Acórdão nº 077/09.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2022

Data07 Setembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 77/09.3BELRS Recorrente: “A…………, SGPS, SA” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 24 de Fevereiro de 2022 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/67fe2ec6cb097e8b802587f4007c08ea.) – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa e, em substituição julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) de 2005 e respectivos juros compensatórios, consequente à aplicação da disposição anti-abuso prevista no n.º 2 do art. 38.º da Lei Geral Tributária (LGT), que determinou uma correcção da matéria colectável –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «A. Nos termos do n.º 1 do artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de revista”, “[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  1. Em complemento e em concretização do que enunciam as normas acima citadas, dispõe o n.º 2, do mesmo preceito, que “[a] revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual”.

  2. A presente revista incide, em termos sumários – quanto aos quais se fará, adiante, a necessária alegação –, sobre a apreciação da seguinte questão jurídico processual: deve o TCA admitir, em oposição a entendimento por si já proferido no âmbito de um processo em que estão em causa os meus intervenientes e factos, que a alternativa a um acto lícito fiscalmente menos oneroso seja a prática de um acto ilícito fiscalmente mais oneroso ou que o negócio ou acto de substância económica equivalente se consubstancie, no contexto da aplicação da CGAA, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, num negócio ou acto cuja prática é legalmente vedada? D. À luz do que vem dito, é inequívoca a relevância jurídica da apreciação em sede de recurso de revista da questão identificada. Vejamos porquê: o Tribunal recorrido parece, em substância, acreditar que a A............ o que queria era investir directamente na B............, ou seja, que o que estava na sua mente era ser ela própria a subscrever as obrigações dessa empresa. Não obstante, uma vez que os juros de tal investimento estariam sujeitos e não isentos de IRC na esfera da A............, esta acabou por decidir interpor artificialmente no negócio a C............: foi esta a sociedade que interveio nos empréstimos obrigacionistas da B............, com os meios financeiros que a A............ lhe concedeu através de prestações suplementares, de modo a que, num primeiro momento, os juros recebidos estivessem isentos, em virtude da localização da C............ na ZFM e, num segundo momento, o lucro formado por esses juros estivesse também isento de IRC, por causa do regime fiscal das SGPS e do regime da eliminação da dupla tributação de dividendos distribuídos (actualmente consagrado no artigo 51.º do Código do IRC), sempre que subisse para a holding.

  3. Mas não é assim, nem poderia ser, como o Tribunal bem sabe e não pode desconhecer. Esta tese não cumpre evidentemente os mínimos que o teste da anormalidade ou do abuso de formas propõe e, além disso, assenta numa prerrogativa jurídica impossível ou ilegal: a A............ não poderia ter celebrado ela própria os contratos com a B............, porque isso contrariaria frontalmente o regime das SGPS – o qual, justamente, lhes veda, em geral, o exercício de actividades económicas directas, designadamente as de natureza financeira –, sendo esta a razão económica que primordialmente justifica o recurso à sua intermediação no caso concreto, além, naturalmente, das outras razões económicas que o Tribunal de primeira instância deu como provadas e que o TCA Sul não contrariou.

  4. Com efeito, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, as SGPS não podem conceder crédito a entidades não relacionadas. Por seu turno, de acordo com o n.º 2 do artigo 8.º, as SGPS que exerçam de facto uma actividade económica directa serão dissolvidas judicialmente, nos termos do artigo 144.º do CSC.

  5. Pois bem: se a A............ não podia ter concedido crédito à B............, não é possível dizer que o papel desempenhado pela C............, com todos os elementos de contexto que, segundo o TCA Sul (no aresto de que se recorre), transmitem a ideia de um suposto intuito fraudatório (a constituição da sociedade na ZFM, as prestações suplementares feitas pela A............) fosse apenas ou principalmente o de permitir o efeito fiscal de uma transformação de juros em dividendos.

  6. Ora, se o Acórdão recorrido assenta na defesa de que a A............ desejava conceder crédito à B............ e de que o valor dos lucros recebidos da C............ deve ser tributado a título de juros, então, ruindo a tese de que era sequer possível à A............ conceder tal crédito, tem esta fundamentação – e, em consequência, o próprio Acórdão – de ruir também.

    I. Não se vê que outra solução possa ser dada ao caso: admitir que um Tribunal nacional aceite como válida uma contingência fiscal que a AT faz decorrer de um pressuposto que é, pura e simplesmente, ilegal, viola todos os princípios de ordenação social e garantia da lei, assim como os princípios da segurança jurídica, na sua expressão de princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático consagrada no artigo 2.º da Constituição, da legalidade fiscal, em particular na sua dimensão de princípio da tipicidade, previsto no n.º 2 do artigo 103.º, no artigo 104.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, da capacidade contributiva, que concretiza em matéria de impostos o princípio da igualdade, constante do artigo 13.º da Constituição, e da proporcionalidade, consagrado no n.º 1 do artigo 18.º da Constituição.

  7. Pelo carácter fracturante da interpretação colhida no acórdão objecto de revista, a análise desta questão impõe-se como uma irrenunciável exigência de clarificação, sendo esta, importa dizê-lo, a primeira vez que o STA é chamado a pronunciar-se, nesta sede, sobre tal questão. Também por isso, sempre será de admitir e apreciar a revista pedida. É que a decisão sob revista, a manter-se, é equivalente a aceitar a absoluta desordem e aleatoriedade e a autorizar a desaplicação casuística da lei.

  8. A possibilidade de accionar o recurso excepcional de revista depende, ainda, nos termos do n.º 2 do artigo 285.º do CPPT, da verificação de um requisito complementar: a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

    L. Ora, no centro nevrálgico da questão a que se pede uma resposta no domínio do presente recurso está o DL n.º 495/88, de 30 de Dezembro, cujo artigo 1.º, n.º 1, determina que as sociedades gestoras de participações sociais “têm por objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”. Sendo que, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, “a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante”.

  9. Por sua vez, determina o n.º 1 do artigo 5.º do diploma em referência que está especialmente vedado a estas sociedades “(c) Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por elas dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º (…)”.

  10. Da mera leitura deste preceito resulta, com efeito, que a A............, por limitações de ordem legal, nunca poderia ter sido titular dos empréstimos obrigacionistas em que foi emitente a sociedade B............, sendo esta a razão fundamental para a intervenção da C............ na operação de financiamento em referência – refira-se que resulta provado nos autos (ponto F do probatório) que a entidade emitente das obrigações (B............) não é uma empresa pertencente ao Grupo A............, sendo, por isso e concomitantemente, uma sociedade dominada da A............, ao contrário do que acontece, justamente, com a C...

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