Acórdão nº 1007/19.0PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução24 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Por sentença proferida nestes autos em 9 de Julho de 2 021, foi proferida decisão nos seguintes termos, relativamente ao arguido J. F.

: -foi condenado pela prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154º-A, C.P.

; - porque considerado inimputável perigoso por razão de anomalia psíquica, foi-lhe aplicada a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança, com a duração máxima de 3 (três) anos, que será objeto de revisão nos termos do disposto nos arts.º 92º/1 e 93º/1 e 2), C.P.

Discordando da decisão proferida, da mesma interpôs recurso o arguido L. C., peça que sintetizou nas seguintes conclusões: “1. Foi o Arguido, ora Recorrente, declarado autor de factos qualificáveis como crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A do Código Penal, aplicando-lhe a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança, com a duração máxima de 3 (três) anos, que será objecto de revisão e cessará nos termos previstos nos artigos 92º, nº 1 e 93º, nº s 1 e 2, do Código Penal.

  1. Acontece que, a extensão da medida de segurança aplicada ao Recorrente e a efectividade do seu cumprimento afigura-se manifestamente exagerada, atento as idiossincrasias do mesmo, ao seu percurso de vida, a sua inserção no mercado laboral e, ainda, tendo em vista a sua recuperação para a sociedade.

  2. Nos presentes autos, vinha o Recorrente acusado da prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154.º-A, n.º 1 do Código Penal.

  3. Os factos imputados ao Recorrente nos presentes autos encontram-se devidamente individualizados entre outubro de 2019 a 27.11.2019.

  4. Na sentença recorrida, nada mais é dito, explicitado ou desenvolvido quanto ao silogismo que determinou à fixação, a final, da medida de segurança máxima de 3 anos.

  5. Mas mais, a decisão a quo assenta, a este propósito numa premissa que não tem cabimento fatual ou jurídico no presente caso - o crime de violência doméstica.

  6. Acresce ainda, que a decisão a quo não demonstra o raciocínio lógico-dedutivo que levou o Tribunal recorrido a fixar a medida de internamento de 3 anos, o que traduz uma violação ao disposto no art. 375.º do CPP.

  7. Concomitantemente, impõe-se sublinhar que, os factos aqui em questão foram praticados há quase 20 meses.

  8. Não há notícias nos presentes autos, nem a decisão a quo dá tal por provado, que o Recorrente tenha, para além desta factualidade, praticado quaisquer outros factos desta natureza persecutória.

  9. Ao contrário do que sucedida à data dos factos aqui em questão, impõe-se considerar que, o Recorrente encontra-se hoje plenamente inserido profissional, social e familiarmente, 11. Tanto assim é que, em Janeiro de 2020, O Recorrente arranjou emprego, na empresa de Calçado ..., em Guimarães.

  10. Aliás, é um trabalhador zeloso e cumpridos das suas funções.

  11. Além disso, de molde a “cultivar-se”, obtendo novas valências e competências profissionais e curriculares, o Recorrente inscreveu-se em Outubro passado, para o presente ano lectivo de 2020/2021, no Curso de Educação e Formação de Adultos, realizado na Escola Secundária ...

    , 14. Aspirando, ainda, candidatar-se ao ensino superior. – vide ponto 47.º dos Factos Provados 15. Ou seja, desde então, para além do cumprimento das suas funções profissionais, o Recorrente está motivado para estudar, tendo retomado o seu estudo, de molde a concluir o Ensino Secundário, 16. O que demonstra que o mesmo, de forma responsável e motivada, conjuga o seu dia-a-dia entre os afazeres profissionais e os curriculares.

  12. Sendo certo que, no cumprimento desta jornada diária casa-trabalho-escola-casa, o Recorrente circula pelos concelhos de Fafe – Guimarães – Felgueiras – Fafe.

  13. O que denota e evidencia uma crescente e salutar autonomia e motivação para prosseguir com a sua vida.

  14. Simultaneamente, mantém o Recorrente o cumprimento das consultas médicas e de enfermagem definidas e, bem assim, o cumprimento de toda a terapêutica medicamentosa prescrita, conforme ponto 48.º dos Factos Provados.

  15. Pelo que, é indubitável que o Recorrente tem feito um caminho de progresso, quer a nível profissional, quer a nível social e familiar.

  16. E que se repercute no facto de in casu, para além dos factos ocorridos em outubro e Novembro de 2019, não haver notícias de continuação da atividade criminosa.

  17. Quer isto dizer, portanto, que ao contrário do que sucedia em 2019,o facto é que, em 2020 e mais presentemente em 2021, não há quaisquer referências de que o Recorrente continue a prática destes factos.

