Acórdão nº 0544/15.0BALSB 0544/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. Nos presentes autos de “recurso contencioso”, vieram as 3 Sociedades Autoras – “B…………, Lda.”, “C…………, Lda.” e “D…………, Lda.” – alegando a sua qualidade de arrendatárias, impugnar contenciosamente, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 15/9/2003, dois atos administrativos da autoria do “Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais”: i) despacho de 31/3/2003 – que determinou, por violação do disposto no art. 4º do RJUE (DL nº 555/99, de 16/12), a demolição de “um barracão amplo a tijolo e cimento com aproveitamento de parte da cave (igualmente ampla) numa área total de 373 m2”, concedendo um prazo de 30 dias para demolição voluntária, sob pena de demolição a expensas do interessado nos termos previstos no art. 106º do mesmo diploma legal – notificado ao interessado/proprietário (A............) em 10/4/2003; e ii) despacho de 12/6/2003 – que determinou a posse administrativa da edificação em causa, sita junto ao nó da Auto-Estrada, São Domingos de Rana, ao abrigo do art. 107º do RJUE (DL nº 555/99, de 16/12) “a fim de ser realizada a demolição coerciva da construção”.

  1. Após a fase dos articulados – que incluiu contestação por parte da Autoridade Recorrida (cfr. fls. 70 e segs.) e resposta, por parte das Recorrentes, às questões prévias aí suscitadas (cfr. fls. 121 e segs.) –, e da apresentação de parecer do MºPº sobre as mesmas questões prévias (cfr. fls. 128vº), de alegações finais sucessivas das Recorrentes (cfr. fls. 134 e segs.) e da Autoridade Recorrida (cfr. fls. 173 e segs.) e de parecer final do MºPº (cfr. fls. 202), veio o proprietário A............

    , invocando essa qualidade de proprietário e de senhorio das Recorrentes, deduzir incidente de intervenção de terceiros, requerendo a sua “intervenção principal espontânea” (cfr. fls. 232 e segs.), nos termos dos arts. 311º e segs. do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º da LPTA, para intervir nos autos “ao lado das autoras, declarando aderir aos respetivos articulados (v. art. 313º do CPC)”, alegando ter “um interesse igual ao das Autoras para intervir ao lado destas, no quadro de um litisconsórcio voluntário (v. art. 32º do CPC)”.

    A Autoridade Recorrida pronunciou-se pelo indeferimento deste requerimento de “intervenção principal espontânea” (cfr. fls. 245 e segs.) e o MºPº, ouvido a fls. 255, pronunciou-se no sentido de nada obstar à requerida intervenção principal.

  2. Por decisão preliminar à sentença, o TAC/Lx. indeferiu, por despacho de fls. 260/261, a intervenção principal requerida por A.............

    E por sentença de fls. 262 e segs., o TAC/Lx. decidiu:

    1. Julgar improcedente a exceção de legitimidade ativa das Recorrentes; b) Julgar procedente a exceção de irrecorribilidade do despacho de 12/6/2003; c) Julgar o recurso extemporâneo; e d) Em consequência do decidido em b) e c), rejeitar o recurso.

  3. Da decisão referida em 3., de indeferimento da “intervenção principal espontânea”, vem interposto recurso jurisdicional, para este STA, por parte do Requerente A............, nos termos dos arts. 102º e segs. da LPTA, aplicáveis “ex vi” do art. 5º da Lei 15/2002, de 22/2, e do art. 26º nº 1 b) do ETAF, redação do DL nº 129/84, de 27/4 com as alterações do DL nº 229/96, de 29/11, aplicável “ex vi” do art. 2º da Lei nº 13/2002, de 19/2.

  4. E da sentença, também referida em 3., vem interposto recurso jurisdicional, para este STA, por parte das 3 Sociedades Recorrentes, ao abrigo das mesmas normas da LPTA e do ETAF citadas.

  5. Quanto ao recurso jurisdicional referido em 4., o ora Recorrente A............ apresentou alegações que terminou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 315 e segs.): «1.ª – Ao indeferir o incidente de intervenção principal espontânea requerido pelo ora recorrente, a decisão “sub judice” enferma de erro de julgamento e faz incorreta interpretação e aplicação dos artigos 311.º, 312.º e 313.º do CPC, violando ainda os princípios do acesso à justiça e à tutela judicial efetiva (arts. 20.º e 268.º/4 da CRP).

    1. – A intervenção principal espontânea regulada nos artigos 311.º, 312.º e 313.º do CPC é admissível no contencioso administrativo de impugnação de atos administrativos por via da aplicação subsidiária das citadas normas do Código do processo civil (v. arts. 1.º do CPTA e 1.º da LPTA), sendo admitida para tutela de uma situação subjetiva própria, embora paralela à alegada pelo autor.

