Acórdão nº 63/22.8T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO R. C.

, residente na Rua …, n.º …, Porto, instaurou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra A. M.

, residente na Rua …, n.º …, pedindo que se nomeie perito, fixando-se as quotas de cada titular e seguindo-se os demais termos do processo até final.

Para tanto alegou, em síntese, ser dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com a área de 125,5 m2, sita em …, União de Freguesias de … e …, inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...º e descrita sob o n.º .....

O requerido é dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com dependências e capela, sita no mesmo lugar e freguesia, inscrita na matriz sob o art. ...º e descrita sob o n.º .../........

Apesar de se tratar de descrições e inscrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado “...”.

Ambos os prédios são servidos de água de nascente comum em granito que, no interior, se localiza junto à parede do prédio do requerente, com abertura para o interior, indo a água restante desembocar num tanque em pedra, existente no conjunto habitacional.

A casa do requerente possui dois fornos de lenha para serventia de todo o complexo.

Não convém ao requerente permanecer na indivisão, pelo que pretender pôr-lhe termo.

O Réu contestou impugnando toda a facticidade alegada pelo Autor, com exceção da do ponto 1º da petição inicial.

Alegou que a pretensa casa que o Autor identifica no ponto 2º da petição inicial constitui um prédio, o qual é exclusiva propriedade do Réu e que é autónomo e independente do prédio propriedade do Autor, este identificado no ponto 1º daquele requerimento inicial.

Mais aduziu que o prédio identificado no art. 2º, exclusiva propriedade do Réu, é murado em toda a sua volta e dispõe de quatro entradas, dele fazendo parte duas casas anexas, que se encontram dentro da dita muralha existente à volta do prédio de que é proprietário.

A água a que se reporta o Autor apenas serve o prédio propriedade do Réu, nascendo numa mina existente dentro de uma outra propriedade deste e indo desaguar num tanque, sito dentro da muralha existente à volta do prédio propriedade exclusiva do Réu, sem passar pelo prédio propriedade do Autor.

Os fornos referidos pelo Autor encontram-se no interior da cozinha da casa que se encontra edificada no prédio propriedade do Réu.

Concluiu pedindo que se julgasse a ação improcedente.

Em 15/05/2022, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue: “Compulsados os autos ao proceder ao respetivo saneamento e analisados os factos alegados na petição inicial, suscita-se-nos que poderá, eventualmente, verificar-se a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido.

Nessa conformidade, antes de mais e em integral cumprimento do princípio do contraditório, notifique as partes para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre o exposto, o que se determina ao abrigo do disposto nos artigos 3º, n.º 3 e 6º, n.º 1 do CPC”.

O Autor pronunciou-se, sustentando que: “A casa que hoje pertence ao Requerente, encontra-se integrada no conjunto habitacional denominado “A ...”, a qual foi alienada, há várias décadas, por um familiar do Requerido e esteve na posse de T. C. e seus herdeiros até 07 de maio de 2020, data em que foi adquirida pelo Requerente, por escritura pública; a referida casa é servida de água corrente comum, que abastece as demais casas e desemboca em tanque existente no interior do conjunto habitacional e que também abastece a casa do Requerente para usos domésticos, o que vem acontecendo há mais de cem anos e se comprova por sinais visíveis e permanentes; a casa identificada no art. 3º da petição inicial pertencente ao requerido e integra um conjunto habitacional único; uma modificação ou demolição da casa do Requerente iria colidir com os direitos do Requerido, com alteração substancial de toda a unidade predial e com afetação do seu valor histórico e arquitetural, com manifesto prejuízo e afetação de todo o conjunto, que tem mais de 400 anos”.

Concluiu sustentando que o pedido que deduz é “adequado à previsão legal deste tipo de ação especial (divisão de coisa comum)”.

Por sua vez, o Réu pronunciou-se no sentido da petição inicial ser inepta, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, porquanto nela o Autor não alegou a existência de qualquer propriedade em comum ou em compropriedade e, por isso, não se entender o pedido de fixação de quotas de cada titular, sem previamente se identificar o prédio ou prédios relativamente aos quais se pretende fixar as quotas de cada titular.

