Acórdão nº 24/22.7YFLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução10 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 24/22.7YFLSB Relator – Juiz Conselheiro Manuel Capelo Adjunta – Senhora Juíza Conselheira Maria João Tomé Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Rijo Ferreira Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da cunha Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Ramalho Pinto Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro António Gama Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Barateiro Martins Presidente da Secção do Contencioso do STJ – Senhora Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Acordam em Conferência no Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça AA cidadão de nacionalidade ..., residente em ..., ..., ... ..., ..., e BB, cidadão de nacionalidade ..., residente em ..., ..., ..., ..., ..., vêm requerer contra o Conselho Superior da Magistratura e identificando como contrainteressados CC, com domicílio profissional na Av. ..., ... -..., ... ...; DD com domicílio profissional na Rua ... - ... – ... ... – ... ...; e EE, com domicílio profissional na Av. ..., ... -..., ... ...

providência cautelar de suspensão (parcial) de eficácia de atos administrativos nos termos previstos nos artigos 169.º, 170.º, n.º 1, 171.º, n.º 4, 172.º, n.º 2 e 174.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (“EMJ”), e nos artigos 2.º, n.º 1, 10.º, n.º 2, 112.º, n.os 1 e 2, alínea a) e 114.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), com o efeito de proibição de execução dos atos determinado pelos nºs 2 e 3 do 128.º do mesmo diploma, consubstanciados nas decisões do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 5 de julho de 2022 e de 6 de setembro de 2022 na parte em que determinaram: 1) A suspensão do exercício de funções do Dr. CC como titular do lugar de J... , desapossando-o, ilegalmente desse lugar e afetando-o, abstratamente, ao Tribunal Central de Instrução Criminal; 2) O sequente preenchimento do lugar de J... por outro magistrado, em comissão de serviço; 3) A afetação, a um magistrado em substituição, desse mesmo lugar.

… … Em síntese invocam como fundamento para a pretensão que deduzem: - serem os requerentes arguidos num processo penal que vem correndo termos sob o número 324/14...., no Departamento Central de Investigação Criminal e no Tribunal Central de Instrução Criminal; - no dia 14.07.2020 foi deduzida acusação pública, tendo sido imputada aos Requerentes a prática de diversos crimes, previstos e puníveis pelo ordenamento jurídico-penal português; - os Requerentes foram notificados da acusação em março de 2021 e requereram a abertura da instrução, tendo sido o Dr. CC, que como juiz titular do lugar J... do TCIC, quem, em janeiro de 2022, declarou aberta a instrução e fez uma programação dos atos de instrução a realizar, determinando a respetiva sequência; - em março de 2022, torna-se pública a existência de um processo disciplinar em que é visado o Dr. CC.

- no Projeto do Movimento Judicial Ordinário de 2022 – Tribunais de Primeira Instância, de 15 de junho de 2022 aparece a indicação do Dr. DD como colocado, definitivamente, no lugar de Juiz ... no TCIC indicando, desde logo, a manutenção da Comissão de Serviço, isto é: o exercício das funções de Juiz Presidente da Comarca ....

- no mesmo projeto de Movimento Judicial Ordinário de 2022 consta, a colocação do Dr. EE no Tribunal Central Instrução Criminal na Vaga de Auxiliar de substituição de titular - em 22 de junho de 2022, através da Divulgação n.º 123/2022, de 22 de junho de 2022, do CSM, a 2.ª versão do Movimento Judicial Ordinário – 2022 para os Tribunais de Primeira Instância manteve sem modificação, no que respeita ao lugar de Juiz ... do TCIC e às movimentações, as colocações dos contrainteressados Drs. DD e EE; - na Divulgação n.º 136/2022, de 6 de julho de 2022, o CSM consignou a decisão respeitante ao Movimento Judicial Ordinário – 2022, para os Tribunais da Relação e Tribunais de Primeira Instância, aprovado por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 05 de julho de 2022 e no que respeita ao Dr. CC, a promoção do lugar de Juiz ... no TCIC, para o Tribunal da Relação ... - Secção ... -Lugar de Efetivo - Promoção e Colocação.

- O CSM deliberou por unanimidade “Afetação em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação Em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação do Exmo. Sr. Juiz Dr. CC, foi deliberado por unanimidade afetar este Exmo. Sr. Juiz ao Tribunal Central de Instrução Criminal, a fim de prolatar a decisão instrutória relativa ao processo 5432/15...., uma vez que iniciou o debate instrutório no mesmo processo.

Mais foi deliberado por unanimidade que o Exmo. Senhor Juiz Dr. EE, colocado no Movimento Judicial Ordinário de 2022 como juiz auxiliar de substituição no Tribunal Central de Instrução Criminal, o qual foi posteriormente afeto por decisão de 31 de agosto de 2022 ao lugar de J..., em substituição do titular que se encontra em comissão de serviço, ficará afeto ao processo n.º 324/14...., bem como ao processo n.º 122/13...., mantendo-se a suspensão da distribuição ao lugar de J... de modo a permitir que o Sr. Juiz fique afeto aos referidos processos, em regime de exclusividade.

Mais foi deliberado por unanimidade manter a suspensão da distribuição ao lugar de J... do Tribunal Central de Instrução Criminal até 15 de julho de 2023, por se manterem os pressupostos que fundamentaram a atribuição desta suspensão.” Os requerentes imputam a estes atos ilegalidade por desrazoabilidade e desnecessidade; resultarem para eles como arguidos no processo os prejuízos irreparáveis resultantes da eficácia desses mesmos atos; ser ilegal a interpretação e aplicação da suspensão da promoção do Dr. CC e ilegal a movimentação para o lugar de Juiz ... consistindo os atos suspendendo numa situação “de “ocupação” do lugar de Juiz ... por um juiz destacado, e, portanto, necessariamente, sem as habilitações para o cargo, pois que estes, evidentemente, não concorrem para ser auxiliares em substituição, poderá manter-se durante vários anos, pelo menos enquanto durar a comissão de serviço daquele que foi nomeado como titular efetivo do lugar de Juiz ....

… … Na apreciação liminar do requerimento foi o procedimento cautelar rejeitado liminarmente, por decisão do relator, nos termos do art. 116 nº1 al.b) do CPTA com fundamento na ilegitimidade dos requerentes para interpor a providência.

… … Os requerentes, notificados desta decisão, vieram “reclamar para a conferência” arguindo a nulidade da decisão singular nos termos do art. 615 nº1 al. d) do CPC por ela constituir uma decisão surpresa em virtude de não se ter cumprido o contraditório; no mais, o requerimento da “reclamação”, pretende que o Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie coletivamente sobre o requerimento inicial da providência requerida (alterando a decisão singular proferida) aduzindo os argumentos que em seu entender concorrem para que se proceda a tal alteração.

… … Apreciando e decidindo a nulidade arguida, temos presente que o art. 3º nº2 do CPC estabelece que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir de questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação e acompanhamento efetivos das partes no desenrolar do litígio possibilitando-lhes a influência quer no âmbito da alegação da matéria de facto, quer no âmbito das provas quer quanto ao direito – vd. Lebre de Freitas in Estudos sobre direito civil e processo civil. Coimbra: Coimbra Editora, pág. 17 a 19 e Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais, 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, pág. 107. O princípio do contraditório passou a compreender quer o direito ao conhecimento e pronúncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão existentes no processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical). E por esta razão, o nº 3, do citado artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.

Todavia, a redação desse preceito exceciona do contraditório os casos de “manifesta desnecessidade” e na delimitação deste limite Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares (…) e que não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação” – in “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 10.

A...

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