Acórdão nº 606/22 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 606/2022

Processo n.º 1174/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

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Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, sem indicação de espécie de recurso (artigo 70.º, n.º 1 da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC)), da decisão de 15.09.2021 proferida pelo Juízo de Comércio de Amarante (juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Oeste que indeferiu a sua reclamação, negando o pedido por que fosse dada por sem efeito a notificação do recorrente para o pagamento das custas de processo.

2. No âmbito dos presentes autos o ora recorrente foi judicialmente declarado insolvente. Notificado para efetuar o pagamento de custas e entendendo-se irresponsável por elas, A. insurgiu-se contra a interpelação e reclamou judicialmente, que foi indeferida por despacho de 15.09.2021 (fls. 41).

O recorrente reclamou desta decisão, apontando-lhe vício de omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil [CPC], ex vi artigo 613.º, n.º 3 do mesmo diploma), que foi igualmente indeferida por decisão de 29.09.2021 (fls. 48-49).

3. O reclamante apresentou de seguida requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, como acima relatado, expondo o seguinte conteúdo:

“(…) vem interpor recurso do despacho de 30/09/2021 para o Tribunal Constitucional, o qual sobe imediatamente nos próprios autos.

Junta o pertinente requerimento de recurso.

Declara que requereu a concessão o apoio judiciário na modalidade de modalidade de dispensa de pagamento de custas, de que aguarda decisão. (…)

Exmos. Senhores

Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional

A., requerente nos presentes autos de insolvência, do qual foi requerente, por se encontrara na situação de insolvência, vem interpor recurso para este Tribunal da decisão que o declara responsável pelas custas deste processo, nos seguintes

Termos e fundamentos :

1

Por se encontrar em situação de insolvência, o Requerente apresentou-se à insolvência por requerimento de 22-03-2016, no qual requereu "que seja declarada a sua insolvência, que é atual, seguindo-se os demais termos do procedimento do passivo restante, pela via da cessão do rendimento" benefício, pois pretendia que lhe fosse concedido o benefício de exoneração do passivo restante.

2

A insolvência foi declarada por sentença de 29-03-2016.

3

Na sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 27-06-2016, foi decidido:

"As custas da insolvência, assim como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do administrador, constituem dívidas da massa insolvente, as quais são liquidadas previamente aos créditos sobre a insolvência cfr, artigos 51.º, 172.º e 303.º, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa". - o destaque a neg. é do subscritor.

4

Em 27-06-2016, foi proferido despacho de exoneração do passivo restante do Requerente, em tudo que ainda fosse devido no termo do prazo de vigência do processo.

5

Aquando da prolação deste despacho, o Requerido já estava desapropriado do único bem que possuía - um veículo automóvel -, bem como de todos os rendimentos que obtivesse, acima do salário mínimo, acrescido da prestação alimentar devida a seu filho.

6

Em despacho de 05-07-2021, o Tribunal recorrido decretou a exoneração do passivo restante devido pelo Recorrente, quando declarou:

"(...) não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 238.º e 243.º, ambos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa, ao abrigo do disposto no artigo 244.º do mesmo diploma legal, concedo ao devedor insolvente A. a exoneração do passivo restante, ou seja, dos créditos sobre a insolvência e que não hajam sido pagos no âmbito destes autos".

7

Por carta de 09-08-2021, o Requerente foi notificado da conta do processo, na qual figura responsável: Massa Insolvente de A.

8

A responsabilidade pelas custas, indicada na carta, foi assim imputada à entidade indicada na sentença de 27-06-2021, ou seja à Massa Insolvente de A.. - Cfr., supra, ponto 3

9

Apesar da clareza do que vem descrito , o Recorrente foi notificado, por carta de 07-09-2021, "para comprovar nos autos o pagamento da conta de custas, da responsabilidade do insolvente", e com a indicação de que "a falta de pagamento da conta de custas, implica a remessa de certidão fiscal para execução à Autoridade Tributária (art.º 35.º ECP)".

10

Em face de tal notificação - e até pela ameaça que continha por requerimento de 10-09-2021 o Requerente apresentou à Exma. Senhora Juiz do processo a pertinente reclamação, dizendo: "Termos em que a notificação em causa deve ser desconsiderada, e, em qualquer eventual ato em que as custas sejam objeto de reconsideração, deve esta posição ser considerada".

11

A posição a considerar - naturalmente pelo Tribunal - era a desenvolvida nos longos 25 parágrafos que fundamentaram o requerimento de desconsideração da notificação referida acima no parágrafo 9.

