Acórdão nº 624/22 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Setembro de 2022

Data27 Setembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 624/2022

Processo n.º 648/2022

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a Decisão Sumária n.º 517/2022 deste Tribunal Constitucional não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente A., ao abrigo da alínea b) do número 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), em que este se insurge contra decisão daquele Tribunal, proferida em 12 de maio de 2022.

2. Pela referida Decisão Sumária n.º 517/2022 (2042-2055), entendeu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto por não se ter verificado coincidência entre a aplicação dos preceitos legais que sustentam a ratio decidendi da decisão recorrida e a formulação selecionada pelo recorrente como fonte das questões colocadas nos pontos I. a XI. do requerimento de interposição de recurso.

Em razão da falha no cumprimento de tal pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, concluiu-se pela impossibilidade de uma decisão do Tribunal Constitucional se poder repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada na decisão recorrida.

Além disso, acrescentou-se que o recorrente não logrou delimitar verdadeiras dimensões normativas, tendo, na verdade, como propósito, a sindicância do próprio julgamento a quo.

Consequentemente, o objeto do recurso interposto não pode ser conhecido.

3. Desta decisão, o recorrente apresentou a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, exclusivamente acerca dos referidos pontos VII, VIII, IX, X e XI, afirmando, em síntese, que «discorda da decisão recorrida» e defende que «o objeto são as normas, ou interpretações normativas convocadas pela decisão recorrida, como pressuposto necessário para o resultado da decisão» (fls. 2081, verso).

Reclama, ainda, da condenação em custas, argumentando que o processo de extradição é gratuito quanto às despesas processuais, conforme o artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (fls. 2082).

4. Regularmente notificado, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu, essencialmente, que (fls. 2095-2099):

«Os enunciados objeto da presente reclamação (n.ºs VII, VIII, IX, X e XI), porém, não satisfazem estas conditiones sine qua non, ou seja, não são “interpretações normativas”, para os presentes efeitos, sobretudo por duas ordens de razões.

Primum, esses enunciados não podem, sequer, ser reputados como exprimindo “interpretações normativas”, idóneas como objeto normativo do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Deinde, tais enunciados não foram aplicados no claro, minucioso e incisivo acórdão a quo (§§ 86 a 97) ⸻ e, logo, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 4.ª secção (fls. 1578 a 1612) então recorrido⸻, tudo como judiciosamente se julgou no douto acórdão reclamado (n.º 5.6).

4. Com efeito, por uma parte, os enunciados em causa incorrem em vício lógico, consubstanciado no raciocínio circular (petição de princípio) que integra na definição da “interpretação normativa” impugnada os próprios critérios para fiscalização da constitucionalidade.

Atentemos na formulação: “A Inconstitucionalidade da norma segundo a qual é irrelevante em processo de extradição, não constituindo motivo de recusa, o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 25.°, n,° 2, e 8.° e 16.° da CRP. Norma extraída do artigo 3.° da CEDH, 19.°, n.° 2, da CDFUE, 8.°, 16.° e 25.°, n.° 2 da CRP, e dos artigos 2.°, n.° 1, 3.°, n.° 2, 6.°, 18.°, n.° 1, e 55.°, n,° 2, da Lei n.° 144/99, de 31.08 e 17.° do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição.” (itálicos nossos).

Não há assim, como é exigível, lógica e praticamente, dicotomia entre a “interpretação normativa” do direito infraconstitucional e o critério de constitucionalidade.

No fundo, em certa medida, é pedida a fiscalização da constitucionalidade de disposições constitucionais ou de direito convencional, com valor constitucional (art. 16.º, n.º 1). O que nem no quadro estrito da doutrina das “normas constitucionais inconstitucionais” seria legítimo, sendo certo, em todo o caso, que as disposições em causa, da Constituição, CDFUE e CEDH, como resulta da sua literalidade, têm vocação e função de “normas de controlo” e não de “normas de ação”.

5. Especificamente quanto às disposições do direito infraconstitucional que integram as ditas “interpretações normativas” (n.ºs VIII a XI) nomeadamente aos artigo 3.º, n.º 2 (São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.), 18.º, n.º 1 (Pode ser negada a cooperação quando o facto que a motiva for objecto de processo pendente ou quando esse facto deva ou possa ser também objecto de procedimento da competência de uma autoridade judiciária portuguesa), e 55.º, n.º 2 (A oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição.) os mesmos não evidenciam ⸻ exceto, eventualmente, o último preceito ⸻ ter uma correspondência semântica direta com a questão de fundo, ou seja, o pretenso “risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição”.

Apenas o n.º 2, do artigo 18.º, dessa Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, que, todavia, não consta destes enunciados, tem uma correspondência textual e natural com esta questão ⸻ e, naturalmente, apenas tal preceito foi aplicado na decisão recorrida, dando azo ao específico exame desta questão do aludido “risco de violação da proibição...”, como veremos adiante.~

6. Portanto...

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