Acórdão nº 63/20.2T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – Relatório F. R., menor de idade à data da instauração dos autos, representado pela sua Legal representante N. C., residentes na Rua … n.º .., Bloco … Vila Real, propôs acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra COMPANHIA DE SEGUROS X PORTUGAL, S.A, com sede na Rua … Lisboa, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €25.000,00, acrescido dos juros de mora computados à taxa legal de 4 %, desde a citação da Ré até efectivo e integral pagamento e as indemnizações não-passíveis de liquidação, relegadas para ulterior execução de sentença.

Para tanto alegou, em suma, que, no dia 02/12/2015, ocorreu um acidente de viação, na Avenida …, concelho de Vila Real, consistente no facto do A. ter sido colhido pela viatura com matrícula »EF«, conduzida, naquele momento, por A. C. que havia transferido para a ré a sua responsabilidade, por via do contrato de seguro com a apólice n.º .......00 destinado a cobrir os riscos da circulação do veículo com matrícula EF, imputando à referida condutora a culpa do sinistro e, consequentemente, as sequelas daí decorrentes que especifica.

*A ré apresentou contestação, alegando, em suma, que foi o peão que saiu a correr, sem olhar para ambos os lados da via pública, a ver se vinham automóveis, por entre os veículos ali estacionados, de encontro à porta esquerda do veículo conduzido pela sua segurada, nele embatendo por acto próprio, mais alegando que o veículo circulava a uma velocidade não-superior a 30KM/h, nada tendo podido fazer para evitar o embate, pelo, conclui, que a responsabilidade pela colisão se deve unicamente à culpa do autor, o que exclui qualquer indemnização, nos termos do disposto no art 570º do Cód Civil, peticionando a sua absolvição.

*Realizou-se audiência de julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando, consequentemente, a ré a pagar ao autor a quantia de €18.000,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, no mais julgando improcedendo o demais peticionado.

*II- Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1 - A sentença recorrida considerou que a condutora do veículo automóvel não teve qualquer culpa no atropelamento em causa nos autos, imputando a responsabilidade ao peão atropelado.

2 - Porém, considerando a responsabilidade objetiva e os riscos próprios de um veículo a circular em frente a uma escola, considerou o Tribunal a quo que a responsabilidade pelo acidente de viação devia ser imputada na proporção de 10% ao Recorrido, por culpa do lesado, e 90 % ao veículo automóvel, pela responsabilidade objetiva.

3 - A responsabilidade objetiva prevista no artigo 503.º n.º 1 depende da existência de uma causalidade adequada entre os riscos do veículo e o atropelamento em apreço, ou seja (i) os riscos próprios do veículo devem ser condição sem a qual o atropelamento não se teria verificado e, (ii) em abstracto ou em geral, os riscos próprios do veículo devem ser causa adequada do dano, o que apenas ocorrerá se, tomadas em conta as circunstâncias do caso, a potencialidade de perigo se mostrar, à face da experiência comum, como adequada à produção do atropelamento, havendo fortes probabilidades de o originar.

4 - Note-se que a interpretação defendida na conclusão anterior é consentânea com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2019, proc n.º 15385/15.6T8LRS.L1.S1, como resulta inequívoco do trecho transcrito na sentença proferida acrescido do trecho transcrito supra nas presentes alegações de recurso.

5 - A responsabilidade objetiva não pode ser aplicada como se tratasse de uma imputação inilidível de responsabilidade de qualquer veículo motorizado interveniente num atropelamento.

6 - A presença de uma escola nas imediações do atropelamento não é um risco próprio do veículo, sendo que as únicas obrigações que podem ser retiradas de tal facto serão as inerentes ao dever de vigilância e os normais deveres de cuidado dos condutores, inerentes à responsabilidade subjetiva e que, como resulta da sentença recorrida, foram cumpridos pela condutora do EF.

7 - Analisada a matéria de facto dada como provada resulta cristalino que o veículo automóvel circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas não superior a 30 km/h, numa fila de trânsito (facto provado 11), quando subitamente o Recorrido entra na via de trânsito a correr (facto provado 9), provindo de um local sem visibilidade (facto provado 6 e 9) e vai de encontro à lateral do veículo automóvel (facto provado 12).

8 - Destarte, é forçoso concluir que os riscos próprios de um veículo não são causa adequada para um peão correr para a via de trânsito e vir a embater contra a lateral do veículo, sendo o comportamento do Recorrido o violador das mais elementares regras de cuidado e diligência, consubstanciando uma conduta temerária e que foi, sem qualquer margem para dúvida, a causa adequada (e exclusiva) do acidente em apreço.

9 - O comportamento adequado a potenciar a perigosidade de um atropelamento é adveniente do comportamento do peão, que se colocou a si e a terceiros em risco, risco esse que não é imputável ao veículo automóvel mas exclusivamente ao próprio peão.

10 -Considerando o supra exposto, sempre se dirá que, perante a matéria de facto dada como provada, deve a responsabilidade pelo atropelamento ser imputada na íntegra ao peão, que com o seu comportamento culposo quebrou o nexo de causalidade entre os riscos próprios do veículo e os danos, excluindo a responsabilidade objectiva do veículo automóvel e, consequentemente, da Recorrente, enquanto seguradora do veículo interveniente no sinistro.

11 - Consequentemente e tendo em conta tudo o supra exposto, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 503.º, 505.º, 570.º, do Código Civil.

12 -Sendo certo que, através da correta interpretação das supra referidas normas jurídicas, deve a responsabilidade pelo atropelamento sub judice ser imputada integralmente ao Recorrido e, consequentemente, a ação ser considerada integralmente improcedente.

Termos em que, deve o presente recurso de apelação ser admitido e, consequentemente, ser proferido acórdão que revogue a douta sentença em crise, considerando a ação integralmente improcedente, como é de, JUSTIÇA!*O A. veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo ser de julgar improcedente o recurso.

*Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

*III. O objecto do recurso Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apurar se, perante a matéria de facto provada, a responsabilidade pelo atropelamento deve ser imputada única e exclusivamente ao peão, aqui A./Recorrido.

*Fundamentação de facto Factos provados 1. A ré celebrou um acordo escrito designado »contrato de seguro« com A. C., a que corresponde a apólice n.º .......00, mediante o qual assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento de quaisquer danos resultantes de sinistros do veículo de marca OPEL, modelo ASTRA H SEDAN/CARAVAN 03/04, com a matrícula EF (doravante »EF«).

  1. No dia 02/12/2015 ocorreu um atropelamento do autor na Avenida …, União de Freguesias de Vila Real (…, … e …), nesta comarca, pelas 14 horas e 15 minutos, pelo veículo ligeiro de passageiros com matrícula »EF«.

  2. O veículo de matrícula »EF« era conduzido por A. C..

  3. A via referida em 2) consiste num arruamento, sendo a artéria em recta, constituída por uma via de trânsito, de sentido único, com boa visibilidade em toda a sua extensão e com uma ligeira inclinação...

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