Acórdão nº 530/18.8T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | ELISABETE VALENTE |
Data da Resolução | 29 de Setembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1- Relatório.
AA, casada, residente na Rua ..., ..., Urbanização ... ..., intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o Estado Português peticionando a final que: - se declare a ilegalidade da denúncia a que o réu procedeu, mais se condenando o réu a reconhecer tal facto; - se condene o réu a abster-se, através dos titulares dos seus órgãos, agentes ou comitidos dos mesmos, ou de qualquer forma de segurança, perturbar o normal exercício do gozo do arrendamento de que a autora é titular sobre o imóvel com entrada pelo n.º ...23 da Rua ..., designadamente despejando-a ou forçando-a ou ainda pressionando-a, seja por que via for à desocupação do aludido imóvel objecto do contrato de arrendamento, com base na denúncia declarada ilegal, ou qualquer outra que padeça de ilegalidades; - se condene o réu a, no prazo a que o Tribunal considere adequado, não superior a 30 dias contados da decisão a proferir, iniciar as obras ou trabalhos de protecção e salvaguarda que se venha a apurar serem minimamente necessárias a obviar à degradação do imóvel e consequências sofridas pela autora no locado, por forma a que não lhe interrompa o exercício do gozo de arrendamento, e a concluí-las com a maior brevidade.
Alegou, para tanto, que é arrendatária do imóvel acima identificado, há cerca de 28 anos, aí desenvolvendo o seu comércio e que o mesmo se encontra degradado, encontrando-se o telhado com infiltrações, que poderiam ter sido facilmente reparadas se o réu tivesse acatado a sua solicitação de há mais de sete anos. Atenta, no entanto, a inércia do réu, os danos no telhado do edifício têm vindo a aumentar, encontrando-se neste momento o uso do edifício prejudicado, o que tem vindo a prejudicar a actividade da autora.
Em 2015, o Réu enviou à autora um escrito anunciando a sua intenção de denunciar o contrato em virtude do propósito de demolição do locado, por se encontrar em estado de ruína, o que a autora entende não acontecer.
Entende ainda que, o único propósito da referida comunicação foi afastar a inquilina e que por isso deve o réu ser condenado a proceder a obras de conservação no arrendado.
Citado o réu, veio este deduzir contestação, por excepção e impugnação, pedindo a final ser absolvida da instância em virtude de existir ineptidão da petição inicial, ou julgar-se procedente excepção dilatória inominada respeitante à formulação de pedido genérico, ou respeitante a abuso de direito, e por último, caso tal não se entendesse, absolver o réu do pedido.
Por um lado, entende existir ineptidão da petição inicial, na medida em que a autora formula genericamente o pedido de o réu se abster de perturbar o seu gozo do locado, em virtude de eventuais denúncias ilegais do contrato de arrendamento, o que se trata de um pedido não fundado em factos, mas em conjecturas, pelo que entende inexistir ou não ser invocada causa de pedir.
Acresce que considera que a autora formula pedido genérico quando podia tê-lo concretizado, uma vez que declara não serem exactas as obras indicadas pela Câmara Municipal ... no auto de vistoria, mas não indica quais as que seriam necessárias para permitir a sua utilização do locado.
De resto, considera que apenas não são indicadas as referidas obras concretas por forma a não ser possível invocar a desproporção entre o valor das mesmas e o valor obtido anualmente pelo arrendamento.
Por outro lado, entende que não existe abuso de direito da sua parte, na medida em que a época em que lhe foram denunciadas as patologias do exercício foi a época em que o Estado se encontrava em medidas de contenção orçamental extraordinária, em virtude da crise económica e da intervenção do FMI, o que justifica a não realização das obras no imóvel.
Impugna o demais, mas admite que a Autora lhe comunicou na data indicada os problemas do edifício, e a existência da vistoria pela Câmara Municipal ..., de que, no entanto, não teve conhecimento atempado.
Declara, não obstante, que não se remeteu à inércia, tendo sido proposta uma adjudicação do imóvel à Câmara Municipal ..., ao que não houve resposta. Ainda assim, no âmbito do processo de contraordenação que lhe foi instaurado pela referida entidade, teve que requerer prorrogação do prazo para a intervenção, e depois, em face do perigo que o imóvel acarretava, teve que se decidir por medidas necessárias à salvaguarda da segurança, o que levou à preparação com urgência da desocupação do imóvel, o que foi rejeitado pela autora.
Encontra-se emitida certidão pela Câmara Municipal ... que atesta que o imóvel se encontra parcialmente ruído e não oferece condições mínimas de utilização, tendo igualmente a Provedoria da Justiça arquivado o processo aberto por denúncia da autora, pela ruína do locado.
