Acórdão nº 734/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução03 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 734/2022

Processo n.º 827/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é recorrente A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade de despacho ali proferido no dia 8 de junho de 2020, por não ter este procedido «à notificação da sua pessoa, enquanto parte, da deserção da instância ocorrida em 19/03/2014».

2. O recurso de constitucionalidade apresenta, fundamentalmente, o seguinte conteúdo:

«A., Autor nos autos à margem referenciados e ali melhor identificado, notificado que foi do douto despacho Refs Citius 396789239 proferido pelo douto Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 21 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Proc. n.º 819/09.7THLSB, vem, modesta e respeitosamente,

recorrer para o douto TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

porquanto, por lapso ou por ter outro entendimento, o ora tribunal a quo estar a proceder à má aplicação da Lei Nacional (nos termos e com fundamento no disposto do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional) no que respeita à não aplicação do regime estatuído nos artigos 247º, n.º 2 e 7.º, n.º 1, do NCPC, uma vez que, ainda não procedeu à notificação da sua pessoa, enquanto parte, da deserção da instância ocorrida em 19/03/2014 - apesar do requerimento ora remetido após consulta do processo pela parte,

nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.º

O douto tribunal a quo, não aplicou convenientemente o disposto nos artigos 247º, n.º 2 e 7.º, n.º 1, do NCPC, quando, perante uma alegada deserção de instância, não procedeu à prévia audição da parte, em ordem e no seguimento e entendimento do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, in Proc. 4969/15.2T8LSB.L1-4, datado de 05/07/2018, consultado via www.dgsi.pt "Para se aferir da deserção da instância deve previamente ouvir-se as partes a fim de se avaliar se a falta de impulso processual se ficou a dever a comportamento negligente destas".

2.º

De facto,

o douto tribunal a quo, indeferiu a reclamação apresentada pelo Autor em sede de requerimento pessoal apresentado em 17/12/2018, ora Recorrente, contra o despacho que determinou a deserção dos presentes autos por inércia da anterior patrona oficiosa e, posteriormente, em 20/01/2019, o ora Recorrente apresentou um recurso para o douto Tribunal Constitucional.

No passado dia 16/04/2020, quase um ano depois, por estranhar demora na notificação da decisão (do douto Tribunal Constitucional), o Recorrente contactou a Secretaria Judicial, em ordem a conhecer do ponto de situação destes autos e com enorme estupefação, tomou conhecimento que os autos já se encontram terminados, o que terá ocorrido desde o passado dia 18/06/2019, uma vez que, segundo informação prestada telefonicamente atento os graves constrangimentos verificados pela Pandemia Covid-19 que assola o país, terá sido remetida notificação postal para o (suposto) escritório do signatário sito (supostamente) na Praça ..., na Portela de Sintra e a mesma notificação terá sido devolvida com menção de "NÃO RECLAMADO",

Sucede porém, que essa não era a morada do signatário.

De facto, desde 31/01/2019 que essa morada não consta atribuído ao ora signatário em lado nenhum, e como se pode constatar na aplicação Citius, no douto tribunal a quo, apesar dos alertas do patrono, ainda consta o domicílio profissional do signatário do seu estágio, ou seja, Av. ..., n.º .., ..., em Mem Martins.

3.º

Por outro lado,

desde o passado dia 31/1/2019, que o patrono do Recorrente informou a Ordem dos Advogados que "A alteração em causa foi submetida por V. Exa. no Portal da OA/Área Reservada em 31.01.2019 – 17:03:27 e aceite e averbada pelos nossos serviços em 15.02.2019 - 18:01:55." e idêntica informação foi igualmente prestada ao Portal Citius.

Oficialmente,

desde o passado dia 31/01/2019, que o domicílio profissional do signatário passou a ser na Rua ..., ... - ..., 2635-403 Rio de Mouro, inclusivamente, o requerimento de interposição do recurso e suas alegações, foi impresso e remetido em papel timbrado onde a morada do escritório, não, era, obviamente, a dita sita na Praça ..., na Portela de Sintra e quando chegou ao conhecimento do douto Tribunal Constitucional, já não era esse o seu domicílio profissional, apenas por lapso do Tribunal a quo, que, de forma resiliente, mantêm essa informação ainda, hoje, em vigor!

