Acórdão nº 1627/20.0PBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal de Setúbal (J2) no âmbito do Processo 1627/20.0PBSTB foi o arguido AA submetido a julgamento em Processo Comum com intervenção de Tribunal Coletivo.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, por Acórdão de 17 de março de 2022, o Tribunal decidiu: a) CONDENAR o arguido AA como autor material, na forma tentada, de 1 (um) crime de homicídio, p. e p. pelos artigos 22º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23º e 131º do Código Penal (cedendo a qualificativa a que alude os artigos 132º, n.º 2, alínea e), do Código Penal), na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) Suspender a execução da pena indicada em a) pelo período da sua duração (5 anos), subordinando-se a suspensão a regime de prova, a delinear e acompanhar pela DGRSP, com vista a ver trabalhadas as temáticas relativas à incapacidade de lidar com a frustração, inerente impulsividade, ou na criação de empatia face posição do próximo, se necessário for com sujeição do arguido a competente acompanhamento psicológico; c) Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido de ressarcimento de despesas hospitalares formulado por “Centro Hospitalar de Setúbal, EPE” e, consequentemente, condenar o arguido/demandado a pagar àquela unidade hospitalar a importância de €1.976,50 (mil novecentos e setenta e seis euros e cinquenta cêntimos), a acrescer de juros moratórios à taxa legal desde citação/notificação do pedido até efetivo e integral pagamento.

* Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: a) Para se determinar se a conduta do arguido é ou não especialmente censurável à luz do Artº 132º do Código Penal e se foi ou não motivada por um motivo fútil, tem que ser considerada desde o início de acordo com os factos que foram considerados provados, não se podendo levar em conta os factos praticados apenas a partir de um determinado momento; b) Assim, a conduta do arguido teve início no momento em que saiu de casa, depois de ter enviado à vítima mensagens intimidatórias e com o intuito de se encontrar esta a fim de resolver o litígio em torno do pagamento de €12, levando consigo uma faca; c) Quem deu início à contenda física não foi a vítima, que apenas desferiu uma cabeçada ao arguido depois de ter sido por este empurrada e na sequência da conduta deste que foi sempre agressiva e destinada a forçá-lo a pagar os €12; d) As facadas desferidas pelo arguido não foram uma resposta à cabeçada que o atingiu, porque não foram desferidas imediatamente após esse acto; e) Considerada na sua globalidade, a conduta do arguido reveste-se de especial censura porque teve por base o diferendo quanto ao pagamento de €12 e como objectivo obter esse pagamento, persistindo no seu propósito de tirar a vida á vítima quando esta já se encontrava a fugir e de costas para si; f) A conduta do arguido é a sua reacção à recusa da vítima em pagar a quantia de €12, facto que o enfureceu e que é sem dúvida uma conduta especialmente censurável, revestida de um desvalor especial que a integra na previsão do Artº 132º, nºs 1 e 2, alínea e) do Código Penal; g) A alteração da qualificação jurídica propugnada pelo Ministério Público implica a alteração da moldura penal abstracta pelo que, considerando a ponderação feita pelo acórdão recorrido dos elementos relevantes para a fixação da medida concreta da pena, esta não poderá ser inferior a 6 anos de prisão o que, nos termos do Artº 50, nº 1 do Código Penal impossibilita a suspensão da respectiva execução; h) Caso se mantenha a qualificação jurídica efectuada no acórdão recorrido, não há lugar à aplicação do citado Artº 50º, nº 1, uma vez que, obedecendo aos critérios aí determinados, não é possível realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – constantes do Artº 40º, nº 1 do Código Penal – através da simples censura dos factos e da ameaça de cumprimento de prisão; i) A ausência de antecedentes criminais, enquanto preenchimento da conduta do arguido anterior aos factos, por si só não é relevante porque se trata do mínimo exigível a qualquer cidadão, especialmente no que respeita a crimes de homicídio; j) O comportamento do arguido posterior aos factos não permite extrair tal conclusão, já que o mesmo não se assumiu voluntariamente como o respectivo autor, foi privado da liberdade pouco mais de três meses depois da sua prática e não os confessou integralmente e sem reservas, negando a intenção de matar e atribuindo a responsabilidade da sua conduta à própria vítima; k) A personalidade do arguido, cuja concretização consta nos factos provados com os números, 52) a 55) é um factor que faz perigar os bens jurídicos e que não permite concluir que a simples censura do facto e ameaça de cumprimento de pena de prisão lhes confere protecção suficiente e adequada ou que contribuirá para a reintegração social do arguido; l) Os factos provados nos números 42) a 49) não permitem concluir que o arguido se encontre pessoal, social e profissionalmente inserido; m) Não sendo possível afirmar que a ameaça do cumprimento da pena de prisão permite realizar de forma adequada as finalidades da punição, não pode ser aplicado o Artº 50º, nº 1 do Código Penal e a pena de prisão não pode ver a sua execução suspensa; n) Nestes termos deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos Artºs Artº 132º, nºs 1 e 2, alínea e), 22º, nºs 1 e 2, alínea b) e 23º do Código Penal numa pena não inferior a 6 anos de prisão, ou, mantendo-se a qualificação jurídica feita pelo acórdão recorrido, o revogue na parte em que determina a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão, determinando o seu cumprimento efectivo.