Entende assim, que não se remeteu ao silêncio, mas sim que adoptou comportamentos adequados perante as hipóteses que tinha face à situação e ao estado do imóvel.
Acresce que tem vindo a realizar negociações com a autora para a desocupação do locado, em que a mesma reconhece a possibilidade de derrocada e de grave acidente, não considerando possível tecnicamente uma reposição da cobertura do edifício com facilidade. Por tudo isto, considera que é imperioso concluir que se mostram reunidos os pressupostos para a denúncia do arrendamento em virtude da sua iminente ruína.
Admite o réu que pode não ter cumprido todos os seus deveres de conservação, nem enviado todos os necessários elementos com a denúncia do contrato, no entanto entende que não se pode dizer que se remeteu à posição de inércia, tendo sempre comunicado à autora as diligências necessárias e devendo ser entendido que a sua actuação à data da denúncia se integra em actuação em estado de necessidade.
Requer, por isso, que se considere eficaz a denúncia efectuada e afastado o direito da autora de permanecer no estabelecimento, no exercício do gozo do direito de arrendamento, e que sejam afastadas as obras peticionadas, por serem de dimensão consideravelmente superior ao que seria razoável em face do valor da renda.
Em sede de resposta, veio a autora peticionando que as excepções improcedam por não se verificarem, alegando para tanto, em suma: - que inexiste ineptidão da petição inicial, já que se baseia no comportamento passado do réu, o que faz prever novas ilegalidades no futuro, devendo por isso ser condenado o réu de praticar actos que obstem ao gozo do arrendado; - que será necessária a liquidação da sentença para determinar que obras serão necessárias à conservação do locado, pelo que o seu petitório se mostra consentâneo com o artigo 556.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, devendo também esta excepção decair; - que inexiste abuso de direito por parte da autora, e que o réu não poderá desculpar-se com a crise económica para praticar um crime de desobediência, entendendo que em 2010, quando denunciou a situação, a intervenção necessitaria de um baixíssimo custo, nomeadamente por apenas ser necessário repor algumas telhas, pelo que a excepção deve improceder, já que teve responsabilidade na degradação do edifício.
Em sede de audiência prévia foi conhecida a excepção e julgada procedente por despacho proferido em 12-10-2018, com a consequente absolvição do R., nos seguintes termos: «Assim, absolvo o Réu da instância quanto ao pedido de condenação a abster-se, através dos seus órgãos, agentes ou cometidos dos mesmos, ou de qualquer força de segurança, perturbar o normal exercício do gozo do arrendamento de que a A. é titular sobre o imóvel identificado em 6º supra, designadamente despejando-a ou forçando-a ou ainda pressionando-a, seja por que via for, à desocupação do imóvel objecto do arrendamento, com base em qualquer denúncia que padeça das mesmas ilegalidades.» Realizou-se a audiência de discussão e julgamento da causa.
Foi proferida sentença, na qual foi julgada a presente acção «parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência: I. Declarar a ilegalidade da denúncia a que a o R. procedeu, mais se condenando o R. a reconhecer tal facto; II. Condenar o R. a abster-se de, através dos titulares dos seus órgãos, agentes ou comitidos dos mesmos, ou de qualquer força de segurança, perturbar o normal exercício do gozo do arrendamento de que a A. é titular sobre o imóvel identificado em 6º supra, designadamente despejando-a ou forçando-a ou ainda pressionando-a, seja por que via for, à desocupação do aludido imóvel objecto do contrato de arrendamento, com base na denúncia declarada ilegal ou qualquer outra que padeça das mesmas ilegalidades; III. Absolver o R. do restante do pedido, nomeadamente de realizar as obras e trabalhos de protecção e salvaguarda necessários a obviar à degradação do imóvel referido em 1º supra e de concluí-las com a maior brevidade, nomeadamente por procedência da excepção de abuso de direito pela desproporção entre o valor das obras necessárias e o valor da renda; IV. Julgar improcedente a invocação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium do R.».
Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso contra a mesma, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1ª Na contestação da acção dos presentes autos, o R. defendeu-se invocando, além do mais, excepção dilatória de ineptidão da petição inicial relativamente ao pedido da sua condenação a abster-se de comportamentos perturbadores do gozo do arrendamento da A. fundada em futuras denúncias do contrato de arrendamento, ou seja, em factos futuros, inexistentes, portanto sem causa de pedir.
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Na audiência prévia, por despacho proferido em 12-10-2018, julgou-se procedente aquela excepção dilatória e, consequentemente, decidiu-se absolver «o Réu da instância quanto ao pedido de condenação a abster-se, através dos seus órgãos, agentes ou cometidos dos mesmos, ou de qualquer força de segurança, perturbar o normal exercício do gozo do arrendamento de que a A. é titular sobre o imóvel...
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