Por despacho proferido em 31/05/2022, a 1ª Instância fixou o valor da presente causa em 5.000,01 euros e julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, constando esse despacho do teor que se segue (que aqui se transcreve apenas parcialmente): “Na situação sub judice, o autor intenta uma ação declarativa sob a forma de processo especial de divisão de coisa comum contra o réu. A este propósito, o artigo 925.º do CPC prescreve que todo aquele que pretende pôr termo à divisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.

Daí que, no âmbito da ação de divisão de coisa comum, na petição inicial, “o autor tem ainda o ónus de identificar o bem a dividir, alegar a relação de compropriedade (…) ou outra forma de comunhão de direitos sobre o concreto bem, especificar a posição relativa de cada consorte e as respetivas quotas e tomar posição sobre a divisibilidade (STJ 14-6.11, 1147/06 e STJ 14-10-04, 04B2961)” (neste sentido, v.g., Abrantes Geraldes, Pires de Lima e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 363).

Ora, transpondo estas considerações para o caso dos autos, analisados os factos alegados pelo autor na petição inicial, verificamos que o autor não identifica nem especifica quais as coisas ou direitos cuja divisão pretende, porquanto da análise da petição inicial não resulta se o autor pretende a divisão do(s) prédio(s) e/ou da água e/ou dos fornos que alega existir no local. Mais constatamos que o autor também não alega qual a relação de compropriedade ou de comunhão existente com o réu e que justifica a sua demanda, não indica a posição de cada consorte nem indica as respetivas quotas.

Na verdade, analisada a petição inicial, não se percebe qual(is) a(s) coisa(s) que o autor pretende dividir nem se percebe que relação existente entre o autor e o réu relativamente a essa(s) coisa(s) nem qual o direito que existe em comum.

De facto, no âmbito da presente ação especial de divisão de coisa comum, ao autor cabia alegar a situação de compropriedade ou de contitularidade, identificando a coisa ou direito a dividir, e cabia-lhe indicar as quotas de cada comproprietário ou contitular, o que in casu não foi cumprido pelo autor (cf. artigo 5.º, n.º 1 do CPC).

Do exposto resulta que a petição inicial não contém a alegação de factos essenciais que integram a causa de pedir que fundamenta a ação de divisão de coisa comum e o convite de aperfeiçoamento não seria solução para suprir tal vício da petição inicial, na medida em que “o convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível)”, o que não sucede na situação vertente nos autos (neste sentido, v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.09.2020, Proc. n.º 17500/18.9T8LSB.L1-2, disponível in www.dgsi.pt).

De igual modo, da petição inicial também não resulta qual(is) a(s) coisa(s) objeto de divisão, por em momento algum o autor ter formulado um concreto pedido nesse sentido, peticionando apenas que se “designe designar Perito Único a nomear pelo Tribunal, fixando-se as quotas de cada titular seguindo-se os demais termos até final”, assim formulando um pedido ambíguo e ininteligível que não permite perceber o seu conteúdo e alcance.

Pelas razões expostas, julgamos que os vícios da petição inicial a que supra aludimos não seria supridos pela prolação de qualquer convite ao aperfeiçoamento, na medida em que julgamos que “não é de convidar à correção da petição inicial (nos termos do art. 590º, n.ºs 2, al. b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição inicial seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma legal, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objeto desse convite à correção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a ação prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo” (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.10.2016, proc. n.º 203848/14.2YIPRT.C1, disponível in www.dgsi.pt).

Do exposto resulta que a causa de pedir e o pedido formulado pelo autor apresentam-se confusos, ambíguos e obscuros, não permitindo apreender qual é a causa de pedir nem qual é o pedido desta ação, o que é causa de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, nos termos previstos no artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC.

A exceção de ineptidão da petição inicial configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que importa a nulidade de todo o processado e dá lugar à absolvição do réu da instância (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea b) do CPC).

Nessa medida, impõe-se declarar a nulidade de todo o processado e absolver o réu da instância.

*Pelo que, em face do exposto e nos termos das disposições...

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