Acórdão nº 2996/20.7T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelROS
Data da Resolução03 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO SEGUROS ..., S.A.

veio propor contra J. A.

ação declarativa com processo comum pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 29 930,00, acrescida de juros legais desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que, no dia 8.9.2013, ocorreu um acidente de viação que foi causado por culpa exclusiva do réu, o qual conduzia o veículo de matrícula FV.

Desse acidente resultou o atropelamento de três pessoas, tendo a autora pago aos mesmos, a título de indemnização, a quantia global de € 29 930, uma vez que o réu tinha transferido para a autora a responsabilidade civil perante terceiros pelos danos emergentes da circulação do veículo automóvel de matrícula FV.

O autor conduzia o veículo de matrícula FV com uma TAS de 3,27 g/l e o acidente ocorreu por culpa sua, razão pela qual a autora pretende exercer o seu direito de regresso e receber do réu o valor que pagou a título de indemnização pelo aludido acidente.

*Regularmente citado, o réu contestou invocando a prescrição. Alega que quando a seguradora, ora autora, efetuou o pagamento aos lesados, em 26.9.2018, já tinha decorrido o prazo de prescrição o qual, no máximo, seria de 5 anos, contado da data do acidente e terminou em 8.9.2018.

O réu tem o direito de opor à autora, na sequência do exercício por parte desta do direito de regresso, todos os meios de defesa que tinha contra o devedor, nomeadamente a prescrição.

Impugnou ainda parte da factualidade invocada pela autora, invocando que o acidente ocorreu por culpa dos peões que foram atropelados, e não por culpa sua, não sendo verdade que conduzisse com a invocada TAS de 3,27 g/l.

Refere ainda que não conduzia o veículo numa via pública ou equiparada, mas sim num caminho particular, pelo que não são aplicáveis as regras do Código da Estrada.

Alega que a autora não tinha obrigação de indemnizar os lesados por via da existência do seguro obrigatório.

A entender-se diversamente, considera que, quando muito, só tem parte da culpa na produção do acidente, não devendo ser condenado a restituir a totalidade da indemnização paga, mas apenas 30% da mesma por ser essa a medida da contribuição da sua culpa na produção do acidente.

*A autora pronunciou-se sobre a exceção da prescrição, considerando que a mesma não se completou porque a autora, enquanto seguradora do veículo, reconheceu o direito dos lesados o que teve como consequência a interrupção do prazo em curso.

Além disso, o prazo de prescrição não correu no período em que esteve pendente o processo crime em que o réu foi arguido.

Finalmente, o próprio réu reconheceu o direito pois, na sequência do mesmo acidente e quanto a outros lesados, aceitou reembolsar a autora das quantias indemnizatórias que a mesma satisfez, o que ocorreu na sequência de uma transação judicialmente homologada.

Refere ainda que face ao regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil tinha obrigação legal de indemnizar as vítimas do acidente pelos danos que as mesmas sofreram.

*Foi proferido despacho que: a) dispensou a realização da audiência prévia; b) fixou à causa o valor de € 29 930,00; c) apreciou tabelarmente os pressupostos processuais; d) identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova; e) apreciou os requerimentos probatórios; f) designou data para a realização da audiência final.

*Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Por tudo o exposto, o Tribunal julga procedente a invocada exceção de prescrição, arguida pelo réu J. A. e, por consequência, atenta a extinção, por efeito dela, do crédito reclamado pela autora SEGUROS ..., SA, absolve o réu do pedido.

Custas pela autora.”*A autora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1ª) A douta sentença recorrida confunde e trata da mesma maneira, prazo para exercício do direito de regresso, com o prazo para com lesado exigir dos responsáveis a reparação; 2ª) A discussão doutrinária e jurisprudencial invocada na douta sentença prende-se, apenas, com a aplicação do prazo de 3 anos ou do mais extenso prazo de prescrição penal (se o facto ilícito também constituir crime) ao exercício do direito de regresso da seguradora, e só a este; 3ª) A discussão não existe quanto ao exercício do direito pelo lesado, onde a resposta do legislador é clara, afirmativa e indiscutível no sentido da aplicação do prazo mais longo - art. 498.º n.º 3 do CCiv.; 4º) O direito de regresso da seguradora só nasce com a efectivação do pagamento sendo pacifico o entendimento que, quer no caso de sub-rogação, quer de direito de regresso, o prazo de prescrição (seja qual for o entendimento quanto à extensão do mesmo) só se inicia com o pagamento; 5º) E, quando a regularização dos danos em relação a cada lesado se decompõe em vários pagamentos diferidos no tempo, o prazo de prescrição do direito de regresso só se inicia com o último dos pagamentos; 5º) No caso em apreço, a acção foi proposta antes de decorrido o prazo de 3 anos desde o pagamento da última parcela indemnizatória relativa a cada um dos lesados em causa; 6º) E, a seguradora demandante, reclama valores que indemnizou aos lesados A. G., J. C. e M. O. antes de se ter completado o prazo de prescrição aplicável do direito daqueles, que era de 5 anos, atenta a circunstância de o facto ilícito invocado consubstanciar crime sujeito a prazo de prescrição alargado a 5 anos e considerando as interrupções provadas com o reconhecimento pela seguradora perante os lesados; 7ª) Pelo que, não tem aqui aplicação o previsto no art. 521.º n.º 2 do CCiv uma vez que a A. Não podia à data dos pagamentos, invocar uma prescrição que não se tinha completado; 8ª) O que além do mais traduziria sempre uma atitude reprovável e de abuso de direito, depois de reconhecer o direito, avaliar os danos e fazer propostas de indemnização que estava a negociar verificados os 3 anos após o acidente, interromper as negociações e recusar qualquer indemnização invocando prescrição numa interpretação que não merecia sustentação; 9ª) No caso não se verificou prescrição dos direitos dos lesados antes das indemnizações pagas, nem foi ultrapassado o prazo de 3 anos de prescrição do direito de regresso desde os pagamentos efectuados e relativamente à última parcela indemnizatória; 10ª) O Ac. RP de 22/3/2021 relativo ao Proc. 1668/20.7T8VLG.P1, que na douta sentença se diz seguir de perto, respeita apenas ao prazo de exercício do direito de regresso pela seguradora após o pagamento, não sustentando jurisprudencialmente o entendimento que se diz retirar dele na sentença em crise; 11ª) Violou a sentença recorrida, o disposto nos arts. 325.º, 498.º n..º 2 e 3 e 521.º n.º2 do Código Civil.”*O réu contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo ampliado o objeto do recurso, e apresentou as seguintes conclusões: “1ª- A recorrente vem opor-se à decisão tomada pelo Tribunal ‘a quo’, alegando que este “confunde e trata da mesma maneira, prazo para exercício do direito de regresso, com o prazo para o lesado exigir dos responsáveis a reparação”, mas opõe-se escamoteando ou procurando, até, esconder a verdadeira questão a considerar, relativa à invocada prescrição; 2ª- A verdadeira questão é que quando a Seguradora pagou as indemnizações aos lesados já os créditos destes se encontravam prescritos pelo decurso d prazo de 3 anos contados desde a data em que tiveram conhecimento do direito que lhes competia, conforme o réu/recorrido deixou alegado na contestação que apresentou, sendo que no caso dos lesados J. C. e M. O. tinha já decorrido o prazo de 5 anos; 3ª- Assim, importa que, ao abrigo do estatuído no artigo 636º nº 1 do CPC, por terem sido outros os fundamentos invocados na acção pelo réu/recorrido, sejam os mesmos apreciados em sede de recurso, pelo que requer subsidiariamente a ampliação do âmbito do mesmo.

  1. - No caso em apreço não é aplicável à prescrição a extensão do prazo a que alude o nº 3 do artigo 498º do Código Civil, pois extinto o processo criminal pelo crime de ofensas corporais por negligência por não ter sido apresentada a queixa de que depende, o prazo de prescrição do direito de indemnização é de apenas 3 anos; 5ª- Mesmo que se entenda que o prazo é de 5 anos (e não de 3 anos) por força da extensão consagrada no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, já se encontrariam prescritos — pelo decurso dos referidos 5 anos — os créditos dos lesados J. C. e M. O.; 6ª- Os actos praticados pela seguradora, alegadamente interruptivos perante si do prazo de prescrição, não tem a virtualidade de interromper perante o réu/recorrido tal prazo de prescrição; 7ª- Nenhum acto o réu/recorrido praticou perante os lesados que tivesse interrompido o prazo prescricional a correr desde o acidente em causa; 8ª- Nos termos do nº 2 do artigo 521º do Código Civil, o devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição; 9ª- Não são invocáveis contra o credor, por um devedor solidário, os meios de defesa fundados na relação pessoal deste último com algum dos outros devedores salvo se existir entre os vínculos uma relação de subordinação, como se verifica no presente caso; 10ª- Atendendo à relação de subordinação entre o vínculo obrigacional que une o lesado ao responsável civil e o que o une ao segurador, este último pode invocar contra o lesado todos os meios de defesa fundados na relação de responsabilidade civil, porquanto o seguro só estende ao segurador a responsabilidade pelo pagamento da obrigação de indemnizar que vincule o respectivo segurado, isto é, o devedor que pagou não goza do direito de regresso, se a obrigação houver prescrito em relação aos seus condevedores e este invocarem a prescrição; 11ª-...

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