Acórdão nº 047/18.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A………… intentou contra o “Ministério da Justiça” a presente ação administrativa em que peticionou ser a mesma «julgada procedente, por provada, e em consequência:

  1. Reconhecer-se o direito do A. a ser reconhecido como equiparado a deficiente das Forças Armadas; b) Condenar-se o R. a praticar, num prazo não superior a 10 (dez) dias, o ato que conceda ao A. o estatuto de equiparado a deficiente das Forças Armadas, com eficácia retroativa reportada à data de 14 de julho de 2017».

  1. Por sentença proferida em 12/9/2019 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (cfr. fls. 279 e segs. SITAF), julgou-se a ação improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido, por se ter entendido que: «(…) As agressões de que o Autor foi alvo ocorreram no exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho, mas não ocorreram em condições de que resultasse, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas no nº 2, do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.

    A exigência de risco agravado terá de ocorrer em qualquer das situações previstas no nº 2, do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.

    Exige-se uma atividade de risco superior ao risco genérico que toda a atividade policial envolve, que é incompatível com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.

    Ora, tendo o acidente (agressões várias ao Autor) ocorrido devido a uma situação ocasional e imprevisível [nada fazia prever as agressões], esta não é suficiente para se enquadrar no disposto no artigo 2º, por referência ao artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, conduzindo, assim, à improcedência da presente ação».

  2. Inconformado com esta decisão do TAC/Lx., o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAS), o qual, por Acórdão de 6/5/2021 (cfr. fls. 376 e segs. SITAF), negou provimento ao recurso, confirmando o julgamento de improcedência da ação, designadamente nos seguintes termos: «(…) Subjaz ao regime aprovado pelo D.L. n.º 43/76, de 20/01 “o reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situação de perigo ou perigosidade”.

    (…) os conceitos de “manutenção da ordem pública” e “risco agravado” inscritos no artigo 1.º, n.º 2 do D.L. n.º 43/76, de 20/01, reportam-se, necessariamente, a circunstâncias não comuns do exercício normal das funções dos agentes em causa e em que o cumprimento da função se exerce num teatro previsível, no qual o perigo de vida do agente se apresenta em grau de probabilidade muito elevado.

    Por isso, não preenche nem um nem outro, não se caracterizando como de “manutenção da ordem pública”, nem de “risco agravado”, a situação em que um agente da Polícia Judiciária, em serviço normal de vigilância é, insólita e imprevisivelmente, agredido com um murro e um pontapé por um indivíduo a quem se dirigiu, identificando-se como agente policial, no contexto de uma altercação ocorrida entre condutores.

    (…) Diferentemente do que se verifica em relação ao regime dos acidentes de serviço, também aplicável aos militares e forças de segurança, a qualificação como Deficiente das Forças Armadas exige um risco agravado, que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da atividade normal militar ou das forças de segurança.

    O que as particulares características do caso, não permite».

  3. Mantendo-se inconformado com este julgamento do TCAS, veio o Autor interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 418 e segs. SITAF): «1. Previamente, cumpre referir que o presente Recurso incide sobre incapacidades e direitos advindos de lesões sofridas por membro de um serviço de segurança, designadamente, Polícia Judiciária, o corpo superior da polícia criminal, quando tentava repor e manter a ordem pública, cumprindo os seus deveres e no desempenho dos mesmos, pelo que, em virtude da relevância jurídica ou social, reveste o presente recurso de importância fundamental, podendo influenciar outros casos para além do presente, pelo que deve ser admitido, sendo o mesmo essencial para uma melhor aplicação do direito, 2. Tal como resulta do disposto no artigo 89.º da Lei Orgânica da PJ, o regime legal em vigor para os deficientes das Forças Armadas e das forças de segurança é aplicável ao pessoal dirigente e demais funcionários da PJ, com as devidas adaptações, sendo, por isso, aplicável ao Apelante (Cfr. alíneas A) e B) dos Factos Provados); 3. In casu, está essencialmente em causa a aplicação do regime legal dos deficientes das Forças Armadas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro ao pessoal da Polícia Judiciária, determinada, “com as devidas adaptações”, o que, cremos, vale por dizer que tal regime deverá ser adaptada no sentido de ser aplicada àqueles que se deficientaram em cumprimento dos deveres de serviço de polícia.

  4. Ora, prevê o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, que é considerado DFA quem, no cumprimento do seu dever de serviço, adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho, quando em resultado de acidente ocorrido, nomeadamente, na manutenção da ordem pública venha a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em perda anatómica ou prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função, tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor; 5. Concretizando o disposto no n.º 2 do artigo 1.º, o sequente artigo 2.º do diploma em análise define que “considera-se que: a) (…) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei ” (sublinhado e negrito nossos).

  5. Ora, tal como resultou provado, ao Recorrente foi atribuída uma desvalorização de 37,8 %, tendo, inclusivamente, o Tribunal de 1ª instância, em decisão que se manteve, considerado que “ a desvalorização, relativamente ao agravamento do acidente ocorrido em 9 de outubro de 1998, passou de 23,5% para 37,8%” (Cfr. alínea R) dos Factos Provados); 7. Sem prejuízo do preenchimento do pressuposto da desvalorização da capacidade de ganho, conclui, porém, o Tribunal a quo pelo não preenchimento do pressuposto previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, por não verificado o “risco agravado”, considerando, também, que “a exigência de risco agravado terá de ocorrer em qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76”, desconsiderando ainda a atuação do Recorrente como de manutenção da ordem pública.

  6. Porém, cremos, que tal conclusão resulta de erro de direito (de interpretação e de subsunção), 9. Ora, o Recorrente atuou e identificou-se perante a prática de um crime e em visível tumulto na via pública, tendo sofrido as agressões já consideradas provadas na douta decisão de 1.ª instância.

  7. O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos pareceres n.ºs 79/86 e 59/89, de 4 de dezembro de 1986 e 10 de maio de 1990, respetivamente, que uma entidade policial “atua na manutenção da ordem pública quando reage no âmbito do trinómio tranquilidade-segurança-salubridade”, mais referindo que “atua ainda na manutenção da ordem pública o guarda da PSP que põe termo a uma zaragata ou a uma agressão física, que persegue um delinquente ou que o conduz à prisão”.

  8. O próprio Tribunal de 1.ª instância considerou, no facto provado D), a conduta do Recorrente como “ação de manutenção da ordem pública”, tendo a sentença recorrida sido mantida por douto Acórdão sob censura.

  9. Assim, o requisito atinente à causa do acidente, previsto no n.º 2 do artigo 1.º do DL 43/76, de 20 de janeiro, designadamente, a “manutenção da ordem pública”, considera-se preenchido, não carecendo da verificação de qualquer outro critério, designadamente, do “risco agravado”.

  10. De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 3, e 12.º, n.º 1, alínea h), da Lei n.º 52/2008, de 29 de agosto (Lei de Segurança Interna), resulta que a PJ é um órgão de polícia criminal e de segurança, necessariamente, também com missão de “manutenção da ordem pública”.

  11. O artigo 89.º da Lei Orgânica da PJ, que o regime legal em vigor para os deficientes das Forças Armadas e das forças de segurança é aplicável ao pessoal dirigente e demais funcionários da PJ, com as devidas adaptações, sendo, por isso, aplicável ao Recorrente.

  12. O regime legal dos Deficientes das Forças Armadas, estabelecido no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, será aplicável ao pessoal da Polícia Judiciária “com as devidas adaptações”, interpretando-se no sentido de ser aplicado aos que se deficientaram em cumprimento dos deveres de serviço de polícia, consistindo estes, a título de exemplo, na manutenção da ordem pública.

  13. Ora, prevê o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, que é considerado DFA o cidadão que, no cumprimento do seu dever de serviço, adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho, quando em resultado de acidente ocorrido, nomeadamente, na manutenção da ordem pública ou no exercício das suas funções e deveres e por motivo do seu desempenho, venha a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em perda anatómica ou prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função, tendo sido, em consequência, declarado.

  14. O Tribunal a quo considerou que “indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente”, o que não se retira em momento algum da norma legal.

  15. A atividade profissional do Recorrente é, por si só, um risco, e por esse mesmo motivo é beneficiário de um suplemento de risco, pelo que, ao realizar uma ação de “manutenção da ordem...

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