Acórdão nº 84/12.9TBVZL-U.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação nº 84/12.9TBVZL-U.C1 Tribunal recorrido: Comarca de Viseu - Viseu - Juízo Fam. Menores - Juiz 1 Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves Des. Adjuntos: Maria João Areias Paulo Correia Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

AA, melhor identificada nos autos, deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra BB, melhor identificado nos autos, relativamente ao filho menor de ambos CC (nascido em .../.../2005), invocando o incumprimento, por parte do Requerido, do regime de visitas e alegando que este impediu e inviabilizou as visitas estabelecidas no período de férias do dia 03/08 ao dia 23/08 de 2019 e nos fins de semana de 13/09 a 16/09 e 27/09 a 29/09 do mesmo ano.

No âmbito desse incidente, a Requerente veio, entretanto, a juntar aos autos um CD contendo filmagem realizada no dia 25/10/2019 e, alegadamente, demonstrativo de que o Requerido a havia impedido de ir buscar o filho à escola em dia em que tal pertencia à Requerente.

O Requerido veio manifestar a sua oposição à admissão do CD como meio de prova, sustentando estar em causa um meio de prova ilícito por conter filmagem da imagem do Requerido BB e do filho menor CC, sem autorização destes e contra a vontade expressa dos mesmos, que configura uma devassa da sua vida privada e constitui ilícito criminal previsto no art.º 192.º do CP.

O Ministério Público também se opôs, dizendo que a captação de imagens ou de vídeo, sem estar apurado se com o consentimento dos visados, carecia de fundamento legal.

Tendo sido determinada a notificação da Requerente para informar se a captação da imagem do progenitor e do filho, que constituirá o objecto do CD, havia sido por estes consentida, veio a mesma dizer: - Que a captação da imagem foi feita no interesse do menor, por exigências de Justiça, atendendo ainda a que o filho se encontraria sob sua vigilância naquele fim de semana, se o progenitor o tivesse permitido; - Que não existiu oposição nem do jovem, nem do progenitor à gravação da imagem do filho; - Que, apesar de não ter prestado consentimento formal para a captação de imagem, o Requerido admitiu que a mesma fosse realizada, o que se conclui do facto de não a ter interrompido ou interpelado a sua autora para que a destruísse; - Que, tendo o Requerido actuado, publicamente e à vista de todos, a conduta da Requerente não feriu a reserva de intimidade do Requerido, tanto mais que a gravação foi utilizada, em exclusivo, no âmbito do processo.

O Requerido veio reiterar: que não autorizou nem autoriza a recolha de imagens suas e do seu filho através de filmagens; que a recolha de imagem foi e é abusiva e não autorizada, quer tacita, quer expressamente, pelo Requerido, quer pelo menor e que, como tal, não pode ser admitido o referido meio de prova.

Posteriormente, veio informar que havia apresentado queixa crime, estando em curso o respectivo inquérito.

O Ministério Público reiterou a posição que já havia assumido.

Na sequência desses factos, foi proferido despacho – em 22/03/2022 – onde se decidiu não admitir a junção aos autos do referido CD por configurar prova ilícita e inadmissível.

Inconformada com tal decisão, a Requerente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: i. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, datado de 22-03-2022.

ii. O presente recurso versa sobre matéria de facto e de Direito, por, no entendimento da Recorrente, ter sido incorreta a interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicadas à matéria dos autos.

iii. No seu requerimento inicial, a Recorrente alegou, em suma, para fundamento do incumprimento do regime de responsabilidades parentais pelo progenitor, que este impede o menor, reiteradamente, de usufruir da companhia da mãe (artigo 3º do requerimento inicial).

iv. Em 06-11-2019, a Recorrente requereu a junção aos autos de um CD contendo uma gravação vídeo captado em espaço público, junto à escola frequentada pelo jovem, no qual é possível identificar o progenitor requerido agarrando o jovem assim que este atravessa o portão da escola e encaminhando-o diretamente para o interior do automóvel, impedindo qualquer contacto com a mãe.

