Acórdão nº 02789/15.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução30 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., instaurou acção administrativa comum contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, com vista à efectivação de responsabilidade civil extracontratual, pretendendo obter a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 89.438,86 (oitenta e nove mil e quatrocentos e trinta e oito euros e oitenta e seis cêntimos) - acrescida dos respectivos juros de mora -, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, decorrentes de alegada conduta omissiva ilícita e culposa do Réu consubstanciada na não constituição de um seguro de vida para reparação dos danos de morte ou invalidez permanente dos militares integrados nas suas forças em missões fora do território nacional.

Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões: A. O Autor intentou a presente ação contra o Estado Português, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de 89.438,86€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, pelo facto de o Réu ter adotado uma conduta omissiva ilícita e culposa, traduzida na não constituição de um seguro de vida para reparação dos danos de morte ou invalidez permanente, constituição essa obrigatória para militares integrados nas forças do Estado Português em missões fora do território nacional – como foi o caso do Autor.

B. Por despacho saneador-sentença, proferido no dia 29 de junho de 2021, o douto Tribunal a quo julgou improcedente, por não provada, a ação administrativa comum intentada pelo Autor e, em consequência, absolveu o Réu do pedido contra si formulado. Não se tendo conformado com aquela sentença, veio o aqui Recorrente interpor Recurso, a 17 de setembro de 2021, invocando, entre outros fundamentos, a nulidade da decisão. Após, injustificadamente, protelar a remessa dos autos para o tribunal ad quem durante mais de seis meses, veio o tribunal a quo dar razão ao aqui Recorrente, tendo anulado a decisão então, o que fez sem cabalmente fundamentar a decisão.

C. Posto isto, qual não é o espanto do aqui Recorrente quando se depara com o facto de, na mesma data em que anula a decisão proferida, vem o mesmo tribunal proferir nova decisão que não só é materialmente semelhante, como é no seu conteúdo idêntica à anterior. Por idêntica, entenda-se que a nova decisão é ipsis verbis igual à anterior, salvo pequenos detalhes. Espera, assim, o Recorrente que, desta, o presente Recurso encontre o seu caminho até ao tribunal superior… D. Todavia, o Recorrente não se pode conformar com esta “nova” sentença, por considerar que a mesma padece de nulidade, por insuficiência de fundamentação, além de não julgar convenientemente a matéria de facto, nem aplicar validamente o Direito à matéria de facto considerada.

E. Resultou claro do explanado na fundamentação de direito constante da sentença in quaestio que a pretensão indemnizatória do Autor foi julgada improcedente pelo facto de o Tribunal ter considerado que, apesar do Réu ter incumprido com a sua obrigação de constituir um seguro de vida, em nome do Autor, para reparação de eventuais danos de morte ou invalidez permanente, sofridos na missão na qual aquele participou, o capital seguro respeitante à invalidez permanente apenas seria devido se tal invalidez for diagnosticada pela Junta Superior de Saúde, no prazo de dois anos após o acidente em serviço.

F. Sucede que, pese embora o douto Tribunal afirme que o mencionado prazo de dois anos decorre das disposições legais referenciadas no texto do acórdão, a verdade é que tal não se verifica! Isto é: o douto Tribunal assenta a sua decisão num preceito legal inexistente.

G. Com efeito, da análise às supracitadas disposições legais conjugadas, decorre que: i.

Aos elementos dos serviços e das forças de segurança envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional é constituído um seguro de vida para reparação dos danos por morte ou invalidez permanente; ii.

O início e o fim da garantia da pessoa segura reportam-se ao início e ao fim da missão, abrangendo os momentos e locais de embarque e desembarque definitivo; iii.

A doença adquirida ou agravada por militar durante a missão humanitária ou de paz, desde o momento do seu embarque até ao regresso definitivo, presume-se que o foi em ocasião de serviço e em consequência do mesmo; iv.

Em caso de incapacidade parcial permanente, a indemnização é calculada tendo em consideração as percentagens de desvalorização constantes da Tabela Nacional de Incapacidades.

