida de € 4.000,00, acrescida de € 10,52 mensais a título de diuturnidades, nunca tendo recebido retribuição por isenção de horário de trabalho, retribuição de trabalho suplementar ou nocturno e nunca gozou descansos compensatórios do trabalho suplementar prestado. Por outro lado, desde pelo menos 2009 que não lhe é ministrada formação profissional e desde o início da relação laboral nunca gozou integralmente as férias a que tinha direito, nem recebeu qualquer compensação pelas férias não gozadas, pelo que se mostram em dívida pela Ré as quantias peticionadas. Acresce que em consequência do regime de trabalho praticado pelo Autor por imposição da Ré, o mesmo sofreu danos não patrimoniais que devem ser indemnizados pelo montante peticionado.

    + Não se logrando na audiência de partes a composição amigável do litígio, apresentou a ré contestação na qual, tal como consta da sentença recorrida, confirmou a existência do contrato de trabalho, sendo que na vigência do mesmo o Autor violou o seu dever de lealdade e de confidencialidade, o que deu origem a processo crime que se encontra a correr termos contra o Autor. O Autor suspeitando que estava a ser investigado denunciou o contrato por carta entregue em 15-06-2018 a produzir efeitos a partir de 15 de Agosto de 2018, data em que efectivamente cessou a relação laboral, sendo que a Ré lhe pagou todos os créditos vencidos que lhe eram devidos. Com a conduta do Autor, que desviou clientes da Ré para empresa que constituiu com outro sócio, o mesmo causou prejuízos à Ré em montante que poderá ascender a cerca de €855.000,00 cujo ressarcimento a Ré irá peticionar em sede de pedido cível no processo crime a decorrer, pelo que em face de tal situação constituirá um grave abuso reconhecer qualquer crédito ao Autor no âmbito da presente acção. O Autor não agiu de boa fé na vigência da relação laboral, pelo que a pretensão do mesmo na presente acção é nula por violar a lei e ser ofensiva dos bons costumes, actuando o autor em abuso de direito. Alega ainda que o Autor não prestou trabalho suplementar, muito menos a pedido da Ré, sendo que não era necessária a prestação de trabalho extraordinário para o Autor cumprir as funções que desempenhava, pelo que se o mesmo exerceu qualquer função fora do horário de trabalho fê-lo por sua vontade, motivo pelo que nada lhe é devido a esse título, bem como a título de descanso compensatório. No que concerne à formação profissional, alega que existe limitação de reivindicação de cinco anos de formação, mas nenhuma quantia é devida ao Autor a esse título uma vez que o Autor foi várias vezes convocado para formações no local de trabalho, recusando-se o Autor a participar nas mesmas. Por outro lado, o Autor gozou todas as férias a que tinha direito e no fim do contrato foram-lhe pagos todos os créditos relativos a férias vencidas não gozadas. Pugna ainda pela improcedência do pedido de indemnização de danos morais e pede a condenação do Autor como litigante de má fé.

    *** II – Dispensada a audiência prévia prosseguiram os autos a sua tramitação sem fixação do objecto do litígio e sem enunciação dos temas de prova tendo, a final sido proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte: “Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, condena-se a Ré F..., SA a pagar ao Autor AA, a quantia global ilíquida de € 12.048,70 (doze mil e quarenta e oito euros e setenta cêntimos) a título de retribuição de férias não gozadas dos anos de 2009 a 2012 e 2014 a 2016, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das referidas retribuições até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a Ré dos restantes pedidos contra ela formulados pelo Autor.

    Julga-se improcedente o pedido de litigância de má fé do Autor”.

    *** III- Não se conformando com esta decisão dela o autor veio apelar, alegando e concluindo: 1. Ao ter-se provado o conteúdo dos documentos 12 e 14 da contestação, conforme pontos 49 e 56 da matéria de facto provada, deve considerar-se provada a matéria de facto constante dos mesmos; 2. Deve ainda considerar-se provada, face a esses documentos e ao facto constante do ponto 11 dos factos provados, a matéria de facto alegada nos artigos 39 e 40 da petição inicial e 20 da resposta à contestação, que a MM. entendeu não provada; 3. Provando-se que as funções do autor eram sobretudo desempenhadas com recurso ao email e a chamadas telefónicas, terá de se presumir que a utilização destes instrumentos implicava, com essa utilização, prestação de trabalho; 4. A análise daqueles documentos permite concluir que o autor prestou trabalho para além dos seu horário em pelo menos 724 dias entre 2016 e 2018 e, presumivelmente, em igual número de dias nos anos anteriores; 5. Uma vez que a ré, conforme confessado, não dispunha de registo de trabalho suplementar, ou até de trabalho efectivamente prestado, em violação do disposto nos artigos 202.º e 231.º do Código do Trabalho, terá de ser condenada pelo menos no pagamento de duas horas de trabalho suplementar por cada um dos dias em que se mostrou ter o autor trabalhado para além das 18:00, conforme art.º 231.º, 5, do Código do Trabalho; 6. A esse valor terão de ser somados os descansos compensatórios devidos pela prestação de trabalho suplementar em dias de descanso semanal e feriados; 7. Deverá ainda a ré ser condenada a pagar ao autor o crédito por formação profissional que não lhe proporcionou, referente aos anos de 2013 e 2014, uma vez que o prazo de caducidade de três anos por crédito de horas para formação apenas começa a contar após a conversão das horas de formação vencidas e não proporcionadas em crédito de horas para formação, o que apenas se verifica decorridos dois anos sobre o seu vencimento (art.º 132.º, 1 e 6 do Código do Trabalho).

    8. Atento o trabalho suplementar prestado, demonstrativo de que o autor não tinha tempo para uma vida normal fora do trabalho, deverá a ré ser condenada no pagamento da indemnização por danos morais reclamada; 9. Deverá ainda ser a ré condenada nas férias, trabalho suplementar e descansos compensatórios referentes aos anos anteriores a 2016 (entre 2013 e 2015, face à limitação probatória imposta pelo art.º 337.º do Código do Trabalho), deduzidos por presunção judicial a partir dos valores obtidos nos anos seguintes.

    10. Violou a douta sentença recorrida pelo menos as seguintes normas legais: artigos 132.º, 1 e 6, 202.º e 231.º, todos do Código do Trabalho, e 349.º do Código Civil.

    Termos em que deverá ser revogada a douta sentença recorrida, sendo a ré condenada no pagamento ao autor do trabalho suplementar, descansos compensatórios, horas de formação e danos morais, conforme peticionados nos articulados, mesmo que tendo esses créditos de ser previamente liquidados em incidente...

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