Acórdão nº 750/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022

Data04 Novembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 750/2022

Processo n.º 1030/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, vem o Ministério Público interpor recurso obrigatório, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, nºs. 1, alínea a), e 3 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante, «LTC»), da sentença proferida naquele Tribunal, a 26 de maio de 2020, requerendo a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 15.º, n.º 3, alínea a), do Código do Imposto do Selo (CIS), na redação vigente à data dos factos, cuja aplicação foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade material.

2. No âmbito do processo de que estes autos constituem um incidente, A., ora recorrido, intentou impugnação judicial, que correu termos sob o n.º 966/16.9BEPNF, contra a Administração Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo relativos à transmissão gratuita de ações, nºs. 2267771 e 2267777, de 15.02.2016, com os valores de € 1.249.143,85 e de € 1.249.143,85, respetivamente.

Os referidos atos de liquidação foram emitidos na sequência da outorga da escritura, realizada a 29 de janeiro de 2015, de doação modal, ao ora recorrido, de 6.910 ações do capital social da sociedade anónima “Sociedade de Ensino Central Vilameanense, S.A.”, com sede em Freira, Ataíde, Amarante, com o capital social de € 225.000,00, dividido em 45.000 ações ao portador, com o valor nominal de € 5,00, cujos títulos lhe foram entregues naquele ato.

Em virtude de as ações transmitidas não estarem cotadas, a Direção de Finanças do Porto procedeu ao cálculo do respetivo valor, nos termos previstos no artigo 15.º, n.º 3, do Código do Imposto de Selo (CIS).

De acordo com os ofícios nºs. 74000 e 72744, de 03.12.2015 e 30.11.2015, emitidos com o assunto “Valorização de ações” – artº 15º do C. I. Selo”, foi atribuído ao lote de 6.910 ações, o valor de € 25.024.877,08, com expressão nominal de € 34.550,00, tendo essa quantia sido “apurada com base na situação líquida reportada a 31/12/2014”.

Como método de cálculo do valor das ações, foi utilizada a fórmula constante da alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º, do CIS, em que VA = 1/2 n [S + (R1 + R2)/2)f)], sendo “Va” (valor de cada ação à data da transmissão) € 3.621,55; “n” (número de ações representativas do capital social) 45.000; “S” (valor substancial da sociedade participada, calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão) € 1.834.244,71; “R1” e “R2” (resultados líquidos obtidos pela sociedade participada nos dois últimos exercícios anteriores à transmissão) € 324.104,82; e “f” (fator de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no Jornal Oficial e em vigor à data em que ocorra a transmissão) 2.000 (cf. fls. 27 e 43 do processo administrativo tributário apenso).

Na pendência da impugnação judicial, tendo o ora recorrido requerido a prestação de garantia mediante constituição de penhor sobre as referidas ações, destinada a suspender a execução fiscal contra si instaurada, a Administração Tributária, em 21 de dezembro de 2016, procedeu à “Avaliação de garantias – valorização de ações – Artº 15º do C. I. Selo”, usando a mesma fórmula de cálculo. De acordo com a avaliação efetuada, foi atribuído ao lote de 6.910 ações o valor global de € 472.389,70, com expressão nominal de € 34.550,00, quantia essa “apurada com base na situação líquida reportada a 31/12/2015”, sendo que, nesse apuramento, o valor de “Va” foi fixado em € 68,36320 e o fator “f” em 25,00 (cf. fls. 115-v.º).

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em sentença proferida a 26 de maio de 2020, julgou procedente a impugnação judicial, anulando as liquidações de Imposto do Selo impugnadas, com fundamento na recusa de aplicação da fórmula constante da alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º, do CIS, na redação vigente à data dos factos, por a sua utilização, in casu, conduzir a um resultado materialmente injusto e inconstitucional, violador dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Na parte relevante da respetiva fundamentação, o tribunal a quo destaca o seguinte:

«[…]

Na determinação do valor tributável das ações não cotadas para efeitos de IS, a solução preconizada pelo Legislador para o cálculo do fator de capitalização (na redação que vigorou até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 41/2016) afigura-se desajustada à realidade, porquanto não antecipou nem a vulnerabilidade da taxa de juros de referência do BCE que contribui para o seu apuramento (muito menos a possibilidade de esta taxa se cifrar em zero), nem as desigualdades que seria suscetível de proporcionar entre transmissões de participações sociais economicamente equiparáveis, nem as enormes disparidades que a mínima flutuação percentual desta taxa de juros (especialmente quando próximas de zero) seria suscetível de causar entre os contribuintes com a mesma capacidade contributiva.

