Acórdão nº 779/20.3T9STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Santarém - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com o n.º 779/20.3T9STR, foi proferido despacho de condenação do mandatário do assistente na multa de 5 UC pela entrega fora de prazo do processo que lhe havia sido confiado por despacho do Ministério Público.

Inconformado com tal decisão, veio o assistente interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “Conclusões:

  1. O Assistente AA tem constituídos dois mandatários, um com domicilio em ..., ..., e o signatário, em ....

  2. O deceso filho BB, militar da GNR morreu em serviço e, porque pai e mãe não se relacionam, esta assistente é representada por outra mandatária.

  3. Que o Tribunal determinou, que fosse mandatária de ambos os assistentes, pese embora se encontrasse numa situação de incompatibilidade de patrocínio, já que patrocinou, em nome da mãe do deceso BB, vários processos contra o pai, assistente AA.

  4. Essa situação de impedimento veio a ser reconhecida recentemente pelo Tribunal recorrido, contudo, já depois da notificação da acusação pública, e para deduzir acusação particular e PIC, que, E) No caso do assistente AA foram feitas na pessoa da Sra. advogada CC, e não na pessoa dos seus advogados.

  5. De resto, até a notificação inicial para deduzir PIC foi feita na pessoa do AA e não na dos seus mandatários que, em consequência do despacho referido na precedente alínea C).

  6. O Assistente AA e os seus mandatários ficaram alheados de tudo o que se passou no inquérito e, por isso, depois da acusação pública e da notificação pessoal do assistente para deduzir PIC (mas não acusação particular), estes mandatários, em nome do seu constituinte vieram requerer — em virtude dos prazos que estava a decorrer -: i) O acesso ao processo por via digital ou, verificando-se essa impossibilidade, ii) A consulta do mesmo fora das instalações do tribunal.

  7. Em 29.11.2021- segunda-feira- o recorrente contactou a secção do DIAP, telefonicamente, solicitando saber se o requerimento de consulta (apresentado pelo menos há 10 dias) já tinha sido objeto de despacho e, em caso afirmativo se seria possível levantar o processo no fim dessa manhã, para o devolver na tarde do dia seguinte.

    Isto porque, l) O recorrente estava deslocado durante 2 dias na região de ... e poderia digitalizar o processo, devolvendo-o ao DIAP rapidamente.

  8. Por motivo alheio ao recorrente o processo só lhe foi disponibilizado na tarde de dia 29.11.2021, quando este já estava em ..., em diligência na PJ.

  9. Pelo que só pôde levantar o processo no DIAP ..., no dia 30.11.2021, pelas 15h55m.

  10. O despacho que autoriza a consulta do processo nunca foi notificado ao recorrente, M) Todavia este admite ter assinado uma cota onde consta que a consulta era por 24h.

  11. Por esse facto, o recorrente regressou a ... e no dia 01.12.2021, feriado, digitalizou os 4 volumes que compunham o inquérito, O) Sendo que dia 02.12.2021, por estar impedido em audiência de julgamento na secção genérica de ..., Tribunal da Comarca de ..., remeteu, via postal registado- CTT EXPRESSO- o processo ao DIAP, com um requerimento de devolução, onde para além do mais indicava um erro de numeração de fls e sugeria a sua retificação, o que veio a ocorrer.

  12. O recorrente foi notificado via e-mail, dia 03.12.2021 (ao final do dia) para entregar o processo e justificar o atraso na entrega do mesmo, Q) Ao que respondeu em 04.12.2021 (sábado) para além do mais, informando que o processo já tinha sido remetido por correio em 02.12.2021 e justificou o seu impedimento.

  13. Dia 06.12.2021, o processo foi entregue pelos CTT no DIAP ..., desconhecendo porque motivo o atraso se verificou, e a Sra. Dra. DD comprovou documentalmente o envio do processo em 02.12.2021.

  14. O recorrente foi multado em 5 UC'S pelo atraso na entrega do processo, seja porque o Tribunal recorrido não considera que o requerimento de 02.12.2021, pudesse ser praticado por correio (pelo contrário entendeu que tinha de ser praticado pessoalmente) e que T) O impedimento não estava devidamente justificado.

    Salvo o devido respeito, U) Entende o recorrente, com base na jurisprudência referida nos precedentes pontos 35/36/66 e que aqui se dá por integralmente reproduzida que, o Tribunal recorrido, ao aplicar a multa sem notificar o recorrente da promoção do MP (que abraçou na decisão, aliás) incorreu numa nulidade por violação do direito do contraditório, uma nulidade por omissão suscetível de influir no exame e decisão da causa.