  1. Pelo menos desde o divórcio, tais episódios são recorrentes, com situações idênticas reportadas em diversos apensos.

    vi. Com a junção do documento pretende a Recorrente infirmar a versão trazida aos autos pelo Requerido, e pelas testemunhas que este arrolou, de que o menor não convive com a mãe por não ser de sua vontade, nada fazendo o progenitor, segundo alega, para impedir ou dificultar tais contactos e convívios.

    vii. A inexistência de consentimento expresso dos visados para a captação das imagens em vídeo esteia a fundamentação do douto despacho de que se recorre.

    viii. O ordenamento jurídico português enquadra de forma diferente a captação de som e a captação de imagem para efeitos de apreciação da antijuridicidade da conduta.

    ix. O bem jurídico-penal tutelado pela norma inscrita no nº 2 do artigo 199º do Código Penal é o direito à imagem, mas a proteção conferida à imagem não é ilimitada.

  2. A norma penal submete o preenchimento do elemento objetivo do tipo à declaração ou manifestação de oposição à captação de imagem (“contra vontade”), para que um interlocutor médio consiga percecionar que age contra a vontade do titular do direito, porquanto a vontade é intrínseca à pessoa e carece de exteriorização.

    xi. A norma civil que tutela o direito à imagem – artigo 79º do CC – exclui a ilicitude da conduta quando a reprodução da imagem venha enquadrada na de lugares públicos ou que hajam decorrido publicamente ou ainda quando exigências de polícia ou de justiça o justifiquem – artigo 79º, nº 2 do Código Civil.

    xii. De acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica, o agente vê excluída a ilicitude do seu comportamento se a sua conduta for autorizada por uma qualquer disposição de qualquer ramo do direito, como sucede, na perspetiva da Recorrente, por via da norma inscrita no nº 2 do artigo 79º do Código Civil e que resulta reforçada pelo facto das imagens não terem sido expostas, reproduzidas ou lançadas no comércio.

    xiii. As imagens captadas destinaram-se apenas a instruir os presentes autos, que são de carácter reservado ao âmbito da família.

    xiv. Quanto a esta matéria, a jurisprudência tem sido entendida como uniforme, senão veja-se, entre outros, a fundamentação oferecida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão proferido em 24-02-2016, Proc. nº 2638 /12.4TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt:“(…) a captação de imagens por particulares, em locais públicos ou de livre acesso ao público, não está ferida de qualquer ilegalidade nem viola os direitos de personalidade, que compreendem o direito à imagem e, que por isso, são meios admissíveis de prova. Conf. neste sentido Ac. STJ de 28.09.2011, citado, aliás no processo pelo Digno Magistrado do Ministério Público, Ac. Rel do Porto de 23.11.2011, Ac. Rel. Évora de 24.04.2012 e Ac. Rel do Porto de 23.10.2013, todos disponíveis in www.dgsi.pt. De acordo com esta jurisprudência, as imagens captadas, em local público ou de livre acesso ao público, por factos aí ocorridos, do suposto autor do crime não constituem nenhuma violação do “núcleo duro da vida privada” nem do seu direito à imagem, não sendo necessário o consentimento do visado para essa gravação.” e em sentido que se nos afigura confluente, com especial utilidade para o caso dos autos, também o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-05-2009, Processo nº 159/07.6TVPRT-D.P1, também disponível em www.dgsi.pt.

    xv. O despacho de que se recorre foi proferido no âmbito de um processo de jurisdição de menores, devendo a resolução de casos concretos nortear-se pelo critério do “superior interesse da criança/jovem”.

    xvi. Este critério é, simultaneamente, uma norma de competência e uma norma impositiva na medida em que ordena ao Tribunal e à Administração que não deixem de recorrer à ponderação dos interesses conexos com os bens prioritários da criança/jovem, como é o caso do direito à identidade pessoal, à autonomia, à educação por ambos os progenitores e ao convívio com ambos (artigo 36º, nº 6 da CRP e artigo 24º, nº 3 da Carta de Direitos Fundamentais da UE).

    xvii. O Requerido escuda-se no argumento de que não é vontade do filho CC conviver com a progenitora, deixando que o decurso do tempo opere os seus efeitos e dilua em definitivo os vínculos afetivos que a criança...

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