H. Outrossim, da análise aos mesmos normativos (ou, em abono da verdade, de qualquer outro diploma legal) não resulta a previsão legal de um qualquer prazo cujo decurso determine a não atribuição da indemnização ali definida.

I. Acresce que o próprio Tribunal não identifica qualquer outra norma legal onde se pudesse prever o referido prazo de dois anos, sendo que as disposições legais invocadas parecem sê-lo de forma aleatória, sem que se compreenda a sua conexão com a norma em causa, que, na legislação, não existe! J. Ora, decorre do disposto nos artigos 154.º e 607.º, n.º 3 do CPC – aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA –, que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, não podendo a justificação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, devendo o julgador indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

K. Com efeito, a fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido (isto é, fundamentaram) a decisão.

L. Por outro lado, o artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC – aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA – determina que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

M. No caso em apreço, aquele dever constitucional e legal – cujo escopo reside na possibilidade de os seus destinatários poderem entender as razões (de facto e de direito) que fundamentaram a decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma – resultou manifestamente incumprido pelo douto Tribunal a quo.

N. Dúvidas não soçobram quanto a isto, na medida em que resulta já pacífico na doutrina e jurisprudência hodiernas que a falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ocorre não só quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto), como também quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.

os 3 e 4 do artigo 607.º do CPC – o que se verifica in casu.

O. Pelo exposto, considera o Recorrente, com o devido respeito, que a Sentença recorrida viola os artigos 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Termos em que se requer a V. Exas. a revogação da mencionada Sentença.

P. Acresce que, ainda que se não se considerasse verificada a nulidade ora arguida, sempre teria a sentença ora recorrida de ser revogada, por manifesto erro na matéria de facto dada como provada.

Q. Não pode o Recorrente deixar de considerar que, proceda ou não a invocada nulidade, este douto Tribunal ad quem dispõe, já, de todos os elementos necessários para conhecer do mérito da causa no presente recurso, atento o disposto no artigo 149.º, n.º 2 e 4 do CPTA., sendo líquido o entendimento jurisprudencial no sentido de que este Tribunal está obrigado a conhecer do mérito sempre que tal seja possível, bem como a, sendo o caso, substituir a decisão impugnada por uma nova e diferente decisão.

R. Tendo o Tribunal a quo considerado, erroneamente, que o pressuposto do nexo de causalidade não se encontraria verificado no caso em apreço – algo que não poderia ter sido concluído –, deixou de se pronunciar quanto aos demais requisitos legais para a efetivação de responsabilidade civil, sendo que resulta claro que, no caso em lide, se encontram verificados todos os pressupostos que o legislador estabeleceu para fazer funcionar o instituto da responsabilidade civil.

S. Andou bem o tribunal a quo ao dar como provados os factos 1. a 6., 8. a 12. e 14. a 16., para cuja fundamentação se remete e se dá aqui, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida, devendo, assim, ser mantida pelo tribunal ad quem a decisão quanto a tal factualidade.

T. A sentença recorrida deu como provado, no facto 7., que: “Desde 16 de Setembro de 2009, que o Autor padece de doença profissional – a qual foi assim classificada pelo Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais da Segurança Social.” U. Sucede que, conforme resulta dos documentos que suportam a posição do tribunal a quo (em particular, do Processo Individual do Autor), tal classificação foi decretada pelo Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais da Segurança Social em 7 de fevereiro de 2011 (tendo os efeitos retroagido a 16 de setembro de 2009).

V. Destarte, deverá o facto 7 ser alterado, passando a ter a seguinte formulação: Desde 16 de Setembro de 2009, que o Autor padece de doença profissional – a qual foi assim classificada, em 7 de fevereiro de 2011, pelo Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais da Segurança Social.

W. A sentença ora recorrida deu como provado, no facto 13, o seguinte: “O capital seguro referido em 12) respeitante à invalidez permanente dos militares integrados nas forças do Réu, em missões fora do território nacional somente é devido se tal invalidez permanente tiver sido clinicamente diagnosticada pela Junta Superior de Saúde, no decurso dos dois anos subsequentes à verificação do...

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