Acórdão nº 01229/11.1BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A…….

, residente no ……., ….., 2200 – …, Mouriscas, intentou no TAC de Lisboa contra o Estado Português e o Ministério da Justiça, acção administrativa comum, sob a forma ordinária, pedindo “a condenação do Ministério da Justiça a decidir, no prazo de trinta dias, o requerimento que dirigiu ao Ministro da Justiça, em 12 de Outubro de 2009, ou, em alternativa, a pagar ao Autor a indemnização requerida através desse requerimento, no montante de 60.000€, e a condenação do Estado Português a pagar ao Autor uma indemnização, por danos não patrimoniais, decorrentes da violação do dever legal de decidir, em prazo razoável, o procedimento administrativo tendente à concessão da indemnização que requereu ao Ministro da justiça em 12 de Outubro de 2009, no valor total de €250 mensais, a partir de 12 de Outubro de 2009, até à conclusão do procedimento, bem como, honorários de mandatário judicial, no montante de €3.500.”*Por decisão do TAC de Lisboa, de 30 de Novembro de 2017, foi julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenado o Ministério da Justiça a decidir, no prazo de 30 dias, o pedido de concessão da indemnização prevista no nº 1, do artigo 2°, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro, que o Autor dirigiu ao Ministro da Justiça em 12.10.2009, e o Estado Português a pagar ao Autor as despesas com honorários de mandatário judicial na presente ação em montante a liquidar em incidente de liquidação”.

*O Autor apelou para o TCA Sul, que por acórdão datado de 03 de Março de 2022, concedeu parcial provimento ao recurso, condenando o Estado Português no pagamento ao Autor, de indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de 10.000€, mantendo-se o demais decidido em 1ª instância.

*O Estado Português, inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «I - Da admissibilidade do recurso de revista e seus fundamentos 1ª - Justifica-se, a nosso ver, a intervenção desse mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao erro de julgamento evidente do Venerando Tribunal recorrido na aplicação do direito e deste aos factos, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos relevantes e para dissipar dúvidas sobre a matéria de direito em apreço e sobre o quadro legal que a regula.

  1. - Estamos perante um contencioso que envolve o Estado Português, havendo interesses patrimoniais públicos relevantes, a suportar pelos contribuintes e sendo crucial a apreciação das questões em apreço, podendo subsistir dúvidas no seu tratamento, sendo de salientar a utilidade que a revista pode vir a ter noutras situações semelhantes, natural e expectavelmente repetíveis, para delimitar a interpretação a dar aos preceitos invocados.

  2. - O entendimento do Acórdão recorrido é gerador de sérias dúvidas, sendo claramente afastado por muita jurisprudência [Acs. do TCAS de 18/3/2021 (Pº 865/16.4BELSB) e do STA de 10/2/2022 (Pº 01473/18.0BELSB) e de 5/7/2018 (Pº 0259/18), todos in www.dgsi.pt.], podendo, aliás, qualificar-se como suscetível de integrar um «erro flagrante de interpretação do direito».

  3. - Depois, o litígio subjacente ao procedimento administrativo em análise (que correu termos na COMISSÃO DE PROTECÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES do Ministério da Justiça), para efeitos jurídicos, não se trata de “administração da justiça” e não se equipara à demora de prolação de uma decisão judicial ou jurisdicional, dada a patente destrinça sobre a realidade fáctica e jurídica existente entre ambos, e nada tem a ver com o conceito e âmbito de aplicação constantes no art. 6º/1 da CEDH sobre “direitos e obrigações de carácter civil”, o qual apresenta, daí, um espectro de incidência menor que o do art. 20º/4 da CRP.

  4. - E, não tendo havido violação da CEDH, é inaplicável a jurisprudência do TEDH sobre a presunção de verificação de danos não patrimoniais nas situações de atraso na prolação da decisão, mesmo, diga-se, em certas situações na administração da justiça, não podendo, por outro lado, proceder a presente Ação, já que foram considerados não provados os factos suscetíveis de permitirem a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais.

  5. - Quanto à condenação em custas de parte, o Acórdão sob impugnação, também errou ao relegar para incidente de liquidação a liquidação das despesas com honorários, dando, assim, como assente a existência de danos decorrentes de custas de parte, já que as mesmas a terem, eventualmente, lugar, só poderão ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos nos artºs 529º e 533º do CPC e 25º e 26º do RCP, não devendo figurar, por isso, na condenação.

  6. - Acresce que, não se confundindo a pessoa coletiva do Estado com um dos seus ministérios, existindo, no presente caso, uma cumulação de pedidos em que o Ministério da Justiça foi condenado no primeiro e principal pedido (a decidir em 30 dias o pedido de concessão da indemnização prevista no art. 2º/1 do DL 423/91, de 30/X), por força do estatuído no arts. 10º/7 e 89º, nºs 1 e 2, al. e) do CPTA, deverá o Estado ser declarado parte ilegítima e absolvido da instância.

