Acórdão nº 03431/19.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução01 de Julho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município de ...

de ... veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12.03.2022, pela qual, além do mais, foi este Município condenado a pagar os trabalhos realizados pela Autora, N... LDA, e mencionados na sentença de 30.06.2020 do mesmo Tribunal.

Invocou para tanto, em síntese, que: é nula por violação do caso julgado formal, pois decide de modo diverso do já decidido em sentença transitado em julgado e até no seu despacho de 18.11.2021 e é ilegal, errando nos seus pressupostos de facto e de direito, violando, assim o artigo 613.º do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 85.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação; porque existe caução e é suficiente para pagar o valor das obras em causa, ao contrário do decidido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1ª - No presente caso a garantia que, em cumprimento da sentença, foi colocada à ordem do Tribunal, ficou na disponibilidade do Tribunal, isto é, o Tribunal passou a poder dispor dela para os fins para a qual a mesma foi prestada e nos termos determinados e, por isso, por despacho de 18 de novembro de 2021 determinou a notificação da Companhia de Seguros A... S.A., com sede na Rua ... ... ..., para proceder ao depósito das quantias necessárias para pagar as despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento.

  1. — A Companhia de Seguros notificada para proceder ao depósito do valor garantido bem como da respetiva sentença que determina que seja colocado à ordem do Tribunal a caução composta pela apólice seguro-caução contrato ...01 emitida pela Companhia de Seguros A... S.A. para responder pelas despesas com as obras de urbanização até ao limite do orçamento não interpôs recurso da sentença nem tão pouco do despacho que determinou que procedesse ao depósito da quantia garantida pelo seguro caução, pelo que tais decisões constituem caso julgado para a Seguradora que as deverá cumprir.

  2. — A decisão sob recurso que condenou o Município a proceder ao pagamento dos trabalhos realizados pela Requerente nos termos determinados pela douta sentença proferida nos autos, conforme determinado na alínea D) do segmento decisório de tal decisão, concedendo um prazo de 30 dias, é nula por violação do caso julgado formal, pois decide de modo diverso do já decidido em sentença transitado em julgado e até no seu despacho de 18 de novembro de 2021 e é ilegal, errando nos seus pressupostos de facto e de direito, violando, assim o artigo 613.º do CPC, bem como o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 85.º do RJUE.

  3. - O Tribunal fundamentou o decidido no facto da Seguradora invocar a inexistência do contrato de seguro-caução, considerando que tal invocação consubstancia circunstâncias que determinam a responsabilização do Município, por entender se estar perante a fata ou insuficiência da caução.

  4. - Todavia, o Tribunal erra nos seus pressupostos de facto e de direito, pois, não corresponde à verdade, que falte ou seja insuficiente a caução.

  5. - E demonstração disso é que o Tribunal tem em seu poder o original da Apólice do Seguro Caução celebrado em 07 de julho de 2010, através do contrato n o ...01, com a empresa G..., S.A., através da qual a Companhia de Seguros A..., SA. garante ao Município, à primeira solicitação, o valor de €279.328,19 para a boa execução da empreitada de "Obras de Urbanização na Rua ..., concelho ..., processo 205/09.

  6. - Pelo que, se o Tribunal tem em seu poder uma Apólice de Seguro Caução para garantir as obras em causa — obras de urbanização na Rua ..., no âmbito do processo 205/09, - em que o beneficiário é o Município, EXISTE CAUÇÃO.

  7. - Além disso, as despesas com obras de urbanização foram orçadas em €279.099,30, IVA incluído, e o valor do Garantia prestada pelo Seguro Caução é de €279.328,19, pelo que também NÃO EXISTE INSUFICIÊNCIA DA CAUÇÃO, pois 0 seu valor é suficiente para pagar as obras realizadas.

  8. - Assim, não se verificam os requisitos para o cumprimento do determinado na alínea D) da sentença ou no n.º5 do artigo 85.º do RJUE, pelo que a sentença ao assim considerar violou o disposto neste normativo legal, bem como o caso julgado formal, constante da sentença de 30 de junho de 2020, já transitada em julgado e do despacho de 18 de novembro de 2021, também transitado em julgado.

  9. - Aliás, não deixa de ser curioso o Tribunal afirmar que a questão de resolução ou não do contrato de seguro é questão que não pode ser discutida nos presentes autos, com o qual efetivamente concordamos), mas, no entanto, acaba por tomar uma posição sobre a questão ao enquadrar a situação na falta ou insuficiência da caução.

  10. - E não podendo/devendo o Tribunal neste procedimento decidir a questão jurídica levantada pela Companhia de Seguros A..., a única determinação que o Tribunal poderá adoptar, independentemente do que a Seguradora entender, é dar cumprimento ao determinado na alínea C) da sentença proferida no processo e transitada em julgado e no n o 4 do artigo 85 0 do RJUE, isto é, ordenar que a Seguradora coloque à ordem do Tribunal o valor garantido pela Apólice para a execução das obras, como já o fez pelo despacho de 18 de Novembro de 2021.

  11. - Na verdade, considerar que há falta de caução porque a Seguradora diz que o contrato de seguro não é válido é admitir que a Seguradora tem razão e é IGNORAR ou DESCONSIDERAR o título que o Tribunal tem em sua mão — a Declaração de Seguro Caução, cujos termos aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos.

  12. - Designadamente: "A Companhia de Seguros A... S.A. obriga-se a pagar aquela quantia nos cinco dias úteis seguintes à primeira solicitação da CÂMARA MUNICIPAL ..., sem que esta tenha que justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou empresa G... SA assume com a celebração do respectivo contrato.

  13. - E ainda "A Companhia de Seguros A... S.A não pode opor ao CÂMARA MUNICIPAL ... quaisquer excepções relativas ao contrato de seguro Caução celebrado entre esta e o tomador de seguro.", bem como "A presente garantia, à primeira solicitação, não pode em qualquer circunstância ser revogada ou denunciada, mantendo-se em vigor até que seja expressamente autorizado o seu cancelamento pela entidade beneficiária.

  14. - Como resulta dos autos a entidade beneficiária é a CÂMARA MUNICIPAL ... que nunca autorizou o cancelamento da garantia e, por isso, tem (tinha) em seu poder o original do Seguro Caução que foi entregue nos autos para cumprimento da lei e do sentenciado.

  15. - Assim, como consta expressamente dessa Declaração de Seguro Caução, a Companhia de Seguros não pode invocar nem opor qualquer exceção relativa ao contrato de seguro caução ao beneficiário (Município) nem invocar a revogação ou denúncia do mesmo até que seja expressamente autorizado o cancelamento pelo beneficiário.

  16. - Pelo que o motivo que invocou junto do Tribunal para se furtar ao depósito do valor caucionado, é um motivo não atendível e nunca poderia ser atendido pelo Tribunal, pelo que também por esta razão é ilegal por violar as normas respeitantes aos seguros caução.

  17. - Deste modo é indiscutível que não se verifica nem falta nem insuficiência de caução e que o seguro caução é válido e encontra-se em vigor, podendo ser exigido à Companhia de Seguros A..., SA, pelo que o Tribunal deverá determinar à (insistir com) Seguradora o depósito do valor garantido à sua ordem, para responder pelas despesas com as obras de urbanização, executando a garantia, como lhe compete.

  18. - À semelhança do decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 12/05/2015, processo 2186/13.5BVNGP1, que tratou de situação totalmente idêntica à presente, pois este Acórdão foi proferido em situação semelhante e também teve como parte o Município de ..., com a diferença que naquele caso estávamos perante uma garantia bancária e no presente perante um seguro caução.

  19. — O Município, in casu, cumpriu a sua obrigação de garantir devidamente as obras de urbanização ao exigir a apresentação de uma caução á primeira solicitação, caução essa que foi apresentada e de valor suficiente para assumir as despesas com as obras de urbanização realizadas.

  20. - A Seguradora, como resulta do exposto, é que não pode se negar a cumprir o determinado face ao beneficiário invocando, nomeadamente a resolução do contrato de seguro ou o não pagamento do prémio pelo tomador de seguro, não cumprindo com aquilo a que se obrigou, como aliás, resulta do referido no Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 24/10/2006, Revista n o 1982/06, in Boletim de Sumários do STJ - Cível, constante das Alegações e para onde se remete.

  21. — Destacando-se: "V - Devendo o seguro-caução celebrado garantir à autora o risco de incumprimento em condições idênticas à de uma caução em dinheiro, não se pode aceitar a possibilidade de a seguradora impor a resolução do contrato por fata de pagamento do prémio.

  22. — E ainda: " VIII - Trata-se de uma garantia autónoma, à 1, a solicitação, independente, em que sobre a garante recai a obrigação de pagar logo que solicitada; daí que tendo sido pedida pela autora uma quantia certa, a quantia segura, e não a tendo a ré pago, constituiu-se em mora, e, consequentemente, na obrigação de pagar juros.

  23. — Em face de todo o exposto, a decisão sob recurso proferida pelo tribunal a quo em 12.03.2022, é ilegal por violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 85.º do RJUE e artigo 613º e 615.º do CPC, bem como é nula por violação do caso julgado formal, por decidir de modo diverso de sentença já transitada em julgado e do...

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