  18. Pelo que, deve a medida de segurança decretada ser suspensa na sua execução, nos termos do art. 98.º do Código Penal, 24. Ordenando-se a suspensão da medida de segurança aplicada, nos termos do art. 98.º do Código Penal, subordinada, designadamente, a acompanhamento médico de que o mesmo tem sido alvo e, eventualmente, com a redefinição da dosagem da terapêutica medicamentosa e, ainda, com a fixação de um plano elaborado pela DGRS mais denso e incisivo no que toca à fiscalização comportamental do Arguido, garantidamente que episódios idênticos ao verificado no presente caso jamais se verificarão no futuro.

  19. A suspensão da execução da Medida de Segurança mediante a aplicação de regras de condutas adequadas, mormente continuação atividade laboral, frequência escolaridade ou proibição de contratos, em nada beliscará as exigências de prevenção especial e de prevenção geral que o presente caso encerra.

  20. Por outro lado, a definição de uma medida de segurança fixada no limite máximo do legalmente permitido, atento o tipo legal de crime aqui em questão, não se harmoniza com o grau de “culpa”, nem com a perigosidade que o presente caso encerra, devendo, por isso, a mesma ser reduzida equitativamente.

  21. Por conseguinte, em prol da verdade, da justiça e do direito deve a decisão a quo ser revogada e alterada por uma outra, nos exatos termos acima enunciados.

  22. As presentes alegações de recurso apresentam suporte legal no artigo 375.º do CPP, artigo 98.º do Código Penal e, bem assim, em todas as demais disposições legais que V/Exas. consideram aplicáveis ao caso sub judice.

    Nestes termos e nos melhores de direito que V/Exas. superiormente suprirão, devem as presentes alegações de recurso ser recebidas, por provadas, e em consequência, deve a decisão a quo ser revogada e substituída por uma outra que se compatibilize com a factualidade que resulta da prova produzida e que respeite as exigências de prevenção geral e especial enunciadas nas Conclusões, com a qual farão V/ Exas. a devida e aliás acostumada JUSTIÇA!” Contra-alegou o M.P.

    Referiu, em síntese, que já anteriormente lhe fora aplicada outra medida de segurança de internamento e que, os presentes factos surgiram durante o período de liberdade para prova. Além disso, corre nos serviços do M.P. mais um Inquérito de 2 020, em que também é ofendida a ora assistente L. L. e denunciado o ora arguido, novamente pelo crime de perseguição. Entende pois que o recurso é manifestamente infundado, pois que se justifica a duração da medida de segurança de internamento aplicada, tal como a sua efetividade. Considera pois, que deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, deve também ser mantida a decisão recorrida nos seus precisos termos.

    Contra-alegou também, a assistente L. L.

    . Sublinhou que o arguido pratica este tipo de atos persecutórios desde há sete anos e praticou os presentes em pleno período de Liberdade para Prova após anterior condenação, aliás já revogada. Além disso, está curso ainda um Inquérito contra o arguido, por factos similares (Inquérito n.º 557/20.0PBGMR). Considera pois, a medida de segurança aplicada como correta, considerando que deve ser mantida.

    Sustenta a final, que o recurso deva ser julgado como “manifestamente improcedente”.

    Já neste Tribunal, teve vista no recurso a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta, que emitiu o seu parecer. Considera que nos autos estão em causa uma espera do arguido à ofendida ocorrida em Outubro de 2 019 e entre 19 de Outubro e 27 de Novembro do mesmo ano, 13 (treze) mensagens. Entende que nas mesmas, o arguido declara o seu amor pela ofendida, sem utilização de linguagem ameaçadora, grosseira ou obscena. No seu entender, a medida de segurança aplicada não é proporcional à gravidade e ilicitude dos factos. Defende pois que seja reduzida para o máximo de 2 (dois) anos de internamento, medida que deve ser suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, condicionada aos deveres de ser submetido e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados (art.º 98º/3 C.P.), devendo ainda ficar sujeito a vigilância da D.G.R.S.P. Sustenta pois, que o recurso deva ter provimento, devendo pois reduzir-se o período máximo de internamento e suspender-se a execução do mesmo, sob as referidas condições.

    Notificados arguido e assistente (recorrente e recorrida) nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P.

    , só a assistente respondeu ao parecer emitido. Concretizou que, nos autos, está em causa um caso de “stalking”. Concretizou ainda que no caso está presente erotomania, também denominada de “síndroma de Clerambault” que se traduz numa convicção delirante por parte do agente, de que está a ser amado, por alguém que está numa posição social proeminente. Daí que estes quadros possam acabar na prática de atos graves e que ponham em causa a integridade pessoal ou a vida das vítimas. Afirma ainda que esta doença psiquiátrica não é curável, mas apenas tratável. A assistente é perseguida por este arguido há cerca de 8 (oito) anos. Por seu lado, o arguido não tem consciência da ilicitude dos seus atos.

    Conclui como nas suas contra-alegações – propugnando que o recurso deva ser considerado totalmente improcedente e a sentença recorrida confirmada.

    Os autos vão ser julgados em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

    2 – Fundamentos Para melhor concretização das questões em causa nos autos...

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