Acórdão nº 0263/17.2BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução21 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório A………… SA vem reclamar para a conferência da Decisão Sumária exarada em 25.03.2022, que decidiu não admitir o recurso que interpusera, uma vez que de acordo com o disposto no artigo 83.º, n.º 1 do RGIT só é admissível recurso se o valor da coima aplicada for superior a um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância, ou seja € 1.250,00 e se não for aplicada sanção acessória, o que não acontece no caso em análise pois a recorrente foi sancionada pela AT com a coima de €1.153,82, acrescida de custas no valor de €76,50, por decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Entroncamento.

Requereu, assim, que sobre a matéria da decisão sumária aqui posta em crise seja proferido acórdão, nos termos do artigo 652.º, n.º 5, alínea b) do CPC, sustentando, no essencial, que, nos termos do artigo 193.º n.º 3 do CPC, o juiz deve adequar o processo à forma processual mais apta para que possa proferir uma decisão de mérito, pelo que o presente recurso deve ser admitido nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 2 do RGCO, ex vi do artigo 3.º, alínea b) do mesmo diploma, preceito que determina o tribunal ad quem poderá aceitar o recurso se o arguido o requerer, quando tal se afigure, manifestamente, necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

* 2.

O Relator deste processo, por decisão singular proferida em 3 de Fevereiro de 2021, decidiu não admitir o recurso.

Irresignada com tal decisão a recorrente e ora Reclamante, veio reclamar para a conferência da decisão singular do relator.

Vejamos.

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705° e 700° n° 3 CPC, hoje, art°s. 656° ex vi 652° n° 1 c) e n° 3 CPC da revisão de 2013.

Deduzida reclamação para a conferência o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.

No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado).

No que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, pode o Recorrente restringir o objecto do recurso, identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do art° 632° n° 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial - Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.

O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.

A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. art°s. 635° n° 4, 637° n° 2 e 639° n°s 1 e 2 CPC, na medida em que "(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamara, de forma sintética, nas conclusões. (...) Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação.

(...) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)", cfr. art° 635° n° 4 CPC. (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85).

No tocante à ampliação do objecto do recurso, o art° 636° n°1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do art° 652° n° 1 c) e n° 3 ex vi 656° CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (art° 635°/4 CPC), nem para desistir do recurso (art° 632° 5 CPC), posto que "(...) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso. Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (...)" – (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 71/72).

Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (art° 652°/1 c) ex vi 656° CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. art° 632° n° 5 CPC.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art° 635° n° 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art° 636° n°1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.

No regime do art° 652° n° 1 c) e n° 3 ex vi 656° CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento...

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