Acórdão nº 1139/18.1T8PTG-S.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA MARGARIDA LEITE
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1139/18.1T8PTG-S.E1 Juízo Local Cível de Portalegre Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório Por sentença de 23-10-2018, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA e de BB, casados um com o outro, melhor identificados nos autos.

Por despacho de 17-12-2018, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante pelos mesmos formulado, tendo-se determinado a entrega ao fiduciário nomeado do rendimento disponível que os devedores venham a auferir nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, com exclusão da quantia mensal equivalente a duas vezes a remuneração mínima mensal garantida.

Por despacho de 20-04-2022, foi considerado findo o período de cessão de rendimento disponível, com fundamento no estatuído no artigo 10.º, n.º 3, da Lei n.º 9/2022, de 11-01.

A fiduciária nomeada apresentou parecer, em 14-05-2022, no qual consignou que os devedores prestaram a informação e a colaboração necessárias para elaboração dos relatórios anuais, bem como que não houve rendimento disponível a ceder durante o período de cessão e que os insolventes cumpriram as obrigações a que estavam sujeitos, pronunciando-se no sentido da concessão da exoneração do passivo restante.

Notificados para o efeito, os credores não se pronunciaram sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante dos devedores.

Os devedores pugnaram pela concessão da exoneração do passivo restante.

Por despacho de 06-06-2022, foi determinado o seguinte: Sendo do meu conhecimento funcional que os insolventes foram condenados, por sentença transitada em julgado, no apenso de qualificação de insolvência, da sociedade G..., Lda., que correu termos no J1 destes Juízos Cíveis, sob o n.º de processo 1138/18.3T8PTG-A, determino se extraia do respectivo processo certidão da referida sentença, com nota de trânsito em julgado.

Foi junta aos autos certidão da decisão indicada no citado despacho.

Por despacho de 08-06-2022, foi determinado o seguinte: Uma vez que a condenação dos insolventes que antecede é susceptível de determinar a recusa da exoneração do passivo restante, nos termos dos artigos 238.º, n.º 1, alínea e), 243.º, n.º 1, alínea b) e 244.º, n.º 2, todos do CIRE, dado que grande parte dos créditos da insolvência estão directamente relacionados com o exercício da gerência, por parte dos insolventes, da sociedade G..., Lda., cuja insolvência foi declarada culposa, e os insolventes pessoalmente afectados pela mesma, fixando-se o seu grau de culpa a título de dolo directo e intenso, determino a notificação dos insolventes, do Sr(a). Fiduciário(a), e dos credores, para, querendo, em dez dias pronunciarem-se, após o que o tribunal proferirá decisão.

Notifique.

Notificados, os credores da insolvência não se pronunciaram e a fiduciária nomeada veio aos autos informar o seguinte: «(…) face à sentença sobre o incidente de qualificação da insolvência como culposa da empresa G..., Lda., que afetou os gerentes AA e BB, dada a sua culpa, nos termos do artigo 186.º do CIRE, não deverá ser concedida a exoneração do passivo restante, dando sem efeito a anterior posição da fiduciária através de requerimento apresentado em Maio p.p.».

Os devedores, por seu turno, pronunciaram-se no sentido da concessão da exoneração do passivo restante, sustentando, além do mais, que a recusa de tal concessão não foi requerida por qualquer credor, nem pela fiduciária, não podendo o tribunal recusar oficiosamente a exoneração do passivo restante sem que tal tenha sido requerido por algum credor da insolvência ou pelo fiduciário.

Por decisão de 03-07-2022, foi recusada a exoneração do passivo, nos termos seguintes: Face ao exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 238.º, n.º 1, alínea e), 243.º, n.º 1, alínea b) e 244.º, n.º 2, todos do CIRE, RECUSO A EXONERAÇÃO DEFINITIVA DO PASSIVO RESTANTE DOS INSOLVENTES AA, e mulher BB.

Notifique, publicite e registe (cfr. artigo 247.º do CIRE).

Inconformados, os devedores interpuseram recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por decisão que lhes conceda a exoneração do passivo restante, terminando as alegações com as conclusões que se transcrevem: «1. A sentença de recusa da exoneração do passivo restante dos Recorrentes, objeto do presente recurso, consubstancia uma interpretação e aplicação erradas da Lei.

  1. A Lei estabelece que a exoneração apenas pode ser recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente (cfr. artigo 244.º, n.º 2, do CIRE).

  2. Sobre os fundamentos e requisitos da cessação antecipada, a Lei estabelece que a recusa da exoneração apenas pode ocorrer a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor (cfr. artigo 243.º, n.º 1, preâmbulo, do CIRE).