    De resto, V) O recorrente entende modestamente que a interpretação dos artigos 167º nº 2 do CPC (invocado como fundamentação legal no despacho recorrido), conjugado com o artigo 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais e artigo 89º nº 5 e, ainda, (normas que não foram indicadas no despacho recorrido mas aqui se invocam por mera cautela) os artigos 167º, nº 3 e 166º, nº 2 do CPC, quando interpretados no sentido em que é possível aplicar a um advogado uma multa processual sem que lhe sejam asseguradas todas as garantias de defesa, designadamente pronunciar-se sobre as promoções do MP que requeiram a aplicação dessas multas ao Sr. Juiz (in caso JIC), consubstancia uma interpretação inconstitucional de tais dispositivos legais por violação do direito de defesa em processo sancionatório, ou seja, em desconformidade com o texto constitucional escrito no nº 10º do artigo 32º da C.R.P.

  15. Inconstitucionalidade que desde já expressamente invoca e cuja apreciação requererá a final.

  16. Entende o recorrente que, ademais, este incidente deveria ter sido processado por apenso, permitindo e garantindo todos os direitos de defesa.

  17. O recorrente entende que a consulta e devolução do processo, são atos processuais e este em particular, para além de ser regulado pela lei processual penal, teve consequências processuais.

  18. Ademais, não havia arguidos presos e mais nenhuma parte requereu, antes ou depois, a consulta do inquérito pelo que, AA) Salvo melhor opinião, sugerir como sugere o despacho recorrido que o recorrente fosse de ... a .../..., levar o processo à sua colega para esta o entregar no DIAP ..., sem sequer, se ter apurado se esta estava justamente impedida ou não, BB) É pelo menos desproporcional, desajustado e até injusto, por isso inaceitável.

    CC) Do mesmo modo que o é a sugestão (tal com a anterior) da promoção do MP acolhida no despacho recorrido, que poderia ser um funcionário forense a devolver, pessoalmente, o processo ao DIAP, DD) Sem se ter apurado se o recorrente tinha ou não funcionário forense, se este tinha carta de condução e automóvel, ou pelo menos saber se havia transportes púbicos para o poder fazer (percorrendo 632KM de ida e volta).” Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que reconheça a invocada inconstitucionalidade da interpretação das normas legais efetuada pelo tribunal “a quo” e que declare a verificação das nulidades resultantes da violação do contraditório e da omissão de diligências suscetível de influir no exame e decisão do incidente.

    *O recurso foi admitido.

    Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua improcedência e pela consequente manutenção da decisão recorrida e tendo apresentado as seguintes conclusões: “1ª - O objeto do recurso consiste em saber se a decisão recorrida fez incorreta interpretação e aplicação da Constituição da República Portuguesa e da lei ao ter condenado em multa de 5 UC´s o Ilustre Advogado, Dr. EE, Mandatário do assistente, por violação do prazo de devolução de processo confiado, no caso o presente processo.

    1. - A decisão recorrida consiste no douto despacho proferido nos autos supra identificados, referência ...17 que, com fundamento no disposto no art. 167º, nº2 do CPP condenou o Ilustre Mandatário do Assistente, Dr. EE, ora recorrente, em multa no valor de 5 Unidades de Conta.

    2. - O mencionado despacho ponderou, no essencial, duas questões: “a) Se o I. Mandatário que procedeu ao levantamento dos autos procedeu à sua entrega no prazo prescrito e b) Se não o tendo feito está a sua falta abrangida por justo impedimento.” 4ª – Na douta decisão recorrida concluiu-se que o prazo em causa não foi respeitado e que o atraso na restituição dos autos findo o prazo concedido não está justificado por justo impedimento.

    3. – No caso vertente, ao contrário do alegado pelo recorrente, não está em causa a interpretação do art. 167º, nº2 do CPP, conjugado com o disposto no art. 27º, nº1 do Regulamento das Custas Judiciais e com os arts. 89º, nº5, 167º, nº 3 e 166º, nº2 do CPC no sentido de ser possível aplicar a um advogado uma multa processual sem que lhe sejam asseguradas todas as garantias de defesa e, portanto, uma interpretação inconstitucional de tais dispositivos legais por violação do direito de defesa em processo sancionatório, ou seja, em desconformidade com o texto constitucional escrito no nº 10 do art. 32º da CRP.

    4. – A douta decisão recorrida não enferma de nulidade decorrente da falta de notificação ao recorrente da promoção do Ministério Público subjacente a essa decisão proferida pelo Mº JIC, uma vez que a referida promoção teve como pressuposto a conduta do recorrente, conhecida do próprio e que consistiu na violação do prazo de confiança e devolução do processo pelo que nada justificava o exercício do direito de contraditório.

    5. - Não deveria a questão da aplicação da multa em apreço por violação do prazo da entrega do processo físico no DIAP ... ter sido tratada como incidente autónomo a fim de se permitir ao recorrente a junção do comprovativo do seu impedimento por intervenção em julgamento.

    6. - Com efeito, por um lado, tal não decorre da lei, não está em causa matéria que seja complexa, quer na sua apreensão quer quanto ao número de sujeitos envolvidos: trata-se da aplicação de uma multa por...

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