Acórdão nº 0339/21.1BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

O “MUNICÍPIO DE COIMBRA” interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido, nos presentes autos, pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em 29/4/2022 (cfr. fls. 1924 e segs. SITAF), que concedeu provimento ao recurso intentado pela Autora “A………………., Lda. (A………)” da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 12/11/2021, que havia julgado a ação improcedente e mantivera o ato de adjudicação impugnado (cfr. fls. 1732 e segs. SITAF), assim revogando esta sentença e julgando a ação procedente, anulou o ato de adjudicação impugnado e condenou o (então Recorrido) “Município de Coimbra” a excluir do concurso a proposta da adjudicatária /Contrainteressada “B………………., Lda.” e a adjudicar a prestação de serviços à Autora (“A……………….”).

  1. Inconformado com este julgamento do TCAN, veio a Entidade Ré “Município de Coimbra” interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1954 e segs. SITAF): «I. Nos termos do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; II. Como vem entendendo esse Supremo Tribunal, a importância fundamental da questão há-de resultar quer da sua relevância jurídica quer social, aquela entendida não num plano meramente teórico mas prático em termos de utilidade jurídica da revista, e esta, em termos da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular; III - Por outro lado, a “melhor aplicação do direito” há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito; IV - Ora, as questões sobre que versa o presente litígio foram, já por várias vezes, apreciadas quer pelo Tribunal Central Administrativo, quer por esse Supremo Tribunal e o que das decisões proferidas decorre é há, nestas matérias, entendimentos claramente divergentes, o que, só por si, justifica a admissão da presente revista; V – Na verdade, e a título de exemplo, o STA, em acórdão proferido em 3.12.2015, no âmbito do proc. n.º 0657/15, entendeu, em sentido diametralmente oposto àquele em que aponta o acórdão aqui recorrido, que “...o facto de uma proposta refletir um preço que implicaria um custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho não implica que, face ao teor da proposta, a entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação vigente e nomeadamente a legislação de trabalho que vem invocada como custos fixos a considerar na proposta; VI – Na mesma linha, afirma-se no Ac. do TCA Norte de 19.06.2015, proferido no proc. n.º 01646/14.5BESNT, que “...o facto de a concorrente adjudicatária ter declarado na sua proposta a susceptibilidade de beneficiar de um incentivo à contratação traduz um risco que recai sobre a sua esfera jurídica: dentro da respectiva liberdade de organização empresarial, a concorrente optou por apresentar a proposta nos moldes em que o fez – correndo assim por sua conta o risco de obter, ou não, o benefício à contratação – estratégia que não lhe estava vedada nem aos demais candidatos; se o benefício não vier a ser concedido, a única consequência que daí advém é a obrigatoriedade da concorrente manter o preço da proposta e cumprir os encargos salariais e sociais correspondentes, pagando a taxa social única ou a retribuição do trabalhador por inteiro”; VII – Acresce que atendendo à matéria em causa e à circunstância de, com elevada frequência, as entidades adjudicantes recorrerem à contratação pública para a aquisição de serviços de segurança privada, parece ser evidente que esta situação tem potencialidade para se expandir a uma miríade de casos futuros, o que, também por aqui, justifica a intervenção desse Supremo Tribunal; VIII – O acórdão recorrido olha para o preço apresentado pela contra-interessada B…………….. e conclui, automaticamente, que são violadas obrigações legais em matéria laboral, afirmando que é “...patente, do próprio teor da proposta, o incumprimento das obrigações legais por parte da Contra-Interessada”, mas o que é certo é que os valores apresentados por esta têm por fito justificar o preço proposto à entidade adjudicante, para com ela contratar, sendo por isso apresentados sob o título ‘Metodologia justificativa do preço apresentado’; IX – Esses preços não apresentam os termos em que a contrainteressada se vincula a contratar com os trabalhadores e a pagar esses contratos, tratando-se, sim, de valores que, embora devam aproximar-se dos custos mínimos da actividade em causa, não têm de lhe corresponder exactamente, em cada item a que corresponda um valor legal mínimo, para que o contrato a celebrar deva ser conforme às exigências legais; X - A contrainteressada está sempre vinculada, e estará obrigada contratualmente, no âmbito da execução do contrato objeto do concurso