4.º

Atento o supra narrado,

a decisão de "não conhecimento", proferida pelo Douto Tribunal Constitucional não foi do conhecimento do recorrente, por falta de competente notificação judicial. Salvo melhor opinião ou entendimento, é uma situação anómala, uma notificação postal remetida a um mandatário ser devolvida com a menção "Não reclamado"! E, perante uma situação anómala, desta natureza, teria sido boa prática processual, a secretaria judicial ter indagado com algum cuidado e zelo junto do IGFEJ e da Ordem dos Advogados, principalmente, junto da corporação que pauta, disciplina e mantém atualizados o registo e inscrição dos seus pares, em ordem a confirmar/indagar se a morada que consta da notificação não reclamada é atual, ou não; se o mesmo se encontra ativo, ou não; se o mesmo se encontra vivo ou falecido. A falta de uma competente notificação de decisão judicial, implica, em última análise, a nulidade dessa mesma decisão.

ORA,

5.º

No seguimento e entendimento do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, in Proc. 4969/15.2T8LSB.L1-4, datado de 05/07/2018, consultado via www.dgsi.pt "Para se aferir da deserção da instância deve previamente ouvir-se as partes afim de se avaliar se a falta de impulso processual se ficou a dever a comportamento negligente destas.".

De facto, "As partes deverão ser ouvidas por forma a poderem justificar e ou alegar o que ocorreu em face do decurso de tal prazo e que, não tendo sido realizadas quaisquer diligências nesse sentido, a parte foi confrontada com uma decisão surpresa, tendo-se também violado os comandos legais acerca do principio da cooperação. Parece-nos que a filosofia subjacente ao novo Código de Processo Civil aponta nesse sentido.".

Aliás, "Conforme emerge da disposição legal em referência na atual lei adjetiva a deserção da instância não é automática, não ocorrendo pelo simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior. Para além da falta de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento.

Ora, não sendo automática a deserção, certo é que a lei dispensa intervenção judicial na declaração dos efeitos associados à inércia.

Na verdade, o nº 5 do Artº 281º, contrariamente ao que se prevê para as circunstâncias enunciadas nos precedentes números, dispensa, no processo executivo, a decisão judiciail

Não obstante, considera que é pressuposto da deserção uma situação de negligência.

Ora, para aferir de uma tal situação, será mais acertado que, antes de se consignar o efeito em causa, se ouçam as partes por forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é, efetivamente, imputável a comportamento negligente das partes ou não.

O princípio da cooperação do tribunal com as partes, emergente de quanto se dispõe no Art. 7.º/1 do CPC, assim o aconselha.

Ou seja, o funcionário respetivo, antes de consignar o termo sobre a deserção, deverá, previamente, alertar as partes para a extinção da instância. O mesmo se devendo exigir se, como no caso, a decisão foi sujeita ao crivo judiciai por se ter assumido que a competência para o efeito seria do juiz." - Sublinhado nosso

Assim

constatamos que o douto Tribunal a quo, ao ignorar o disposto nos arts. 247º, n.º 2 e 7.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte...", está a proceder a uma má aplicação da Lei Processual Civil, implicando que, o despacho de 20-03-2014, que declara a instância extinta por deserção constitui a prática de uma irregularidade, estando ferido de nulidade, nos termos e para os efeitos do art. 195º, nº l do Código de Processo Civil.

ACRESCE SIGNIFICAR, QUE

6.º

A presente instância foi declarada deserta nos termos dos arts. 277.º al. c) e 281.º n.º 1 do Cód. de Proc. Civil, por decisão datada do passado 20-03-2014, a qual foi notificada às partes, na pessoa dos ilustres advogados respetívos - Cfr. despacho com Refª 6940029 -.

Porquanto,

"Uma vez que a ação se encontra parada há mais de seis meses por negligência da A. e, promover os termos de que depende o seu andamento, declaro deserta a instância – 281º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil.

Mais determino o arquivamento dos autos.

Notifique.

20-03-2014".

Consequentemente,

após a tramitação devida, em sede de despacho-sentença, o douto Tribunal a quo, baseou a sua decisão, remetendo diretamente e tão somente para a menção do artigo "Uma vez que a ação se encontra parada há mais de seis meses por negligência da A. e, promover os termos de que depende o seu andamento, declaro deserta a instância – 281º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil".

7. º

Porém

como consta dos autos, o Autor em 21/05/2015 e 26/08/2015, juntou 2 requerimentos, questionando o douto Tribunal para as vicissitudes da falta de impulso processual nesses mesmos autos, da sua defensora oficiosa nomeada para defesa dos seus legítimos interesses peia Ordem dos Advogados nesta demanda. O Autor beneficia da concessão de apoio judiciário e o ato administrativo de nomeação de patrono pertence exclusivamente à Ordem dos Advogados e ultrapassa a sua posição processual.

E tão somente,

...

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