Acórdão nº 510/20.3T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Data da Resolução12 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de apelação n.º 510/20.3T8PRT.P1 Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – J3 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Depois de frustrada a tentativa de conciliação, AA e BB, filhos do sinistrado CC, apresentaram, com o patrocínio oficioso do MºPº, petição inicial para impulso da fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (conforme art.º 117º, nº 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho), contra “Companhia de Seguros X..., S.A.

”, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes: a) a ambos, a quantia de € 5.752,08 relativa a subsídio por morte, calculado de acordo com o disposto no art.º 65º, n.ºs 1 e 2, al. a) da Lei 98/2009, de 04 de setembro; e b) a cada um dos Autores, a pensão anual e temporária de € 5.118,77, calculada com base em 20% da retribuição anual referida, com início no dia 21 de novembro de 2019, dia seguinte ao da morte do sinistrado, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos e enquanto frequentarem o ensino superior; c) bem como juros de mora à taxa legal sobre as referidas importâncias, a contar do vencimento das respetivas obrigações, nos termos do art.º 135º do Código de Processo do Trabalho.

Fundaram o seu pedido alegando, em síntese, que o seu pai em 20/11/2019 sofreu acidente quando estava no exercício das suas funções nas instalações da “C..., Lda.”, do qual resultou a sua morte, estando a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a seguradora Ré.

Citada a Ré, apresentou contestação, alegando, em resumo, que a queda do sinistrado ocorreu na execução de uma tarefa que não resultava do exercício das suas funções enquanto médico dentista, desconhecendo-se a existência de instruções por parte da empregadora para a executar e se planificou a sua execução, além de que o sinistrado não acautelou o risco de queda, violando ostensivamente as mais elementares regras de segurança, havendo negligência grosseira por parte do sinistrado o que descaracteriza o acidente, mas se assim não for entendido sempre há incumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho por parte da empregadora; conclui dizendo, dever: a) a ação ser julgada totalmente improcedente; b) serem julgadas procedentes as referidas violações das regras de segurança e saúde no trabalho por parte do sinistrado, considerando a sua atuação de título de negligência grosseira para os efeitos do disposto no art.º 14º da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro; c) caso assim não se entenda, serem julgadas procedentes as violações da entidade empregadora, com todas as devidas consequências, designadamente para efeitos do Direito de Regresso que assiste à Ré nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 18º, nº 1 e 79º, nº 3 da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro.

Citado o “Centro Distrital da Segurança Social ...”, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º, nº 2 do Decreto-lei nº 59/89, de 22 de fevereiro, nada foi alegado.

Foi proferido despacho a determinar a intervenção da Empregadora do sinistrado, a “C..., Lda.”.

Citada a Interveniente, a mesma apresentou contestação, na qual alegou, em síntese, que o sinistrado se encontrava a executar a tarefa, que não é inerente à sua atividade profissional, por mote próprio e sem qualquer indicação prévia por parte de um superior hierárquico (sendo o sinistrado o sócio gerente) em termos que evidenciam um elevado grau de negligência grosseira, devendo-se o sinistro ao comportamento voluntário e violador das condições de segurança por parte do sinistrado, donde não ter a Interveniente qualquer responsabilidade, havendo descaracterização do sinistro como acidente de trabalho, concluindo dever a ação ser julgada totalmente improcedente, e consequentemente: a) ser julgado que o comportamento do sinistrado CC caracteriza uma situação de negligência grosseira e, como tal, seja determinada a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho, nos termos e para efeitos da alínea b), do nº 1, do art.º 14º da Lei n.º 98/2009, de 04/09; b) ou, caso assim não se entenda, seja julgado que o comportamento do sinistrado CC caracteriza uma ação que importa a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei, e, como tal, seja determinada a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho nos termos e para efeitos da alínea b), do n.º 1, do art.º 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09; c) ou, caso assim não se entenda, seja considerado o sinistro como acidente de trabalho e, nesse sentido, seja a Ré Seguradora condenada ao pagar aos Autores as quantias devidas, nos termos do petitório deduzido.

Foi proferido despacho a convidar a Ré Seguradora[1] a aperfeiçoar a contestação.

A Ré Seguradora apresentou “contestação aperfeiçoada”.

Foi proferido despacho para notificação dos Autores e da Interveniente para se poderem pronunciar, os primeiros sobre a “exceção invocada pela Seguradora da descaracterização do acidente”, e a segunda sobre a “invocada não responsabilidade da 1ª Ré face ao imputado incumprimento das regras de higiene e segurança no trabalho”, o que fizeram.