    2. – Os interesses do interveniente (ora recorrente) são interesses substantivos e processuais convergentes com os das autoras do recurso contencioso de anulação, ligados à declaração de nulidade ou à anulação dos atos impugnados, no sentido de não ser demolida a edificação, de vir a ser legalizada a mesma e de assegurar a sua função.

    3. - Ao contrário do entendimento expresso na decisão recorrida, o incidente de intervenção espontânea requerido pelo ora recorrente, aderindo aos articulados da parte litisconsorte, foi deduzido em momento processual próprio e em fase processual adequada em face do disposto no artigo 313.º do CPC.

    4. – “Constitui um erro técnico afirmar que a não interposição de recurso pelos interessados dentro do prazo legal produz sanação imediata do ato em causa ou faz perder aos interessados o direito de impugnar” – cfr. Diogo Freitas do Amaral, “Da admissibilidade do incidente de intervenção principal em recurso de anulação no contencioso administrativo”, in Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, p. 280.

    5. – O direito de intervenção principal espontânea não está condicionado pelo facto de o terceiro eventualmente já não estar em prazo para proceder à impugnação, pois que “como o ato já está impugnado, não é passível de se consolidar, pelo que não se justifica impedir o terceiro de se vir juntar ao autor na impugnação já em curso” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, pág. 82.

    Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, admitindo-se a intervenção do recorrente ao lado das autoras do recurso contencioso de anulação, com as legais consequências.

    Assim se decidindo será cumprido o Direito e feita Justiça!».

  6. A Autoridade Recorrida apresentou contra-alegações, relativamente a este recurso jurisdicional interposto pelo Requerente A............, que terminou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 331 e segs.): «

    1. O Recorrente foi notificado dos atos impugnados em 10 de Abril de 2003, optando por não os impugnar.

    2. Decorridos 11 anos desde a propositura da ação pelas Autoras e sabendo que se discute a ilegitimidade das mesmas precisamente porque A............ não é parte no processo, este vem deduzir incidente de intervenção principal provocada, para intervir ao lado das Autoras.

    3. Isto numa fase em que o processo estava concluso, sendo por isso manifestamente impossível à Entidade Recorrida fazer valer a sua defesa perante A.............

    4. De referir que A............ vem acompanhando o processo enquanto sócio ou gerente das sociedades Recorrentes (B…………, Lda., C…………, Lda. e D…………).

    5. Pelo que nenhum outro motivo, para além da tentativa de retardar a execução da sentença, se vislumbra para que A............ tenha requerido a intervenção no processo imediatamente antes da prolação da sentença.

    6. Estando finda a fase dos articulados a Entidade Recorrida já não tinha oportunidade de fazer valer a sua defesa perante o Recorrente.

    7. A presença do proprietário do prédio no processo teria justificado uma distinta e particular orientação da linha de defesa adotada pelo Recorrido ao longo destes 11 anos, pois que se revela naturalmente diferente contestar uma ação perante arrendatários de um prédio com ordem de demolição, que nem lograram provar tal qualidade, do que perante o proprietário do prédio.

    8. Assim, não pode deixar de se considerar inadmissível a intervenção do Recorrente, atento o disposto no art.º 313.º, nº 4 do Código de Processo Civil.

    9. Está também demonstrado que, a ser aceite a intervenção do Recorrente, incorrer-se-ia na violação do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil) “por se atender a uma configuração da relação material controvertida diferente da vertida nos articulados e nas alegações e sobre a qual nunca foi dada possibilidade ao Recorrido de se pronunciar e apresentar defesa em conformidade” (vide Sentença recorrida, p. 2).

    10. A proceder a intervenção espontânea requerida pelo Senhor A............, a Entidade Recorrida ficaria numa posição desigual perante o mesmo, já que não teria oportunidade de se defender perante o proprietário do edifício a demolir, atenta a fase do processo à data da intervenção (art.º 4.º do Código de Processo Civil).

    11. A intervenção principal (espontânea ou provocada) não pode servir o propósito de colmatar uma negligente atuação processual.

    12. Ora, a intervenção do Recorrente configura uma forma ardilosa de contornar a caducidade do direito de ação relativamente ao próprio.

    13. Reputa-se abusivo que, decorridos 11 anos desde a propositura da ação sem que o Senhor A............ interviesse, seja aproveitado o meio da intervenção principal espontânea para contornar o problema da ilegitimidade (suscitado, “ab initio”, pela Entidade Recorrida) e da caducidade do direito de ação.

    14. Com efeito, a intervenção do Recorrente A............ “modificaria irremediavelmente os contornos da questão da ilegitimidade ativa” e ainda, sublinhe-se, afastaria de forma legalmente inadmissível a caducidade do direito de ação.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, Assim se fazendo Justiça!».

  7. Quanto ao recurso jurisdicional, da sentença, referido em 5., as ora Recorrentes “B............, Lda.”, “C............, Lda.” e “D............, Lda.” apresentaram alegações que terminaram com as seguintes conclusões (cfr. fls. 291 e segs.): «1.ª – A decisão de...

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