Acórdão nº 550/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução09 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 550/2022

Processo n.º 704/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal de Execução de Penas dos Açores, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), da decisão de 21 de maio de 2022, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do despacho proferido por aquele Tribunal em 29 de abril de 2022, que decidiu não proceder «à apreciação da liberdade condicional e audição do recluso», aqui reclamante, que atingira o cumprimento de dois terços da pena em 23 de abril de 2022, em virtude de se manterem pendentes contra o mesmo os processos crime cuja existência fora considerada no despacho datado de 17 de março de 2021 para «sobrestar no conhecimento da liberdade condicional» apesar de cumprido o tempo corresponde a metade da pena.

2. Com relevo para a questão a decidir no âmbito da presente reclamação, lê-se no despacho recorrido o seguinte:

«Requerimentos de fls. 214 a 221, 222 a 228. 229 e 230: De acordo com os elementos que constam dos autos, continuam pendentes contra o recluso o Proc. nº 757/16.7T9PDL (ao qual foi apensado o Proc. nº 2429/16.3T9PDL - vide fls. 188 e 190) e o Proc. nº 1912/20.0T9PDL (vide fls. 189).

Pelo que, por referência a estes processos, permanecendo a situação jurídica do recluso indefinida, mantêm-se os pressupostos de facto e de direito que determinaram que se sobrestasse o conhecimento da liberdade condicional no despacho datado de 17/03/2021, com a Ref.a 6741222 (vide fls. 166), não havendo motivos para que, neste momento, cesse o ali determinado.

Neste sentido, a Decisão Sumária do TRP de 20/06/2012[1], relativamente à falta de requisitos/pressupostos para a apreciação da Liberdade Condicional, diz que se a situação jurídico-penal do condenado não se encontrar estabilizada, não há lugar a Conselho Técnico: "se não há lugar à apreciação da possibilidade de concessão de liberdade condicional, por isso de haver uma condenação ainda não transitada em julgado em virtude da qual a situação jurídico-penal do recorrente ainda não se encontra estabilizada, não há lugar a Conselho Técnico. Claro como a água".

Igualmente, de forma directa e em situação de Habeas Corpus, o STJ decidiu em Ac. de 06/09/2012[2] que "a liberdade condicional (...) só poderá ser determinada pelo TEP quando a situação prisional do arguido estiver estabilizada".

Do mesmo modo, o Ac. do TRL, de 29/02/2012[3], onde em lugar paralelo relativamente ao despacho onde se constata a falta de requisitos/pressupostos para a apreciação da Liberdade Condicional através da marcação de Conselho Técnico e audição do recluso se pode ler que "(...) II- Trata-se de um despacho que não aprecia se o Recorrente reúne as condições materiais ou substanciais para que lhe seja concedida a liberdade condicional, nos termos do art. 61º do Código Penal Limita-se a constatar que ainda não se verificam os pressupostos processuais para se iniciar a instrução desse processo. (...)".Citando este mesmo acordão a decisão liminar do TRP, de 08/02/2016[4], onde, rejeitando o recurso interposto do despacho que indeferiu tramitação de instrução para apreciação de Liberdade Condicional, face a instabilidade jurídica dos autos e a não verificação de pressupostos do art. 63º do CP, se diz que ua decisão recorrida que indeferiu o pedido de tramitação com vista à convocação de conselho técnico, não se insere em nenhuma daquelas decisões, expressamente previstas na lei (...), sendo pois apenas uma rejeição de um requerimento inicial, nos termos do art. 148º, ai. a) do CEP e como tal é irrecorrível

No mesmo sentido, em acórdão do CSM, proferido em 11/11/2014[5], depois de se entender que nesta sede, antes de mais o quanto está em causa é um entendimento jurisdicional do juiz do processo, escreveu-se que "não pode deixar de considerar-se que inerente ao instituto da liberdade condicional está a finalidade ressocializadora e que, por essa razão, sendo condicionante da sua concessão a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, se pode entender afinal que esse juízo não possa ser alcançado sem a cabal definição da situação prisional do recluso

