Acórdão nº 53/19.8GACUB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução02 de Agosto de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos autos de processo sumário que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Cuba, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, com o n.º 53/19.8GACUB-B, por acórdão desta Relação datado 08.03.2022, foi determinado o reenvio prejudicial dirigido ao Tribunal de Justiça da EU, nos termos previstos no artigo 267º do TFUE, no qual foi expressa e autonomamente colocada a seguintes questão: “Podem os artigos 1º a 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU e da Diretiva n.º 2012/13/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, isoladamente ou em conjunto com o artigo 6.º da C.E.D.H., ser interpretados no sentido de não se oporem a uma norma de direito nacional que comine com o vício de nulidade relativa, dependente de arguição, a falta de nomeação de intérprete e de tradução de atos processuais essenciais a arguido que não compreenda a língua do processo, permitindo a sanação de tais vícios com o decurso do tempo?” No âmbito do pedido de reenvio prejudicial, ao qual foi conferida tramitação urgente, ao abrigo do disposto nos artigos 267.º do TFUE, 4º parágrafo, 105.º e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e 23.º-A do Estatuto do TJUE, nos termos solicitados por este tribunal[1], foi proferido acórdão pelo Tribunal de Justiça da EU, publicado no dia de ontem, 01.08.2022, que respondeu à questão colocada da seguinte forma: “O artigo 2.°, n.° 1, e o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal, lidos à luz do artigo 47.° e do artigo 48.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual a violação dos direitos previstos nas referidas disposições destas diretivas deve ser arguida pelo beneficiário desses direitos num determinado prazo, sob pena de sanação, quando esse prazo começa a correr ainda antes de a pessoa em causa ter sido informada, numa língua que fale ou compreenda, por um lado, da existência e do alcance do seu direito à interpretação e à tradução e, por outro, da existência e do conteúdo do documento essencial em questão, bem como dos efeitos a ele associados.”*** Recordamos que o presente recurso tem por objeto a apreciação do despacho que indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido de verificação das nulidades decorrentes da falta de nomeação de intérprete ou da omissão de tradução - sendo o arguido de nacionalidade ... e não entendendo, nem se expressando na língua portuguesa - aquando do ato de prestação de T.I.R., bem como aquando da notificação nos termos do artigo 495º, nº 2 do CPP e da notificação do despacho de revogação de suspensão da execução da pena, por ter entendido que, constituindo nulidades relativas ou dependentes de arguição, as mesmas se encontravam sanadas, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea c) e nº 3, alíneas a) e d) do C.P.P., por não terem sido suscitadas aquando da constituição de arguido, no início da audiência de julgamento ou até ao trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido.

No recurso solicitou o arguido a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que declarasse inexistentes o auto de constituição de arguido, a prestação do T.I.R., o despacho revogatório da suspensão da execução da pena e respetiva notificação, com determinação da ineficácia do processado posterior.

*Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo o Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitido parecer igualmente no sentido da improcedência do recurso.

*No acórdão que determinou o reenvio prejudicial foi delimitado o objeto do recurso, com enunciação das questões a apreciar e a decidir, questões que, por clareza de exposição passamos a reproduzir:

  1. Determinar se as Diretivas n.ºs 2010/64/EU e n.º 2012/13/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, que consagram, respetivamente, o direito à interpretação e tradução e o direito à informação em processo penal, têm aplicação na ordem interna nacional, por via de um “efeito direto vertical”, impondo-se e prevalecendo sobre o direito interno ou, alternativamente, inexistindo esse efeito, por via de interpretação do direito nacional de acordo com o “princípio da interpretação conforme” (nos termos consagrados no Acórdão Marleasing, respetivo n.º 8).

  2. Em qualquer caso – efeito direto vertical; interpretação conforme – haverá que determinar, de seguida, se os atos processuais cuja validade vem posta em causa pelo arguido – auto de constituição de arguido, prestação de TIR, notificação nos termos do artigo 495º, nº 2 do CPP e notificação do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão – se incluem no conceito de “documentos essenciais” a que alude o artigo 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU, por forma a acautelar os “minimum rights” previstos no artigo 6.º, n.º 3 da C.E.D.H, e se nos mesmos deveriam ter sido assegurados os direitos à nomeação de intérprete e à tradução a que aludem o artigo 1º a 3º da mesma Diretiva e o artigo 3º, nº 1, alínea d) da Diretiva 2012/13/UE.