A Ré Seguradora exerceu o contraditório em relação ao requerimento da Interveniente.

Foi determinada a realização de «audiência prévia», na qual foi proferido despacho saneador afirmando a regularidade e validade da instância, consignando-se os factos assentes e enunciado o objeto da causa bem como os temas de prova.

Foi ainda fixado o valor da ação em € 54.708,04.

Depois de realizada «audiência de discussão e julgamento», foi proferida sentença decidindo o seguinte: I) considerar que CC sofreu um acidente de trabalho no dia 20/11/2019, quando se encontrava ao serviço de “C..., Lda.”; II) absolver a Interveniente “C..., Lda.” do pedido contra ela formulado; III) condenar a Ré “Companhia de Seguros X..., S.A.” a pagar: a) aos Autores a quantia de € 5.752,08 a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efetivo e integral pagamento; b) a cada um dos Autores a pensão anual de € 5.118,77, com início em 21/11/2019 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), atualizada em 01/01/2020 para o valor de € 5.154,60, e em 01/01/2021 para o valor de € 5.154,60, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, até perfazer 25 anos, enquanto frequentar o ensino superior, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efetivo e integral pagamento.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré Seguradora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]: 1. Entende o Apelante que o Tribunal a quo apreciou de forma incorreta a prova testemunhal e documental produzida, julgando de forma incorreta os factos considerados como provados e não provados, considerando aquela que foi a prova produzida em sede de audiência de julgamento.

  1. Considerando como não provada a sentença ora em crise que no dia do acidente CC trabalhasse sob as ordens, direção e fiscalização da Ré C..., Lda. pelo que não tendo sido provada a relação laboral, o evento em apreço nos autos nunca poderia ter sido caracterizado como acidente de trabalho e aqui Recorrente condenada no pedido (ponto 1 dos factos dados como não provados).

  2. CC era médico dentista, pelo que as tarefas de reparação da janela da marquise da Ré C..., Lda. sempre teriam de se encontrar fora do âmbito da eventual profissão exercida por aquela, o que determina que o evento em apreço nos autos se encontre fora do âmbito da cobertura da apólice de acidente de trabalhos celebrada entre a aqui Recorrente e a Ré C..., Lda..

  3. As tarefas executadas por CC encontravam-se fora da atividade exercida na C..., o que resultou do depoimento da testemunha DD, facto que deveria ter sido considerado como provado pela douta sentença recorrida.

  4. CC caiu da janela do 4º andar da clínica da propriedade da Ré C... da qual era sócio-gerente, e esta da propriedade dos seus pais, pelo que nunca poderia ter sida considerado como não provado que CC desconhecesse que se encontrava a executar trabalhos no 4º andar a cerca de 10 metros de altura da cobertura de um terraço existente (ponto 7 dos factos dados como não provados).

  5. CC caiu de uma janela do 4º andar da clinica quando se encontrava junto à janela da marquise, sendo que no local inexistiam vidros partidos e a janela encontrava-se aberta quando a testemunha DD voltou ao local, onde apenas o sinistrado de encontrava logo após este ter caído e a janela estava aberta, pelo que nunca poderá ser sido considerado como não provado que a janela não se encontrasse aberta durante a execução dos trabalhos em causa e o escadote usado para o efeito (ponto 2 dos factos dados como não provados).

  6. Do mesmo modo nunca poderia ter sido considerado como não provado que o escadote utilizado por CC não estivesse junto à janela durante a execução da tarefa de reparação, já que a reparação em causa era efetivamente da janela, não fazendo sentido que o escadote estivesse afastado da janela e por ter sido afirmado pela testemunha DD que a chegar à marquise logo após a queda o escadote estava junto à janela (ponto 3 dos factos dados como não provados).

  7. Não podia ter a sentença ora em crise ter considerado como não provado se CC tenha efetuado a tarefa de reparação desacompanhado e sem o auxílio de terceiro (ponto 10 dos factos dados como não provados) já que este estaria sozinho na clínica com a testemunha DD que se ausentou do local quando aquele iniciou a reparação e quando retornou já a queda de CC tinha ocorrido.

  8. Não podia a sentença recorrida ter considerado como não provado que CC não estivesse no 3º ou 4º degrau do escadote a mais de 80 centímetros do solo e, em plano superior ao parapeito da marquise, com a janela aberta e...

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