Disso mesmo demos exemplo supra, quando evidenciámos que a mínima alteração (de centésimas) da taxa de juros implica gigantescas alterações no valor de cada ação não cotada: v.g., se a taxa de juros descer de 0,05% para 0,01%, o fator de capitalização passaria de 2000 para 10.000 (100/0,01), o que corresponderá a uma quintuplicação imediata do valor tributável das ações sem correspondência económica possível.

Este cenário põe a descoberto a efetiva violação do princípio da igualdade no que se refere à transmissão de participações sociais economicamente comparáveis, designadamente das ações com cotação oficial face às ações não cotadas, como é o caso.

É que, se atentarmos na redação do n.° 3, do artigo 15.° do CIS, constatamos que foi intenção do Legislador estabelecer que o valor tributável das ações fosse o mais próximo possível do seu valor real, encerrando na fórmula prevista na alínea a), dessa disposição legal uma forma de determinar, presuntivamente, o valor real das ações não cotadas transmitidas (…).

Todavia, como pode verifica-se in casu, a aplicação da fórmula prevista para a determinação do fator de capitalização das 6.910 ações não cotadas, com base numa taxa de juro de 0,05%, é de tal modo desajustada e exagerada, que o valor tributável de cada ação apurado (€ 3.621,55) passou a ser cerca de 724 vezes superior ao respetivo valor nominal (€ 5,00), o que, num simples juízo de senso comum, permite concluir que o valor tributável determinado pela ATA não corresponde minimamente ao valor real presumido de cada ação. […]».

3. Notificado dessa decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC (cf. fls. 225).

4. Admitido o recurso no tribunal a quo (cf. fls. 227), prosseguiu o processo para alegações, vindo o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional pronunciar-se no sentido da improcedência do recurso, por não ocorrer erro de julgamento quanto à questão de constitucionalidade, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes com os do julgado a quo (cf. fls. 229-244), concluindo nos seguintes termos:

«[…]

III

(Conclusões)

1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 280º, nºs 1, al. a), e 3, da Constituição da República Portuguesa, 70º, n.º 1, al. a), 71º, n.º 1, 72º nºs 1, al. a) e 3, 75º, n.º 1, 75º-A, nº 1 e 78.º, nº 4, todos da LOFPTC, da “douta sentença, proferida no dia 26 do corrente mês de maio de 2020 e exarada a fls. 345ss (do SITAF) (…) recusando, assim, a aplicação da (…) norma constante da alínea a), do n.º 3 do artigo 15.º do CIS, na redação vigente à data dos factos, por reputar que o uso da fórmula aí prevista, conduz(iu), in casu, a resultado materialmente injusto e inconstitucional, por violação dos invocados princípios(s) da igualdade e da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrado(s) – artigo 13.º da CRP)”.

2.ª) Vem recorrida a interpretação normativa da variável “f”, constante da alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º do CIS, na redação que, por último, lhe foi conferida pelo artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 287/2013 (…altera o Código do Imposto do Selo…), de 12 de novembro, na medida em que estabelece que o fator de capitalização dos resultados líquidos é calculado segundo a fórmula 100/i, sendo no caso, “f” = 100/0,05, posto que “taxa de refinanciamento” (MRO) do BCE, vigente à data da transmissão das ações não cotadas, era de 5%, ou seja, “f” = 2000.

3.ª) Na exata medida em que “a avaliação de uma ação, tal como a avaliação de uma empresa, é um problema económico e deverá ser com recurso aos métodos que têm sido desenvolvidos para o resolver que se encontrará a respetiva solução” (FREITAS PEREIRA), importa, preliminarmente, determinar qual a razão de ser que, em geral, subjaz à metodologia da avaliação fiscal das ações não cotadas, constante da variável “f”, da alínea a), do n.º 3 do artigo 15.º do CIS , à luz dos pontos de vista, económicos e financeiros, que matéria concita.

4.ª) Assim, a alteração das taxas de juro diretoras, em particular da “taxa de refinanciamento” (MRO), do BCE, desencadeia o denominado “mecanismo de transmissão monetária”, o qual, através dos “canais de transmissão”, vem a influir, ceteris paribus, no estado da economia real e no nível geral de preços (relativos), em particular no preço dos ativos económicos e financeiros, em particular do curso das cotações bolsitas (BCE, HENRY, DI GIORGIO, ISSING et alii).

5.ª) A relação...

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