  3. Em caso de resposta afirmativa à questão precedente, importará estabelecer as consequências jurídico-processuais da falta de nomeação de intérprete e de tradução dos referidos atos, e, consequentemente, determinar se a interpretação do artigo 120.º, n.º 3 do C.P.P. propugnada pelo Tribunal “a quo” – no sentido de considerar sanadas as nulidades por omissão de tradução na constituição de arguido, na prestação de T.I.R., na notificação nos termos do artigo 495º, nº 2 do CPP e na notificação do despacho que determinou a revogação da suspensão da pena, por não terem sido suscitadas aquando da constituição de arguido, no início da audiência de julgamento ou até ao trânsito em julgado daquele despacho – se revela compatível com a aplicação das identificadas Diretivas Comunitárias.

*No mesmo acórdão conheceu este Tribunal das identificadas questões, nos termos aí explanados e para os quais remetemos na íntegra, tendo decidido, em síntese: - Quanto à questão enunciada em A), que as Diretivas n.ºs 2010/64/EU e n.º 2012/13/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, que consagram, respetivamente, o direito à interpretação e tradução e o direito à informação em processo penal, têm aplicação na ordem interna nacional, por via do “efeito direto vertical”, impondo-se e prevalecendo sobre o direito interno.

- Quanto à questão enunciada em B), que os atos processuais cuja validade vem posta em causa pelo arguido – auto de constituição de arguido, prestação de TIR, notificação nos termos do artigo 495º, nº 2 do CPP e notificação do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão – se incluem no conceito de “documentos essenciais” a que alude o artigo 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU, por forma a acautelar os “minimum rights” previstos no artigo 6.º, n.º 3 da C.E.D.H, e que nos mesmos deveriam ter sido assegurados os direitos à nomeação de intérprete e à tradução a que aludem o artigo 1º a 3º da mesma Diretiva e o artigo 3º, nº 1, alínea d) da Diretiva 2012/13/UE.

- Quanto à questão enunciada em C), com vista a estabelecer as consequências jurídico-processuais da falta de nomeação de intérprete e de tradução dos referidos atos, e, consequentemente, determinar se a interpretação do artigo 120.º, n.º 3 do C.P.P. propugnada pelo Tribunal “a quo” – no sentido de considerar sanadas as nulidades por omissão de tradução na constituição de arguido, na prestação de T.I.R., na notificação nos termos do artigo 495º, nº 2 do CPP e na notificação do despacho que determinou a revogação da suspensão da pena, por não terem sido suscitadas aquando da constituição de arguido, no início da audiência de julgamento ou até ao trânsito em julgado daquele despacho – se revela compatível com a aplicação das identificadas Diretivas Comunitárias, foi determinado o reenvio prejudicial ao TJ, nos termos sobreditos, com a formulação da questão acima transcrita.

***II.

II - Apreciação do mérito do recurso.

Conforme deixámos já consignado no acórdão que determinou o reenvio prejudicial, para decisão do recurso, releva a seguinte factualidade: - O arguido é de nacionalidade ... e não compreende nem se expressa na língua portuguesa.

- Foi constituído arguido em 10.07.2019, tendo o respetivo auto sido redigido em língua portuguesa e traduzido para a língua oficial da ..., a língua ..., conforme resulta do respetivo auto assinado pelo arguido.

- O arguido foi sujeito a Termo de Identidade e Residência em 10.07.2019, tendo sido fixada em tal documento a seguinte morada: Rua ..., ... ....

- Não foi facultada ao primeiro a tradução do Termo de Identidade e Residência para a língua oficial da ..., a língua ....

- Nos atos de constituição de arguido e de prestação de TIR não foi nomeado intérprete ao arguido.

- Em audiência de julgamento o arguido foi assistido por defensora, tendo sido nomeada intérprete para proceder à tradução dos atos da audiência, intérprete que prestou compromisso legal de bem desempenhar as suas funções.

- Por sentença proferida nos autos em 11.07.2019 e transitada em julgado a 26.09.2019, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, pela prática dos crimes de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 2 do Código Penal, condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. no artigo 291º, alíneas a) e b) e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, n.º s 1 e 2 do Decreto-Lei n.º...

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