Mais recentemente, em acórdão do CSM, proferido em 03/11/2015[6], pode-se ler, em lugar paralelo, sobre a questão, " não se patenteia qualquer retardamento, e ainda menos injustificado ou irrazoável, na tramitação do processo de liberdade condicional e a sustação da decisão de liberdade condicional, para apurar do resultado do processo pendente, tem pleno cabimento para valoração do pressuposto substancial da concessão de liberdade condicional, que supõe um juízo de prognose favorável sobre o recluso no sentido de que, uma vez em liberdade, conduza a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, numa libertação compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Está, portanto, em causa um pressuposto relativo à prevenção especial, positiva e negativa, à perigosidade do agente e à sua reinserção social e, por isso, exige-se a formulação desse juízo de prognose favorável quanto ao modo socialmente inclusivo como conduzirá a sua vida. Isto para dizer que a "reprovada" sustação do processo de liberdade condicional encontra explicação nas finalidades da liberdade condicional"(...), que é "uma medida de modelação do cumprimento da pena e visa suspender a reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade definitiva, que permita ao recluso a aquisição do sentido de orientação social, esbatido pelo período de reclusão. Implica, por isso, a verificação de um conjunto de circunstâncias que, no fundo, correspondem ao alcance da finalidade da execução da própria pena. Só por si, esta tem de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes (artigos 61.º a 63.º do C. Penal). E a pendência de um processo crime, (...) justifica, in mellius, aconselha a indagação do seu desfecho para melhor sustentar o imprescindível juízo de prognose acerca do recluso."

Assim sendo, por ora, não se procederá à apreciação da Liberdade Condicional e audição do recluso, nos termos por si pretendidos.»

3. Desta decisão interpôs o reclamante recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., Recorrente, não se podendo conformar com o douto despacho de 29-04-2022, proferido por V. Exa. em que indeferiu a audição do Recorrente aos 2/3 da pena, e porque V, exa. entende por irrecorrível a decisão proferida, vem, nessa medida, recorrer para o Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º 1, alínea a) e b), da Lei n,º 28/82, de 15 de Novembro, na sua atual versão (LTC), com os efeitos suspensivos constantes do artigo 78 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua atual versão (LTC)..,

[…]

O Despacho de 29-04-2022, viola os princípios da presunção de inocência e da proporcionalidade e da igualdade, pela inferência automática de efeitos contra o arguido da mera pendência sem julgamento de processos criminais, independentemente da sua gravidade e com alei, a pendência de processo(s) relativos a factos que não admitem a prisão preventiva.

A não concessão da liberdade condicional com base no facto da situação jurídico - processual do arguido estar indefinida viola o princípio da presunção de inocência. Aos 2/3 já se pressupões que se encontram satisfeitas as razões de prevenção geral, artigo 61 n.º 2 do CP. Neste caso o facto de o arguido não ter a situação processual-criminal resolvida não lhe é imputável e nem se pode presumir que nesses processos será condenado.

Além de que a audição do recluso é um poder-dever do Tribunal, vinculado à verificação dos pressupostos formais e materiais estipulados pela lei. Para além de que a decisão deve ser fundamentada. Neste segmento viola-se os artigos 61 n.º 2 al a) do CP e do artigo 146 do CEP.

O Arguido não percebe onde esta decisão se estriba para não conceder a liberdade condicional ou melhor nem ouvir e decidir o que a lei impõe, violando assim o n.º 1 do artigo 2 e n.º 1, 5, 6 e 7 do artigo 3 do CEP.

Encontra-se violado o artigo 61 do CP, audição da liberdade condicional, nomeadamente os direitos do recluso à liberdade conjugado com o artigo 27 da CRP e do artigo 32 n.º 1 da CRP.

Também se encontra violado o artigo 61 da CRP, conjugado com o artigo 13 da CRP, violando o principio da igualdade, uma que que no despacho sob censura a M.a Juiz a quo, descreve situações de processos em regime de cumprimento de penas sucessivas, ora o arguido apenas tem uma condenação que se encontra a cumprir, ora as situações iguais trata- se de forma igual, e as questões diferentes tratam-se na medida das diferenças. Quando se refere a situação processual indefinida é bem diferente a de alguém que está em cumprimento sucessivo de penas, daquele que cumpre pena única e que se presume inocente, diferentemente do primeiro caso em que a pessoa esta condenado em vários processos com decisões transitadas em julgado.

O Despacho sob censura viola o princípio da proporcionalidade na medida em que o que seja o conteúdo rigoroso da proporcionalidade, textualmente referida na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, é questão suficientemente tratada pela jurisprudência do Tribunal.

Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93 (referido também no Acórdão n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de direito, vincula as ações de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT