Acórdão nº 216/22.9YRPRT de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelRUI MOREIRA
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. N.º 216/22.9YRPRT Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros REL. N.º 704 Relator: Rui Moreira Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Andrade Miranda * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I - RELATÓRIO Recorrente: K..., Companhia de Seguros, S.A.

Recorridos: AA *****Na sequência de reclamação de indemnização, subsequente a acidente de viação e no âmbito de um contrato de seguro automóvel com cobertura de danos próprios, apresentada por - AA contra - K..., Companhia de Seguros, S.A.

decorreu processo de arbitragem junto do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), tendo por objecto a pretensão indemnizatória do reclamante, respeitante (na parte que resta decidir) ao dano de privação de uso do seu veículo, à razão de 30,00€ por dia, o qual ascendia a 5.790,00€ à data da entrada da reclamação, a acrescer com o valor correspondente aos dias que decorram até à efectiva entrega do veículo reparado. Tal pedido foi formulado na sequência de um acidente de viação de que o reclamante foi vítima e por cuja produção foi responsável o condutor do outro veículo ali interveniente, mas cuja regularização a sua própria seguradora providenciou por aplicação da convenção IDS, mas sob a invocação do contrato de seguro automóvel com cobertura de danos próprios que entre ambos havia sido celebrado.

A reclamada K... Seguros rejeitou a sua responsabilidade, em suma e no que agora importa, por no âmbito do contrato de seguro celebrado com o reclamante não ter sido prevista a cobertura do dano de privação de uso do veículo seguro.

*Foi proferida sentença, da qual foi interposto recurso que determinou a respectiva anulação e devolução ao tribunal arbitral recorrido, para ampliação da matéria de facto.

Foi, sucessivamente, proferida nova sentença, condenado a reclamada K… a pagar ao reclamante a quantia de 9.720,00€, a título de privação de uso do seu veículo, sendo que, deste valor, 5.640,00€ correspondem ao período decorrido entre a data do acidente e a da entrada da reclamação no CIMPAS (5/6/2019); e 3.930,00€ correspondem ao período entre essa data e a da efectiva reparação do veículo, suportada pela reclamada (15/10/2019).

Considerou o tribunal arbitral que, apesar de o contrato de seguro de danos próprios que integra a causa de pedir nesta acção não incluir a cobertura de “privação do uso”, a reclamada, vinculada à obrigação de indemnização ao seu próprio segurado, violou deveres de boa fé, diligência, lealdade, consideração e respeito pelos interesses deste, ao demorar mais que o razoável no apuramento e pagamento da indemnização devida.

É desta sentença que vem interposto recurso, pela reclamada K..., discordando da sua condenação, por entender não poder ser responsabilizada por prejuízos resultantes da privação do uso do veículo, porquanto esse risco não se mostra coberto pelo contrato de seguro celebrado entre ambos. Em qualquer caso, alega que nenhuma demonstração foi feita sobre a efectiva existência de prejuízos decorrentes da privação de uso do veículo do reclamante ou, pelo menos, que o prejuízo não deve ser computado no valor definido na decisão recorrida.

Concluiu as suas alegações nos termos seguintes: “1. Entendeu, o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente, "(, . .) a pagar ao Reclamante, nos termos dos artigos 562°, 563° e 566º do C. C. a quantia de 9.720,00€, o que equivale à soma das quantias de 5.640,00€ (5.790,00(-)150,00€ (5dias) e 3.930,00€, a título de privação do uso do QQ, conforme ponto 1 AA e 1 BB da sentença.".

  1. Sendo que, é contra a condenação no montante indemnizatório arbitrado na douta sentença recorrida que a ora Recorrente agora se insurge, nomeadamente por considerar que a responsabilidade da mesma, no presente litigio, se trata de uma responsabilidade exclusivamente contratual, não podendo, por isso, haver lugar à condenação da mesma no pagamento de uma indemnização por alegados danos a título de privação de uso, porquanto se trata de uma cobertura que não se encontrava contratada.

  2. Acresce que, se consideramos que estamos no âmbito de uma responsabilidade civil extracontratual, não pode a ora Recorrente concordar com o montante indemnizatório arbitrado atribuído ao Reclamante a título de privação do uso porquanto se afigura manifestamente desajustado, por excessivo, atenta a factualidade julgada provada (e não provada) nos autos, e bem assim os critérios jurisprudenciais atualmente seguidos pela nossa jurisprudência, encontrando-se, nessa medida, incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 483.º ,562.º ,566.º, nºs 2 e 3 do Código Civil.

  3. A Reclamação formulada pelo Reclamante, parece resultar que a mesma se funda no instituto da responsabilidade civil extracontratual.

  4. Tanto assim é que, o douto tribunal a quo, veio oficiosamente solicitar os seguintes esclarecimentos junto do Reclamante, através do despacho de fls._, proferido em 27.11.2019: "- O Reclamante, consequência do acidente dos autos, acionou, na participação do acidente ou no seguimento do processo de regularização do acidente, o seguro automóvel celebrado com a Reclamada K..., na modalidade "Danos Próprios"? - É intenção do Reclamante que a assunção da responsabilidade do acidente seja assumida pela Reclamada K... no âmbito do mesmo contrato e seguro "Danos Próprios" em vigor?".

  5. Nesta sequência, o Recorrido sob requerimento junto aos autos a fls._, em 12.12.2019, confirma que "acionou o seguro de "danos próprios" subscrito junto da Reclamada", e bem assim que "É intenção que a assunção da responsabilidade do acidente seja assumida pela Reclamada no âmbito do contrato de seguro "danos próprios" em viqor", (negrito nosso) 7. Não estando em discussão nos presentes autos, um direito emergente da responsabilidade civil extracontratual, o qual, admitindo-se, poderia eventualmente comportar o ressarcimento do dano decorrente da paralisação do veículo, haverá sempre que se atender ao conteúdo do contrato celebrado entre as partes, e bem assim aos correspondentes direitos e deveres emergentes desse contrato.

  6. Nos termos do contrato de seguro objeto de discussão nos autos, não foi contratada qualquer cobertura facultativa de "privação do uso" por parte do Reclamante, aqui Recorrido.

  7. Sendo certo que, caso tivesse sido contratada a referida cobertura facultativa, a mesma conduziria inevitavelmente a um agravamento do prémio de seguro pago pelo Recorrido, o que, in casu, não sucedeu.

  8. Ora, ressalvando naturalmente o devido respeito por melhor opinião, existindo a possibilidade no contrato celebrado entre as partes, a contratação de uma cobertura de "privação de uso", a qual visa precisamente garantir ao tomador, os prejuízos decorrentes da paralisação do veículo seguro, no âmbito das coberturas facultativas de danos próprios, e não tendo o Reclamante, por mero ato de sua vontade, contratado tal cobertura, nunca poderá a agora Recorrente ser condenada a pagar ao Reclamante os alegados prejuízos decorrentes daquela privação.

  9. E nesta medida, ressalvando novamente o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida, ao condenar a Reclamada, aqui Recorrente, no pagamento dos montantes indemnizatórios supra referidos, viola claramente o equilíbrio contratual das partes, na medida em que tal cobertura não foi, voluntariamente, contratada pelo Recorrido.

  10. Neste mesmo sentido, concluíram, designadamente, os seguintes Acórdãos: - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.02.2018, no âmbito do processo n.? 446/15.0T8AMT.P1; - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.11.2017, no âmbito do processo n." 2936/15.5T8BRG.G1.

  11. Resultando ainda nos termos do disposto no artigo 130.°, n.º 2 e 3 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (cf. DL n.? 72/2008, de 16 de abril) que a Recorrente apenas responderia pela privação do uso do veículo do Recorrido, caso se encontrasse contratada essa cobertura, o que, como já se disse, não sucedeu.

  12. Pelo exposto, forçoso será concluir que o contrato de...

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