  3. E, por outro, a cumular aos requisitos referidos, a Lei estabelece ainda taxativamente os casos que legitimam uma eventual cessação antecipada do procedimento de exoneração, a saber quando: ⎯ O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência; ⎯ Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente; e ⎯ A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.

    (cfr. artigo 243.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CIRE) 5. No caso “sub judice” não se verificam nem os requisitos (requerimento fundamentado por parte de algum credor da insolvência ou do fiduciário), nem os fundamentos estabelecidos taxativamente pela Lei (alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 243.º do CIRE) para que o Tribunal “a quo” pudesse recusar a exoneração.

    ⎯ Da falta de requerimento para a recusa da exoneração.

  4. Para começar, a questão da suscetibilidade de recusa da exoneração do passivo restante aos Recorrentes foi levantada oficiosamente pelo Tribunal “a quo” por despacho de 08/06/2022, uma vez que, em tal data, nenhum requerimento (e menos ainda fundamentado) para a recusa da exoneração tinha sido apresentado nem por parte de algum credor da insolvência, nem por parte do fiduciário (cfr. autos).

  5. O que constava nos autos, na data do referido despacho, era antes um parecer da senhora Fiduciária a favor da concessão da exoneração do passivo restante aos Recorrentes (cfr. parecer da Fiduciária de 14/05/2022, constante dos autos).

  6. O Tribunal “a quo” não se podia ter substituído aos credores, nem ao Fiduciário na iniciativa que lhes foi exclusivamente atribuída por Lei e que é imperativamente exigida pelo legislador para que possa haver recusa da exoneração do passivo restante (cfr. artigo 243.º, n.º 1, preâmbulo, ex vi do artigo 244.º, n.º 2, ambos do CIRE e cfr., no mesmo sentido, excerto acima transcrito do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/10/2021).

  7. Logo, não constando dos autos nenhum requerimento fundamentado por parte de nenhum credor da insolvência, nem por parte do fiduciário no sentido da recusa da exoneração do passivo restante dos Recorrentes, não estavam reunidos os requisitos imperativos para que o Tribunal “a quo” se pudesse ter debruçado sobre a suscetibilidade da referida recusa (cfr. artigo 243.º, n.º 1, preâmbulo, ex vi do artigo 244.º, n.º 2, ambos do CIRE).

  8. De notar que o requerimento que foi, mais tarde, junto aos autos pela senhora Fiduciária em 13/06/2022, ou seja, depois de ter sido notificada pelo Tribunal “a quo” para se pronunciar sobre a suscetibilidade de recusa da exoneração do passivo restante dos Recorrentes, não preenche o requisito imperativo de “requerimento fundamento” imposto por Lei (cfr. artigo 243.º, n.º 1, preâmbulo, ex vi do artigo 244.º, n.º 2, ambos do CIRE), uma vez que: ⎯ por um lado, o requerimento não proveio da iniciativa da senhora Fiduciária, mas foi antes provocado pelo Tribunal “a quo” mediante a notificação que lhe foi endereçada para o efeito (basta observar que antes da referida notificação, a senhora Fiduciária tinha apresentado um requerimento em 14/05/2022 nos termos do qual considerava que os Recorrentes tinham mostrado “total respeito pelas obrigações a que estavam sujeitos” e que, por isso, deveria ser-lhes concedida a exoneração total do passivo restante); e ⎯ por outro, este requerimento da senhora Fiduciária, no qual refere alterar o seu parecer, não integra a fundamentação imposta por Lei para que possa haver recusa da exoneração do passivo restante, desde logo, porque nele não se faz menção a nenhum dos fundamentos taxativos de recusa de exoneração previstos no artigo 243.º, n.º 1, do CIRE (cfr. artigo 243.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), ex vi do artigo 244.º, n.º 2, ambos do CIRE).

    Sem prescindir e “ad cautelam”, ⎯ Da falta de fundamento para a recusa da exoneração 11. O caso “sub judice” também não se subsume a nenhum dos casos taxativos estabelecidos por Lei de recusa da exoneração (cfr. artigo 243.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), ex vi do artigo 244.º, n.º 2, ambos do CIRE).

  9. Para começar, os Recorrentes nunca violaram (e menos ainda dolosamente ou com grave negligência) nenhuma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º do CIRE com prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência (cfr. artigo 243.º, n.º 1, alínea a), ex vi do art.º 244.º, n.º 2, ambos do CIRE).

  10. Resulta dos autos que os Recorrentes cumpriram antes com todas as suas obrigações decorrentes da referida norma, tanto que a senhora Fiduciária afirmou no seu requerimento de 14/05/2022 que: “Desde o início do período...

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