  7. - Pelo que, o douto Acórdão recorrido ofendeu, a nosso ver, o preceituado nos artºs 7º, nº 1 da Lei n.º 67/2007, de 31/12, 342º, nº1 e 483º, do C. Civil, 529º e 533º do CPC, 25º e 26º do RCP e 10º/7 e 89º, nºs 1 e 2/e) do CPTA, devendo ser revogado e substituído por outro que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, quanto ao Estado Português e o absolva da totalidade do pedido, ou o absolva da instância.»*O Autor, ora recorrido, contra-alegou, concluindo: «a) Não pode ser admitido o recurso de revista, relativamente, à questão da legitimidade e dos honorários a liquidar, por já ter transitado.

  1. A questão da indemnização por danos não patrimoniais, não pode merecer qualquer censura – até peca por defeito e como o valor fixado é inferior ao da Alçada do Tribunal Central Administrativo, o recurso não pode ser admitido.

  2. Motivo, pelo qual, deve ser rejeitado liminarmente o presente recurso.

    Mas Vossas Excelências farão a costumada Justiça.

    »*O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 23 de Junho de 2022, em que se decidiu a questão B) das contra-alegações (parte final).

    *Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

    * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte: «

    1. No dia 11 de fevereiro de 2009, o Autor foi vítima de crimes de ofensa à integridade física qualificada, roubo agravado, sequestro agravado e burla informática (cf. documentos de fls. 15, e seguintes, do processo físico, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

    2. Foram acusados e condenados pela prática dos referidos crimes os arguidos B…….., C…….., D……., E……… e F………, por acórdão de 08 de julho de 2010, proferido no Processo nº ……, do 3º Juízo da Comarca de Abrantes - Círculo Judicial de Abrantes, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: «(...) Fundamentação de facto: O Tribunal julga provados os seguintes factos com interesse para a decisão: (...) No dia 10 de Fevereiro de 2009, a partir da hora de jantar, os arguidos B….., D……, C……. e E…… combinaram entre si que o B……. e o C……. se dirigiriam à casa de habitação da G…….. e do A……., sita no ….., ……, nesta comarca, com a intenção de ali entrarem e de se apoderarem de objetos e valores que aí pudessem encontrar.

    (…) Chegados à casa dos ofendidos, pelas 1:30 horas, o arguido C……. partiu com um soco um vidro da janela da cozinha da habitação, que dista do solo cerca de 1 metro, com estrutura em ferro e vidro, e dessa forma logrou abrir o fecho (trinco) da mesma, que abriu, entrando ambos, de seguida, no interior da habitação. O arguido C……entrou na aludida habitação empunhando a faca, enquanto o arguido B…… segurava a réplica de revólver de plástico. Logo após, os arguidos foram surpreendidos no interior da habitação por A……., que apontou uma caçadeira e disparou um tiro para o ar, conseguindo inicialmente afugentar o arguido C…… Pouco depois, o A…… foi surpreendido pelo arguido B….., que o segurou por trás, lhe tirou a caçadeira e lhe apontou a réplica de revólver de plástico, após o que um dos arguidos lhe apontou a faca ao pescoço.

    Ato contínuo, o arguido B….. empurrou o A….., atirando-o ao chão, e, de seguida, espancou-o com pontapés na cabeça e no olho esquerdo e em diversas outras partes do corpo. Logo que derrubaram o A……, os arguidos amarraram as mãos e os pés daquele e da G…….. com fita-cola larga, impedindo-os de qualquer reação, inclusive de pedir auxílio exterior.

    De seguida os arguidos exigiram ao A…… e à G…… que lhes entregassem todo o dinheiro e ouro que tivessem na sua posse, dizendo-lhes o arguido C….., para reforçar o seu propósito, que se não o fizessem seriam ambos mortos.

    De igual modo exigiram os arguidos ao A…… e à G….., sempre pela voz do arguido C…….., que lhes dessem os cartões de multibanco que possuíssem.

    Os ofendidos, agredidos na forma acima descrita, intimados com foros de seriedade com a arma apontada, temendo assim pelas suas vida e integridade física, foram forçados a cumprir a ordem dada e, contra a sua vontade, entregaram aos arguidos (...) O arguido C……. exigiu a revelação do código do cartão multibanco que o A…… tinha na carteira, titulado pela sua mulher G……, dizendo que se não indicassem o código certo, voltariam ao local e os matariam.

    O A……….. acedeu em revelar tal código, por já recear pela sua vida, abandonando então os arguidos o local na posse dos aludidos bens e valores. (...) Porém, antes de abandonarem a casa e quando já tinham em seu poder os objetos, valores e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT