Acórdão nº 14695/20.5T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução12 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa I–Veem os Autores, AAA e BBB, nos termos do art.º 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, reclamar para a conferência da decisão sumária proferida a fls., requerendo que sobre a matéria da mesma recaia um acórdão.

Concluem, para tanto e em síntese, que: – Na sentença recorrida foi enunciado que “A questão em apreço nos presentes autos reside em apreciar se os pagamentos efectuados a título de trabalho nocturno e de trabalho suplementar têm natureza retributiva e consequentemente se devem estar reflectidos nos pagamentos de férias e subsídios de férias ou se prevalece o Acordo de Empresa (AE) nessa matéria, o qual expressamente não o prevê.” – São factos essenciais os seguintes: a R. pagou ou não pagou aos AA. nas remunerações de férias e de subsídio de férias, os valores recebidos pela prestação do trabalho suplementar e pela prestação do trabalho noturno? – Na audiência de julgamento, por entendimento entre as partes foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos: “8. No entanto, a ré nunca pagou aos autores AAA e BBB nas remunerações de férias e de subsídio de férias, os valores auferidos pela prestação do trabalho suplementar e pela prestação do trabalho nocturno”.

– A ré apenas pagou aos autores AAA e BBB nas remunerações de férias e de subsídio de férias, a remuneração base, as diuturnidades e o subsídio de turno.” – A sentença recorrida decidiu também considerar não provados os seguintes factos: “a)-Que o autor AAA tenha desenvolvido actividade a título de trabalho nocturno e a título de trabalho suplementar.

b)-Que, para além do acima exposto em 12º e 13º dosfactos provados, o autor BBB tenha desenvolvido em outros momentos a sua actividade a título de trabalho nocturno.

c)-Qual - para além do acima exposto em 12º e 13º dos factos provados - o concreto número de horas em que o autor BBB tenha, ao longo de cada ano em que o respectivo contrato de trabalho foi executado, desenvolvido a sua actividade a título de trabalho suplementar.” - Apesar de entender que as prestações do trabalho suplementar e do trabalho noturno têm natureza retributiva e que devia ter-se em conta a média dos valores que os trabalhadores recebiam em pelo menos seis meses do ano (diferentemente até do pedido dos AA. que é a média dos doze meses anteriores aos meses em que gozaram férias), de modo surpreendente a sentença recorrida decidiu absolver a R. dos pedidos.

- A sentença recorrida constitui uma decisão surpresa, na medida em que os factos dados como não provados não são factos essenciais, não são factos de cuja verificação depende o atendimento do pedido, nem sequer são factos complementares ou factos concretizadores, mas foi com base nestes factos ou elementos dados como não provados que a sentença recorrida absolveu a R. dos pedidos.

- A decisão surpresa não é permitida pelo disposto no nº 3 do artigo 3º do CPC, sendo a consequência para a violação do preceituado neste artigo, a nulidade da sentença por força do disposto no artigo 195º do CPC - cláusula geral sobre a nulidade dos atos. - Deve por isso ser declarada a nulidade da sentença recorrida, por violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do CPC, uma vez que se o Mmo. Juiz a quo entendia que existia matéria controvertida relevante devia tê-la selecionado e permitir às partes a apresentação de meios de prova e a subsequente realização da audiência final.

- Mesmo que não se entenda assim, a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente a lei, por outras razões.

- Nos presentes autos as partes alegaram os factos essenciais, por um lado aqueles que são absolutamente indispensáveis à procedência da ação e que constituem a causa de pedir e, por outro lado aqueles em que se baseia a defesa.

- O que significa que, de acordo com o princípio do dispositivo (cfr. artigo 5º do CPC) estão estabelecidos os limites da decisão do juiz – aquilo que, dentro do âmbito de liberdade e de disponibilidade das partes, estas lhes pediram que decidisse.

- Acontece que os factos essenciais já tinham sido dados como provados, pelo que não havia nenhuma prova a inferir de quaisquer hipotéticos factos instrumentais.

- O juiz pode ainda atender aos factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que lhes tenha sido dada a possibilidade de sobre eles se pronunciarem (artigo 5º, nº 2, alínea b) do CPC).

- Se fosse o caso, se tivessem resultado da instrução factos complementares ou concretizadores e pretendendo o juiz servir-se deles na decisão, devia ter comunicado essa decisão às partes antes de efetuar o respetivo aproveitamento, concedendo-lhes a possibilidade de se pronunciarem sobre a qualificação dos factos em si mesmo e as razões do seu aproveitamento, conforme resulta do artigo 5º, nº 2, alínea b) do CPC.

- O Mmo. Juiz a quo, ao servir-se na decisão de factos dados como não provados e em resultado disso ter absolvido a R. dos pedidos, violou o princípio do dispositivo.

- E efetuou um erro de julgamento, porque ao se ter baseado em factos dados como não provados, quando não os podia ter considerado em virtude de os factos estarem provados por acordo das partes, violou o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no artigo 607.º, n.º 5 in fine do CPC.

- A sentença recorrida efetuou ainda um erro de julgamento porque ao se ter baseado em factos dados como não provados e não ter comunicado essa decisão às partes antes de efetuar o aproveitamento dos mesmos, concedendo-lhes a possibilidade de se pronunciarem sobre a qualificação dos factos em si mesmo e as razões do seu aproveitamento, violou o princípio do dispositivo estabelecido no artigo 5º, nº 2, alíneas a), b) e c) do CPC.

- A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que reconheça que os pagamentos efetuados pela R. aos AA. a título de trabalho suplementar e de trabalho noturno têm natureza retributiva e devem ser refletidos nas respetivas retribuições de férias e de subsídio de férias, condenando a R. nos pedidos formulados, seguindo-se os demais trâmites até final.

- Ao ter negado provimento ao recurso e confirmado a sentença recorrida, a decisão singular e sumária interpretou erradamente a lei e violou o disposto nos artigos 3º, nº 3, 5º, nº 2, alíneas a), b) e c), 590º, nº 4 e 607º, nº 5 in fine do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por uma decisão colegial através de acórdão que dê razão às pretensões dos apelantes.

II–A Ré respondeu à reclamação, aduzindo, em suma que: - Os AA., Recorrentes, limitam-se a repetir os mesmos argumentos e fundamentos que já haviam expendido nas Alegações de Recurso, nomeadamente, por a Sentença “se ter baseado em factos dados como não provados.” - Pelo contrário, tanto a Sentença da 1.ª Instância como a Decisão Singular assentam os seus fundamentos nos factos provados enunciados nos pontos 1 a 15 da matéria de facto.

- Cabia aos AA., Recorrentes, o ónus da prova e nada provaram quanto à factualidade que seria absolutamente necessária e decisiva para que as suas pretensões merecessem provimento, nomeadamente, que tivessem recebido, de forma regular e periódica, pelo menos em onze meses que antecedem os 12 meses imediatamente anteriores ao mês do gozo de férias, prestações a título de trabalho nocturno e trabalho suplementar.

-Como nada provaram não lhes assiste qualquer razão ou fundamentos para que, em Conferência, o douto aresto seja modificado; pelo contrário deve ser confirmado.

- No demais, a Recorrida remete para as suas Contra-Alegações já proferidas no âmbito do Recurso que aqui dá por reproduzidas.

Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

III–Na decisão recorrida consignou-se o seguinte: “1.–Relatório 1.1.

–AAA e BBB, no âmbito da presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo Comum, pedem a condenação da CCC, nos seguintes termos: 1– Reconhecimento do carácter retributivo dos pagamentos que efectua/efectuou aos Autores a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno desde a data da respectiva admissão na empresa até à data do trânsito em julgado da Decisão nos presentes autos e ainda nos anos subsequentes.

2–No pagamento aos Autores das diferenças salariais na retribuição de férias e de subsídio de férias, resultantes da inclusão nestas dos valores médios por eles recebidos a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, calculadas pelos doze meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias, desde a data da respectiva admissão na empresa até à data do trânsito em julgado da decisão nos presentes autos.

3–No pagamento aos Autores nos anos subsequentes, na retribuição de férias e de subsídio de férias, os valores médios por eles recebidos a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, calculados pelos doze meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias.

4–No pagamento aos Autores dos juros de mora calculados à taxa legal, sobre as quantias mencionadas em 2), contados desde a data em que as retribuições de férias e subsídio de...

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