público, a manter os contratos com os trabalhadores no respeito pelas exigências legais aplicáveis; XI - Não tem de ser o pagamento do preço proposto, somente, a permitir à adjudicatária cumprir as suas obrigações legais e contratuais na sua relação com os trabalhadores que prestam o serviço, podendo para tanto ser alocados os recursos de que a empresa dispõe na globalidade, de sorte que os valores constantes da metodologia justificativa do preço o que fazem é distribuir a totalidade do valor do preço proposto pelos diversos custos a suportar, sem que tal signifique que o preço proposto tenha de cobrir todos os custos mínimos a suportar, atendendo a que o cumprimento desses mínimos conta com a totalidade dos recursos da empresa; XII - Só se houver uma discrepância flagrante entre o preço da proposta e a totalidade dos custos mínimos a suportar pela empresa adjudicatária é que poderá ter de se concluir pelo risco elevado de incumprimento, nomeadamente, das exigências legais aplicáveis em matéria laboral e social, podendo então considerar-se, nesse caso, que ocorre a causa de exclusão prevista na alínea f) do art.º 70.º n.º 2 do CCP; XIII - No caso vertente, não existiam quaisquer indícios de que a contrainteressada fosse incumprir as normas relativas às suas obrigações laborais, tanto mais que teve o cuidado de explicitar que o preço apresentado no âmbito do concurso previa a possibilidade de obtenção de apoios à contratação; XIV – A obtenção, ou não, desses auxílios consubstancia um risco, no âmbito da gestão da contra-interessada, que o Recorrido não tem de controlar, tanto mais que aquela está sempre vinculada a manter os contratos com os trabalhadores no respeito pelas exigências legais aplicáveis; XV - O acórdão recorrido incorre, por aqui, em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação do 71.º, n.º 2, do CCP, e violando, igualmente, o princípio da liberdade de gestão empresarial contido no artigo 61.º da CRP; XVI – É errada a afirmação de que o apoio ou incentivos ao emprego eram, neste caso, incompatíveis com a obrigação constante da cláusula 12.3 das condições gerais do caderno de encargos, e que resulta do artigo 285.º, n.ºs 1, 2 e 10 do Código do Trabalho, a de manter os trabalhadores ao serviço, no mesmo posto, no Convento de São Francisco, em causa neste procedimento; XVII - O recebimento, pela contra-interessada, de apoios referentes aos incentivos à empregabilidade pode concorrer para a definição do preço proposto na medida em que, reduzindo os custos da empresa no âmbito de outros contratos de trabalho, elegíveis para essas medidas de apoio, que aquela venha a celebrar, disponibiliza recursos que viabilizam a contratação com a entidade adjudicante pelo preço proposto; XVIII – Acresce que a contra-interessada declarou no mesmo documento em que fez aludida afirmação ‘justificativa do preço’, que se submetia, em tudo o que respeitasse à execução do contrato, ao que se achar prescrito na Legislação Portuguesa em vigor, pelo que se vinculou, por aí, a cumprir com o conteúdo da proposta na parte referente ao preço a receber da entidade adjudicante e igualmente no referente ao cumprimento da legislação em matéria da transmissão de estabelecimento, designadamente à manutenção dos contratos; XIX - O n.º 2 do artigo 71.º do CCP abre a possibilidade de, mesmo nos casos em que no convite ou no programa do procedimento não se tenham definido as situações em que o preço ou custo de uma proposta deve ser considerado anormalmente baixo, poder, ainda assim, considerar-se como tal uma proposta que se revele insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social ou laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato; XX – No entanto, se a lei abre a hipótese de os concorrentes justificarem um preço que, à partida, se apresenta como anormalmente baixo, com a possibilidade de obterem auxílios estatais, não é dado à entidade adjudicante, pura e simplesmente, ignorar essa afirmação e excluir, sem mais, a proposta; XXI – Do que se retira do acórdão recorrido, a apresentação, à partida, de um preço de que decorra, prima facie, ser insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria laboral é bastante para, por si só, impor a exclusão da proposta, raciocínio que, porém, retira qualquer sentido ou efeito prático aos n.ºs 3 e 4 do artigo 71.º do CCP; XXII - O acórdão recorrido viola os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 71.º do CCP; XXIII – Tendo em conta que a memória descritiva exigida no Programa do Concurso é um documento contendo um atributo da proposta, e a informação a que se reporta está contida em documento que integra a proposta da...

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