* O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

* O arguido respondeu ao recurso interposto pugnando pela respetiva improcedência e concluindo do seguinte modo: a) Considera o Ministério Público a alteração da qualificação jurídica da conduta do arguido, qualificando esta como um crime de homicídio qualificado na forma tentada, b) Isto porque, na sua interpretação, o arguido saiu de casa com o intuito de matar a vítima.

c) O que não faz qualquer sentido. Nem sequer a tentativa de justificar a sua interpretação.

d) Ora, justifica o Ministério Público, alegando que no facto de o arguido fazer acompanhar de si uma navalha reside a intenção premeditada de tirar a vida à vítima. O que não logra qualquer sentido, se não vejamos.

e) Arguido e vítima encontraram-se a pedido da vítima, em horário e local escolhido por esta, local este que se trata de um jardim público.

f) O arguido, e tal como mencionado no Acórdão recorrido, declarou que a dita faca servia para auxiliar no seu trabalho, e por isso estava sempre na sua posse.

g) Ora, a alegada intenção de matar a vítima com que o arguido supostamente saíra de casa, não logra qualquer sentido uma vez que ambos se encontraram para conversar pessoalmente sobre o desacordo em que se encontravam relativamente ao negócio que haviam celebrado.

h) Também não faz qualquer sentido o dito nexo causal entre o facto de o arguido sair de casa com a navalha no bolso e o facto de ter proferido golpes na vítima, uma vez que terá sido a vítima a agredir primordialmente o arguido.

i) Neste sentido, e na sequência das conversações que foram escalonando de tom médio para agressivo de ambas as partes como terá declarado a vítima, esta última terá proferido uma cabeçada ao arguido.

j) Ora, se o arguido efetivamente tivesse como sua pretensão tirar a vida à vítima, que sentido faria ter-se encontrado com esta em local público, a meio do dia, em período de férias escolares (o que só por si se considera maior número de transeuntes no parque onde ocorreram os factos), e levando consigo uma faca que é seu instrumento de trabalho e que não possuí mais de 5cm de lâmina??? Fará algum sentido??? k) Então se queria de facto matar a vítima, se já transportava consigo essa intenção, porque não o fez de imediato??? Porque iria discutir com esta sobre o dinheiro que esta teria de lhe pagar, esperar ser agredido, se a sua intenção era de facto tirar-lhe a vida?? l) Até porque se tivermos em consideração as interpretações do Ministério Público, a conduta do arguido é decorrente da sua vontade de fazer cobrar o montante de 12€ à vítima pelas capas que lhe teria vendido.

m) O que não tem sequer cabimento!! O arguido respondeu a uma agressão!! n) Tendo, inclusive, permanecido no local após as agressões.

o) O que não demonstra, em momento algum, situação de especial censurabilidade ou perversidade, capaz de qualificar o tipo de crime praticado pelo arguido.

p) Quanto à suspensão da execução da pena de prisão efetiva, pugna o Ministério Público pelo cumprimento efetivo da medida da pena aplicada ao arguido pelo Tribunal “a quo”.

q) O que o faz nitidamente ignorando e irrelevando o comportamento do arguido anterior ao crime, a sua situação sociofamiliar e até mesmo o seu comportamento após a prática do crime.

r) O arguido não só confessou integralmente a conduta praticada, como se mostrou veementemente arrependido.

s) Condenou o Tribunal “a quo” o arguido como autor material na forma tentada de um crime de homicídio simples na forma tentada (artigos 22.º, n.º1 e 2º, alínea b), 23.º, 131.º e 132.º, n.º2, alínea e) do Código Penal) na pena de 5 anos de prisão, sujeito à suspensão do cumprimento da pena efetiva com regime de prova por forma a ser acompanhado pela DGRSP com vista a trabalhar temáticas inerentes à personalidade do arguido.

t) Ora, olvida-se o Ministério Público de considerar a idade do arguido, a conjuntura dos acontecimentos que antecederam a prática do crime, e até mesmo as circunstâncias que despoletaram a conduta do arguido – o facto de este ter sido...

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