Acórdão nº 312/19.0T8PTG-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PESSOA
Data da Resolução27 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO Nos presentes autos de embargos de executado em que é Embargada XYQ LUXCO, SARL, Exequente que assumiu a posição da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, e Embargantes AA. e BB., foi proferido o seguinte despacho: “Da suscitada litigância de má fé: Por requerimento apresentado nos autos a 3 de Março de 2022, a Embargada requereu a condenação dos Embargantes como litigantes de má fé, condenando-os em indemnização que deverá ser fixada, no mínimo, em igual montante. Para tanto alega, em síntese, que estes incluíram na conta de custas o valor relativo à perícia realizada nos autos, como despesa documentada, quando, na realidade não suportaram tal custo, sendo que, apesar do Tribunal ter determinado a rectificação da conta de custas apresentada pelos Embargantes, estes recusam-se a devolver o montante recebido a tal título, o que configura um enriquecimento ilícito e, portanto, má fé processual.

Notificados para se pronunciarem, vieram os Embargantes responder nos termos do requerimento apresentado a 16 de Março de 2022, alegando, em síntese, que o Tribunal carece de competência para se pronunciar sobre uma conta de custas que não foi objecto de atempada reclamação, sendo que o despacho proferido, e não cumprido, ordenava apenas a rectificação da conta e não a devolução de qualquer montante.

Terminam pela improcedência do pedido de litigância de má fé, dado que inexistiu omissão de factos ou alteração da verdade dos mesmos, havendo sim uma interpretação diversa da aplicação do direito aos factos.

Cumpre apreciar.

Com interesse para a apreciação do incidente, há a considerar os seguintes factos: 1 – Os embargantes deduziram a 3 de Maio de 2019 embargos de executado, tendo requerido, a título de prova, a realização de exame pericial à assinatura constante nas letras juntas aos autos, a efectuar por organismo público, no sentido de determinar por comparação, se tais assinaturas, apostas na face de tais títulos, alegadamente na qualidade de aceitante foram feitas por CC.; 2 – No despacho saneador, proferido no âmbito da audiência prévia, foi admitida a realizada da perícia e solicitado ao Centro Médico Legal Professor Doutor José Pinto da Costa a sua realização; 3 – A 17 de Outubro de 2019 é emitida guia de pagamento antecipado de encargos, no valor de 612,00€ e notificado o mandatário dos embargantes para proceder ao seu pagamento; 4 – Não tendo a guia sido paga pelos embargantes, foi notificada a mandatária da embargada para proceder ao seu pagamento, o que não aconteceu; 5 – Por despacho proferido a 8 de Janeiro de 2020 foi determinado “(…) que os encargos da perícia sejam adiantados pelo IGFEJ, sem prejuízo da imputação, a final, na conta de custas da parte vencida, nos termos do artigo 411.º e 532.º, n.º 2 do Código do Processo Civil”; 7 – A entidade que realizou a perícia apresentou a factura com o n.º 2021ª1/99, de 26/10/2021, no montante de 738,00€, cujo pagamento havia sido adiantado pelo IGFEJ; 8 - Por sentença proferida a 17 de Novembro de 2021 foram julgados procedentes os embargos de executado e condenada a embargante nas custas do processo; 9 – A 30 de Dezembro de 2021, os embargantes apresentam nos autos nota discriminativa de custas no montante de 2.014,90€, nos termos da qual peticionam o pagamento, da qual consta: “Despesas Documentadas 1. Pagamento de encargos com a perícia e exame no âmbito da escrita manual .. € 612,00”, pese embora tivessem conhecimento de que não haviam despendido esse montante; 10 – A 7 de Janeiro de 2022, XYQ Luxco, SARL, entidade cessionária da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, transferiu para conta bancária titulada pelo mandatário dos embargantes o montante de 2.014,90€; 11 – A 10 de Janeiro de 2022 foi elaborada pela secção conta de custas, nos termos da qual a embargada era responsável pelo pagamento de 738,00€, a título de reembolso ao IGFEJ do montante adiantado por conta da perícia; 12 - XYQ Luxco, SARL, entidade cessionária da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, veio aos autos a 27 de Janeiro de 2022, informar que “A 10/01/2022, foi notificada em nome de Caixa Geral de Depósitos para efectuar o pagamento do valor de €738,00, referentes à despesa com o exame pericial efectuado nos presentes autos. Contudo, parte desse valor, no montante de €612,00 foi reclamado pelos Embargantes como já tendo sido pago pelos mesmos, e, incluído nas suas custas de parte, que apresentaram à Embargada a 30/12/2021” requerendo que o Tribunal confirmasse “se o valor do exame pericial não se encontra já parcialmente pago pelos Embargantes no valor de 612,00, tal como invocado pelos mesmos, caso em que se solicita a emissão de nova guia para pagamento pela diferença”; 13 – A 2 de Fevereiro de 2022 foi proferido despacho com o seguinte teor “Conforme resulta dos autos o valor de €738,00 relativo à perícia foi adiantado pelo Cofre dos Tribunais, pelo que os embargantes não suportaram esse valor (cfr. factura n.º 2021ª1/99, datada de 26/10/2021 e despachos de 19/11/2019 e 08/01/2020). Assim, notifique-se os embargantes para corrigir a nota de despesas e honorários apresentada. Acresce que uma vez que a habilitação de cessionários apenas foi decidida no dia de hoje, a guia emitida à exequente encontra-se elaborada em concordância com o que resulta dos autos, dado que atendendo à sentença proferida, caberá à exequente o pagamento das custas do processo, pelo que se indefere a requerida emissão de nova guia. Notifique.”; 14 – Em resposta ao citado despacho vieram os embargantes dar conta ao Tribunal que, em seu entender, “a questão não sendo suscitada pela Embargada em sede de Reclamação, decorrido o prazo, a Nota, transita em julgado, esgotando-se o poder jurisdicional do Juiz, quanto ao seu conteúdo. Razão pela qual, com os expendidos fundamentos, entendem os Embargantes não proceder a qualquer tipo de correcção da Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte” (requerimento cujo teor se dá aqui por reproduzido); 15 – A 25 de Março de 2022 foi proferido o seguinte despacho “Não tendo o despacho prolatado a 2 de Fevereiro de 2022 sido objecto de recurso, e usando a expressão do ora requerente, “consolidou-se na ordem jurídica”, pelo que deverá a parte cumprir o aí ordenado. Notifique. Oportunamente, e caso a Embargante persista no incumprimento do já ordenado, apreciaremos o pedido de condenação como litigante de má fé.”.; 16 – Por requerimento datado de 13 de Maio de 2022, a embargada veio aos autos informar que “até ao presente momento, os Embargantes não deram cumprimento aos despachos de 02/02/2022 e de 25/03/2022, já transitados em julgado, persistindo no incumprimento do aí ordenado, sem terem apresentado nova nota de despesas e honorários corrigida ou devolvido à Exequente o valor pago em excesso de €612,00”; 17 – A 15 de Junho de 2022, os embargantes apresentam novo requerimento, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nos termos do qual alegam as razões que os levam a não dar cumprimento à ordem de devolução do montante em causa; 18 – Os aludidos despachos foram notificados e não foram objecto de recurso, tendo transitado em julgado.

* Os factos supra expostos encontram-se documentados nos autos, sendo que o conhecimento de que não haviam despendido o montante de 612,00€ resulta da conjugação da restante factualidade com as regras da experiência comum. Efectivamente, tendo sido proferido um despacho, notificado às partes, a determinar que esse pagamento seria adiantado pelo IGJEF e entraria em regra de conta de custas, não poderiam os embargantes ignorar que não haviam efectuado tal pagamento. Ademais tinham ciente de que foram notificados para proceder ao pagamento desse montante e não o fizeram, pelo que ao incluírem esse valor na categoria de “despesas documentadas” bem sabiam estar a alegar um facto falso. Qualquer cidadão sabe que o reembolso de uma despesa pressupõe o seu pagamento por quem pede esse reembolso. Também o sabiam os embargantes. É o que resulta das regras da experiência comum.

* Posto isto, cumpre apreciar o pedido de litigância de má fé, avaliando a supra citada actuação processual dos Embargantes, à luz das regras de conduta impostas às partes na lei processual civil. Segundo o disposto no artigo 7.º do Código de Processo Civil, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Concretizando este princípio da cooperação, o artigo 8.º, do mesmo diploma legal, estatui que as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.

A má-fé processual consiste na “utilização maliciosa e abusiva do processo” (in Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora.1979, p.356), importando concretizar os seus traços fundamentais, tarefa que é facilitada pelo art.º 542.º, n.º 2, do C.P.C., do qual resultam as quatro situações que a integram: - ter deduzido pretensão/oposição, cuja falta de fundamento a parte não ignore; - ter a parte, conscientemente, alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais; - ter praticado omissão grave do dever de colaboração; - ter usado o processo, ou os meios que este lhe coloca à disposição, de forma manifestamente reprovável, de modo a conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça, impedir a descoberta da verdade, ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (in Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I, Almedina, 1998, p. 303 a 345; temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 1997, p.84 a 86).

Por outro lado, há que salientar (embora se tenha como evidente): a parte que não se conforme com um determinado despacho deverá recorrer, sob pena de ficar obrigada ao seu cumprimento.

Ora, face a este enquadramento não é possível deixar de fazer-se um sério reparo à conduta dos Embargantes que vieram...

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