12

Nesse requerimento de 10-09-2021, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, em breve síntese, foi dito que as custas contadas foram imputadas à responsabilidade da Massa Insolvente e não ao Recorrente, que são entes distintos, e que, nos termos conjugados do disposto nos art.º 46.º e 47.º, 304.º e 303.º, 81.º e 234.º do CIRE, as custas do processo seriam a cargo da Massa Insolvente. - Como até foi julgado, nos termos da sentença de 27-06-2016, cujo dispositivo foi transcrito, acima, no parágrafo 3.

13

Ainda nesse requerimento foi alegado (agora também em síntese), em forma de prevenção contra alguma jurisprudência que imputa a responsabilidade pelas custas ao Insolvente, a inaplicabilidade do disposto no n.º 1 do art.0 248.º do CIRE, não só por essa interpretação jurisprudencial interpretar esta norma em contradição com o sentido das normas indicadas no precedente parágrafo 12, e, sobretudo, com o disposto nas normas constitucionais invocadas no parágrafo 25 do requerimento de 10-09-2021, ou seja porque viola o disposto nos art.ºs 13.º, 20.º, 1 e 4 e 18.º, 2 da Constituição.

14

Apesar do que foi evidenciado na reclamação de 10-09- 2021, mormente que o Recorrente, após o termo do processo, não podia ter qualquer património, pois durante esses 5 anos de nada mais podia dispor que o necessário à sua subsistência, para pagar a quantia de 4.504.14 €, em que, por notificação de 16-09-2021, o Recorrente é notificado:

- da posição do M. P, em face da reclamação de 10-09-2021

- da decisão do Tribunal.

15

Em promoção que o Tribunal qualificou de douta, de tudo o que foi dito requerimento de 16-9-2021, de que o M.P. não deu ao Recorrente o prazer de ver o modo como 'desmontara' tudo o que aí foi alegado, disse o M.P que "Não se vislumbrando que seja este entendimento é gerador da desigualdades e demais efeitos apontados pelo requerente, atendendo ao perdão total da dívida de que beneficiou sem qualquer sacrifício (...)", "não se registando qualquer violação de normas legais invocadas, designadamente, as da Constituição da República Portuguesa, não assiste razão ao requerente, que não goza do benefício do apoio judiciário", "Pelo que, promovo (...) se indefira o requerido" - o que até parece significar um estranho entendimento, que seria o de que o Requerente possuía os valores de cuja responsabilidade de pagamento fora exonerado.

16

Confortado com tal oração de a quem cabe agir em defesa dos pobres, disse o Tribunal que, "por manifesta falta de fundamento legal tem de se indeferir a pretensão do insolvente de ser dispensado do pagamento das custas do processo já que não beneficia nestes autos de Apoio Judiciário e, como tal, não tendo existido produto da cessão de rendimentos no âmbito da exoneração nem saldo da Liquidação da massa suficiente para pagamento das custas do processo, cabe ao devedor pagar as mesmas".

17

(Em breve parêntesis: o Tribunal revogou assim, tacitamente, a sentença de 27-06-2016, ref. Acima no parágrafo 3, e não teve uma palavra sobre a inaplicabilidade do disposto no art.º 304.º do CIRE. Porquê?!)

18

Contudo legitimado pelo direito à indignação "cunhado" pelo Presidente Mário Soares, o Recorrente, por requerimento de 16-09-2021, arguiu a nulidade do injusto despacho, dizendo:

1

O Tribunal não se pronunciou expressamente sobre o seguinte:

a) A razão da notificação ao Requerente, para pagar as custas que foram contadas e liquidadas em nome da Massa Insolvente, sendo ele e a Massa entes jurídicos plenamente distintos como decorre do disposto nos art.º 46.º e 47.º do CIRE.

b) A razão que levou a Secretaria - agora com a corroboração implícita do Tribunal - a notificar quem não figura na conta como devedor - conta que não foi revogada.

c) A razão ou razões da não aplicação dos art.ºs 304.º e 303.º do CIRE, que expressamente atribuem a responsabilidade das custas à Massa Insolvente.

d) A razão por que é dada prevalência ao art.º 248.º, 1, que, a ser como vem sendo entendido, colide com os art.ºs 304.º e 303.º todos do CIRE.

e) A demonstração que o Requerente fez, nos artigos 19 a 23 do seu requerimento, de que não pode ter, por força das normas aí invocadas, meios para pagar custas. - Ou seja, é a própria lei que diz, implicitamente, que ele não pode ter dinheiro para pagar as custas!

f) A evidenciação da colisão do artigo 248.º, 1 com os art.ºs 304.º e 303.º do CIRE (nos art.ºs 17 e 18 do requerimento indeferido).

g) A evidenciação de que, caso prevaleça o art.0 248.º, 1 sobre os...

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