Acórdão nº 1452/21.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

O MºPº veio interpor recurso da decisão proferida pelo Juízo do Trabalho de Barcelos, que julgando procedente a impugnação absolveu a arguida C. C., LDA, da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas do art.º 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27-08 e do n.º 1 do art.º 4.º e 14.º, n.º 3, al. a), ambas do DL n.º 237/2007, de 19-06.

A ACT havia condenado a arguida como autora da referida contraordenação na coima de 56 UC’s.

invoca a recorrente: 1 - A decisão padece de um errado enquadramento jurídico-contraordenacional; 2 - O elemento racional e histórico do quadro normativo aplicável ao caso sub juditio permitem concluir que o entendimento legalmente estabelecido estende a obrigatoriedade do registo do tempo de trabalho através do livrete individual não somente ao pessoal afeto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes (não sujeitos ao tacógrafo), como também ao pessoal privativo de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.

3 - O escopo das normas visa garantir e permitir a eficaz fiscalização dos tempos de trabalho do pessoal afeto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.

4 - Caso contrário, estaria aberta a porta para que qualquer funcionário, permanente ou ocasional, pudesse estar fora do regime de fiscalização do cumprimento dos preceitos legais imperativos em matéria de duração e organização do tempo de trabalho.

5 - A Recorrente estava obrigada a registar os tempos de trabalho do funcionário que estava a exercer temporariamente as funções de ajudante de motorista.

6 - Considerando a matéria de facto dada como provada mostram-se preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito.

7 - Por isso, ao decidir da forma supramencionada, a Mmª. Juíza "a quo" violou o disposto nos arts. 1º e 3º. da Portaria 983/07, de 27/08, e no art. 4º, nº. 1, do DL 237/07, de 19/06.

8- Termos em que deverá ser alterada a decisão proferida e condenada a Recorrente em conformidade com a decisão administrativa.

*A recorrida contra-alegou sustentando a falta de interesse em agir do MºPº, invocando a pronúncia da ACT no sentido de “não se equacionar eventual recurso”, e sustentando o julgado.

O Exmº PGA deu parecer no sentido da procedência aderindo às contra-alegações.

***Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

***Factualidade: A) No dia - de fevereiro de 2021, pelas 15h45m, na Rua … (EN 204), …, Barcelos, a arguida fez circular o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula SV, de sua propriedade; B) O veículo fiscalizado, que transportava garrafas de gás butano e propano que a arguida comercializava, era conduzida por A. F., trabalhador da arguida, com a categoria profissional de motorista; C) O motorista era acompanhado naquele dia e hora por C. J., que ajudava na carga e descarga das garrafas de gás que distribuíam aos clientes da arguida; D) O identificado trabalhador da arguida C. J. não possuía Livrete Individual de Controlo; E) Em 2019, a recorrente teve um volume de negócios de 4. 896, 62€; F) A Recorrente é uma pessoa coletiva que se dedica, com intuito lucrativo, à comercialização de ferragens, ferramentas, maquinaria e demais materiais para construção e jardinagem; G) O trabalhador da arguida C. J. tinha como efetiva atividade profissional a de latoeiro; H) Na data de fiscalização, o que ocorreu também noutros dias em que era ele quem estivesse mais disponível na empresa, o referido trabalhador exercia excecionalmente as funções de ajudante de motorista, porquanto o funcionário da arguida que habitualmente as exercia encontrava-se de baixa médica desde 8/12/2019; I) A aqui impugnante não exerce atividade de transportes rodoviários.

*b) Factos Não Provados Com relevância para a decisão da causa, não se provou o seguinte facto: - Que o veículo da arguida se encontrava a realizar «transporte rodoviário de mercadorias» ou estivesse a ser explorado com tal fito; - Que C. J. fosse «ajudante de motorista afeto à exploração do veículo fiscalizado»; - Que a arguida agiu sem a diligência e o cuidado devidos, de que era capaz ao não assegurar que o ajudante de motorista registasse os seus tempos de trabalho.

***Questão prévia.

A recorrida coloca a questão do interesse em agir por parte do MºPº, invocando a circunstância de a autoridade administrativa autuante ter manifestado não ponderar a interposição de recurso da decisão absolutória.

Refere o artigo 45º, 2 da L. 107/2009, que consagra a obrigatoriedade de comunicação da decisão judicial à autoridade administrativa competente, referindo que da norma resulta que nesta matéria o Ministério Público não possa ser o intérprete do interesse da autoridade administrativa quanto à interposição de recurso.

Pressupõe este entendimento, que compete à autoridade administrativa decidir se sim se não da interposição de recurso da decisão preferida sobre a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.

Refere a recorrida, ainda, o disposto no artigo 401º, 2 do CPP, e o acórdão para fixação de jurisprudência do STJ, 2/11, que se pronunciou expressamente pela falta de interesse em agir do MP para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo, que entente ser aplicável à situação dos autos em que a autoridade administrativa se pronúncia no sentido de aceitar a decisão.

A jurisprudência referida não tem aplicação ao caso, pois que o MºPº nunca manifestou concordância com a posição tomada na sentença recorrida.

A doutrina do acórdão não tem aplicação ao caso, por a autoridade administrativa anuir nos fundamentos e no decidido na sentença que apreciou a impugnação interposta da decisão por si proferida, pois a sua “vontade” não contamina a “vontade” do MºPº.

A questão volve-se sim em saber se em tal circunstância o MºPº pode legalmente recorrer, reconduzindo-se a uma opção do legislador e não de falta de interesse em agir.

Grosso modo pode referir-se que o interesse em agir se traduz na necessidade de recurso ao meio processual ou utilidade do mesmo, máxime, da “demanda”, para o peticionante, sendo maioritariamente entendida como pressuposto processual, podendo também ser entendida como condição para a ação – se não tem interesse, a parte, afinal carece de razão -.

Pretende-se evitar as demandas inúteis, ou carecidas de vantagem para o peticionante. Este interesse pressupõe um litígio, um conflito com relevância jurídica, e a necessidade de uma tutela. Assim, a falta de interesse em agir no caso presente, tal como colocada pela recorrida, respeita à falta de poderes do MºPº para interpor recurso, no fundo remete sim para a legitimidade.

É que, do estrito ponto de vista do interesse em agir, olhando da perspetiva do peticionante – o MºPº - esse interesse existe, nunca ele tendo concordado com a decisão proferida, mantendo-se o interesse público em causa carecido de proteção – no seu entender.

A questão, tratando-se da proteção de valores não apenas individuais, mas também coletivos – como os relativos à segurança -, volve-se em saber se nos termos legais à recorrente foi cometido o direito (dever) de defender esses interesses, designadamente no que tange à interposição de recurso da decisão judicial, ou ao invés e quanto a esta questão particular (interposição de recurso), os seus poderes se encontram limitados pela posição da autoridade administrativa – ACT -, cabendo a esta a última palavra sobre a questão.

Nos termos do artigo 2º do Decreto Regulamentar n.º 47/2012, de 31 de julho (aprova a orgânica da ACT) compete à ACT designadamente; 1 - A ACT tem por missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral e o controlo do cumprimento da legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, bem como a promoção de políticas de prevenção dos riscos profissionais, quer no âmbito das relações laborais privadas, quer no âmbito da Administração Pública.

2 - A ACT prossegue as seguintes atribuições: a) Promover, controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais, respeitantes às relações e condições de trabalho, designadamente as relativas à segurança e saúde no trabalho, de acordo com os princípios vertidos nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pelo Estado Português; … k) Assegurar o procedimento das contraordenações laborais e organizar o respetivo registo individual; … v) Prosseguir as demais atribuições que lhe forem conferidas por lei.

… Veja-se ainda artigo 4º, 1, a) relativamente à competência para aplicar coimas e sanções acessórias.

A ação da ACT está sujeita ao princípio da...

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